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Janot anuncia investigação que pode anular perdão de Joesley Batista, da JBS

Em reta final de mandato, procurador-geral da República diz que foram encontradas omissões gravíssimas em pacto

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, anunciou nesta segunda-feira uma nova investigação contra Joesley Batista, magnata da JBS, que pode acabar anulando o perdão judicial que ele recebeu no mega-acordo de delação premiada que afetou dezenas de políticos, incluindo o presidente da República, Michel Temer. Segundo Janot, há indícios de que Batista e outros executivos signatários do acordo omitiram fatos "gravíssimos" quando assinaram o pacto. O procurador-geral frisou que as provas obtidas com Joesley, como áudios com o próprio Temer e o senador Aécio Neves (PSDB-MG), seguem valendo.

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot
O procurador-geral da República, Rodrigo JanotMarcelo Camargo (Agência Brasil)

Janot indicou durante a coletiva de imprensa que dois colaboradores da JBS, Joesley Batista e Ricardo Saud, gravaram um áudio involuntariamente, sem perceber que o gravador estava ativado, e que em quase quatro horas de conversa relataram fatos "gravíssimos" e fizeram insinuações contra autoridades, que podem indicar crimes cometidos durante a negociação da delação premiada da JBS.

Até agora, as revelações da delação da JBS já tinham sido devastadoras para a classe política e para o presidente Michel Temer, que acabou acusado de corrupção por Janot depois de gravado por Joesley em situação suspeita. Só não foi aberta ação penal contra Temer porque ele comprou apoio de parlamentares, com favores a grupos de interesse e congressistas, e conseguiu ganhar a votação na Câmara dos Deputados pela rejeição de uma ação penal enquanto Temer estiver na Presidência da República.

Agora a delação da JBS volta a causar devastação, mas desta vez capaz de atingir as pessoas envolvidas na negociação. Isso porque novas gravações, entregues pelos delatores da JBS às 19h da última quinta-feira, levantaram suspeitas de que Joesley e seus comparsas omitiram informações do Ministério Público. Depois de ouvir essas novas gravações no fim de semana, auxiliares de Janot acharam um áudio de quatro horas em que os delatores fizeram graves insinuações contra autoridades. Aparentemente, os delatores não sabiam que estavam se gravando, de acordo com Janot.

"As insinuações são graves. A análise de tal gravação revelou diálogo entre dois colaboradores com referências indevidas à Procuradoria-Geral da República e ao Supremo Tribunal Federal", afirmou Janot aos jornalistas.

Janot não quis revelar mais detalhes dos fatos revelados nessa conversa comprometedora, mas indicou que Ricardo Saud e Joesley Batista insinuaram que tiveram a ajuda indevida do ex-procurador da república Marcelo Miller durante a negociação da delação premiada enquanto ele ainda era integrante do Ministério Público. De acordo com assessores de Janot entrevistados pelo EL PAÍS, Joesley e Ricardo aparentavam estar embriagados quando se gravaram sem saber.

Em pedido enviado ao ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, no qual exige a revisão do acordo de colaboração, Janot diz que os delatores da JBS sugerem no áudio localizado que "depositavam esperança de que, por intermédio da pessoa de Marcelo Miller, pudessem obter facilidades junto ao Procurador-geral da República, inclusive sugerindo futura sociedade em escritório de advocacia, em troca no processo de celebração dos acordos de colaboração premiada".

Miller foi, durante três anos, um dos principais assessores de Janot na área criminal e o principal negociador de acordos de delação premiada na Procuradoria-Geral da República. Se houve ou não ajuda indevida de Miller, isso é o que Janot quer investigar agora. Já se sabe que Miller deixou o Ministério Público no dia 5 de abril para virar advogado e, curiosamente, se tornou, dias depois, um dos defensores de Batista na negociação da delação premiada.

A gravação do áudio sob suspeita aparentemente foi feita no dia 17 de março deste ano, de acordo com Janot. Mas o procurador-geral da República destaca que só foi efetivamente procurado por representantes da JBS no dia 27 de março. Por isso, é importante investigar que tipo de contato Miller teve com os delatores antes disso, destaca Janot.

“Esta sucessão de datas é importante porque sugere a participação de então membro do Ministério Público Federal em atividade supostamente criminosa e/ou de improbidade administrativa”, diz Janot no pedido enviado ao STF.

Antes da entrevista de Janot nesta segunda-feira, já era insinuado nos bastidores do Judiciário que Miller ajudou na negociação do acordo da JBS enquanto ainda era procurador da república. Joesley tinha gravado Temer em conversa no porão do Palácio do Jaburu no dia 7 de março. Deve ser esclarecido agora se Miller deu algum tipo de orientação indevida ao empresário para gravar Temer ou para preparar outras provas apresentadas pela JBS no acordo de delação.

Isso porque não ficou público até agora, de forma confiável, quando Miller teve efetivamente o primeiro contato com representantes da JBS sobre um eventual acordo de delação premiada. Essa ambiguidade foi explorada até pelo presidente Michel Temer, logo depois que foi alvo de denúncia de Janot com base na delação da JBS. Para se defender e criar polêmica contra a denúncia, Temer insinuou que Janot poderia ser beneficiário dos honorários recebidos por Miller como advogado da JBS.

O acordo da JBS foi o acordo de delação mais polêmico e mais relevante da operação Lava Jato. Não só porque atingiu no exercício do cargo o presidente Michel Temer, que se envolveu diretamente em fatos considerados criminosos com o empresário Joesley Batista, mas também porque foi o primeiro acordo em que houve imunidade penal garantida aos delatores. Pela primeira vez na história, um presidente da república virou alvo de inquérito durante o exercício do mandato e, também pela primeira vez na história, criminosos ganharam benefícios penais para não serem nem processados pelos crimes que revelaram.

Justamente esses benefícios inéditos a Joesley podem ser questionados agora, diz Janot. Durante a entrevista, o procurador-geral da República reiterou que nenhuma prova obtida no acordo de delação premiada da JBS poderá ser anulada. Janot argumenta que as provas continuam válidas, lícitas e que não impedem uma nova denúncia contra Temer, que é esperada para os próximos dias.

Janot reiterou que as únicas anulações que podem ocorrer seriam nos benefícios concedidos a Joesley e seus executivos. Se perderem a imunidade, podem ser processados e presos.

"Se ficar provada qualquer ilicitude, o acordo de delação premiada será rescindido. A eventual rescisão do acordo não invalida, repito, não invalida  as provas até então oferecidas", afirmou Janot.

Janot também quer investigar por que Ricardo Saud, um dos executivos da JBS, omitiu uma conta bancária no Paraguai antes de assinar o acordo com o Ministério Público.

A defesa dos executivos da JBS enviou comunicado à imprensa depois da entrevista coletiva de Janot, em que diz que a "interpretação precipitada será rapidamente esclarecida".

"A defesa dos executivos da J&F junto ao Ministério Público Federal informa que a interpretação precipitada dada ao material entregue pelos próprios executivos à Procuradoria-Geral da República será rapidamente esclarecida, assim que a gravação for melhor examinada. Conforme declarou a própria PGR, em nota oficial, o diálogo em questão é composto de 'meras elucubrações, sem qualquer respaldo fático'. Ou seja, apenas cogitações de hipóteses — não houve uma palavra sequer a comprometer autoridades. É verdade que ao longo do processo de decisão que levou ao acordo de colaboração, diversos profissionais foram ouvidos — mas em momento algum houve qualquer tipo de contaminação que possa comprometer o ato de boa fé dos colaboradores", diz o comunicado da JBS.

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