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Stanislav Petrov, o homem que salvou o mundo

Por 15 minutos, Stanislav Petrov teve o destino da humanidade em suas mãos. Foi o tempo que durou o alarme falso de um ataque nuclear

Martín Caparrós
Fotografia do tenente coronel soviético Stanislav Petrov tirada en 1999.
Fotografia do tenente coronel soviético Stanislav Petrov tirada en 1999.Nikolai Ignatiev (Alamy Images)

Dizem que o mundo nunca esteve tão perto de desaparecer como naquele dia. Naquele dia, o presidente Reagan discursava contra os comunistas na ONU, a França continuava vetando a entrada da Espanha na Europa, os ditadores argentinos concediam anistia a si mesmos e a dupla Simon & Garfunkel se despedia do cenário musical para sempre. Naquele dia, ocorreria a inauguração de um centro comercial em La Vaguada [em Madri] e temiam-se ataques terroristas; a nova lei socialista de ensino, que reduzia a presença da religião nas escolas, era atacada por bispos e conservadores.

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Naquele dia, 26 de setembro de 1983, Stanislav Petrov estava com 44 anos de idade e era um tenente-coronel do exército soviético responsável pelo Centro de Detecção de Ataques Nucleares da URSS. A partir desse bunker, ele gerenciava a imensa rede de radares, satélites, técnicos e analistas que procuravam proteger seu território contra os mísseis atômicos norte-americanos. No meio da noite, o centro foi sacudido por um alarme: os computadores tinham detectado um míssil que estaria voando em direção à Rússia a 24.000 quilômetros por hora. Petrov pediu que se confirmasse a informação; os computadores a mantiveram, embora os satélites de observação não conseguissem ver o tal míssil. Petrov achou — eram outros tempos — que as máquinas e seus algoritmos podiam se enganar. Decidiu aguardar; nos cinco minutos seguintes, mais quatro alarmes foram disparados. Um único desses mísseis tinha — tem — o dobro do poder explosivo de todas as bombas da Segunda Guerra Mundial reunidas.

Deve ser muito esquisito pensar que se tem nas mãos o destino do mundo. Se Petrov tivesse seguido o protocolo e alertado seus superiores, em poucos minutos várias centenas de mísseis nucleares teriam sido disparados em direção ao território norte-americano. Em apenas uma hora, a guerra nuclear teria acabado com a vida de milhões e milhões de pessoas. Mas Petrov decidiu esperar. Os computadores reconfirmavam a informação, mas não havia nenhuma confirmação visual dela. Deve ser muito estranho saber que, se você tomar uma decisão equivocada, a humanidade inteira pagará por isso.

Stanislav Petrov nasceu em Vladivostok, em 1939; não gostava de ser militar, mas vinha lidando com a função com facilidade. Menos agora, pois ali não havia nenhuma margem para dúvidas. Decidiu, então, que o alarme devia resultar de algum erro. Não fazia sentido que os EUA estivessem mandando apenas cinco mísseis em vez de centenas, como se poderia prever. Alguns minutos depois, o radar confirmou que não havia ataque nenhum.

Petrov acabara de salvar o mundo, mas o mundo não ficou sabendo disso, e tudo continuou como se nada tivesse acontecido. Os militares russos silenciaram sobre o caso. Seu sistema de defesa tinha falhado demais para que divulgassem o acontecido, de modo que só ficamos sabendo do episódio 20 anos depois. E, por alguma razão, o fato de nos inteirarmos disso não nos leva a perguntar quantas outras coisas nós também ignoramos hoje, coisas que estariam acontecendo neste momento e que só saberemos, talvez, em algum dia do futuro.

Stanislav Petrov não permaneceu por muito mais tempo no exército. Sua esposa morreu e ele pediu para ser reformado. Hoje, é um senhor de idade raivoso, fumante, irritadiço, trancafiado em um apartamentinho da periferia de Moscou, meio cansado de ser procurado apenas para falar sobre aqueles 15 minutos, que não parece ter outras coisas a dizer além daquilo que se passou naqueles 15 minutos, quando o seu grande acerto foi não fazer nada: a decisão de que a inação era a melhor ação possível. O fato de ele estar no comando ali, naquela hora, foi um acaso; talvez um outro militar tivesse seguido ao pé da letra o protocolo, talvez o mundo não existisse mais. Sua vida são esses 15 minutos, mas esses 15 minutos salvaram o mundo: poucas vidas — tão plenas, tão vazias — pesaram tanto para o destino como a sua.

As bombas continuam por aí: Estados Unidos, Rússia, China, França, Inglaterra, Índia, Paquistão e Coreia do Norte possuem milhares delas, capazes de fazer tudo voar pelos ares. Mas, por alguma razão, isso já não parece nos preocupar. Mesmo estando, como sempre, ao sabor de um acaso desconhecido. Ou de um bastante conhecido, um tal de Donald Trump, que ameaça com “fogo e fúria como o mundo nunca viu”, e que pode fazê-lo.

Por Martín Caparrós

Martín Caparrós é jornalista e escritor, nascido em Buenos Aires em 1957. Deixou o seu país de origem em meados dos anos 70 e se exilou na Europa. Cursou História na Sorbonne, em Paris, e depois mudou para Madri, onde viveu até 1984, quando, com a democratização da Argentina, voltou para o seu país natal. Desde então, sua vida tem sido marcada por constantes idas e vindas entre um lado e outro do Atlântico. Em seu livro Lacrónica, de 2015, ele trata de seus 30 anos no mundo do jornalismo.

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