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O que aconteceria se a Coreia do Norte lançasse vários mísseis sobre Guam?

Perguntas e respostas sobre a inédita escalada verbal entre Washington e Pyongyang

Milhares de soldados comemoram em Pyongyang
Milhares de soldados comemoram em PyongyangJon Chol Jin (AP)

Por que a tensão cresceu tanto nos últimos dias?

A Coreia do Norte reagiu com ira à nova onda de sanções contra o país aprovada por unanimidade no Conselho de Segurança da ONU. Nessa ocasião, ameaçou transformar os Estados Unidos em um “mar de fogo”. Não é algo inusitado: a propaganda norte-coreana já adotou uma retórica belicista semelhante (“reduzir a Casa Branca a cinzas”, “um ataque nuclear no coração dos EUA”, “o arsenal atômico está preparado”) em outros momentos de tensão.

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A grande novidade foi a resposta que recebeu dos Estados Unidos. Muito distante do comedimento adotado pela Administração Obama, Donald Trump se colocou no mesmo nível do regime de Kim Jong-un e acenou com “um fogo e uma fúria jamais vistos no mundo” se o país asiático não parar de fazer ameaças aos Estados Unidos.

O Exército norte-coreano registrou essa réplica e anunciou, em detalhes, sua intenção de disparar quatro mísseis de meio-longo alcance em águas próximas da ilha de Guam, um território norte-americano no Pacífico. O plano, segundo a propaganda norte-coreana, estará pronto em meados deste mês e será entregue a Kim-Jong-un, que decidirá por sua execução ou não.

Trump não só não recuou como redobrou sua aposta e voltou a ameaçar com “problemas que poucos países conheceram”. Nesta sexta-feira, ele afirmou em um tuite que os EUA têm tudo preparado para um revide militar.

Há alguma expectativa de redução dessa escalada?

No curto prazo, não. Independentemente de como será a troca de declarações ao longo dos próximos dias, no fim do mês entrará em cena um outro elemento. A Coreia do Sul e os EUA realizarão a partir de 21 de agosto uma nova série de manobras militares conjuntas. Embora elas sejam, em princípio, de natureza pacífica, a Coreia do Norte as interpreta como uma simulação de invasão.

Em outras ocasiões, foi comum Pyongyang promover testes com misseis balísticos simultaneamente a esses exercícios.

Por que Kim-Jong-un quereria lançar mísseis perto de Guam?

De acordo com os especialistas, esse movimento por parte da Coreia do Norte atenderia a propósitos políticos e técnicos.

Por um lado, esses lançamentos seriam uma advertência contra as ações militares dos EUA na península coreana. Guam é uma pequena ilha localizada no Pacífico e que abriga duas importantes bases militares norte-americanas: uma base naval e a base aérea Andersen. Washington mantém nessas instalações alguns de seus equipamentos militares mais avançados. Entre eles estão os caças bombardeiros supersônicos B-1B, que já sobrevoaram, em diversas oportunidades, como advertência, os céus da Coreia do Norte (a última aconteceu ainda nesta semana), como resposta aos constantes testes de mísseis balísticos norte-coreanos.

Por outro lado, lançar mísseis em direção a Guam (que fica a cerca de 3.400 quilômetros da Coreia do Norte) permitiria ao regime norte-coreano testar a eficácia dos projéteis. A Coreia do Norte realizou vários ensaios, mas todos eles tiveram como método o envio do foguete a uma altitude muito elevada, para que ele pudesse depois cair no mar do Japão. Dispará-los em direção a Guam poderia ser uma forma de testar o seu rendimento em uma trajetória normal.

Analistas avaliam que os mísseis teriam facilidade para fazer os 3.400 quilômetros que separam a Coreia do Norte de Guam

A Coreia do Norte tem condições de fazer com que seus mísseis alcancem Guam?

Os especialistas acreditam que sim. O míssil que seria lançado em direção a Guam é o Hwasong-12, um foguete de meio-longo alcance que começou a ser testado neste ano. As análises feitas por especialistas a respeito desses lançamentos concluem que elas conseguiriam fazer os 3.400 quilômetros que separam a Coreia do Norte de Guam com facilidade.

Os EUA teriam como interceptar esses mísseis?

Em princípio, sim. Os Estados Unidos mantêm em Guam o sistema antimísseis THAAD (instalado em 2013 depois de uma série de ameaças feitas pela Coreia do Norte), capaz de interceptar projéteis em sua última etapa de voo. O THAAD nunca foi testado em tempo de guerra, e uma das dúvidas em relação a ele diz respeito à sua capacidade de reação no caso de vários disparos simultâneos de mísseis, como Pyongyang ameaçou fazer agora. O problema reside em que, uma vez lançados os interceptores, o tempo de reposição do sistema é de 30 minutos.

O THAAD de Guam, porém, seria a última linha de defesa. Antes dele, o potente radar do THAAD parcialmente instalado na Coreia do Sul detectaria os mísseis. Além disso, os destroieres espalhados pelos mares da região ou em outras bases (no Japão, por exemplo) também seriam capazes de interceptá-los.

Uma outra opção seria simplesmente não reagir e deixar os foguetes caírem no mar próximo de Guam (seriam águas internacionais, caso se cumpram realmente os parâmetros anunciados por Pyongyang), mas isso significaria uma vitória enorme para o regime de King-Jong-un. E Trump, pelo que indicam suas declarações recentes, não parece disposto a aceitar isso. O pior, no entanto, seria os EUA tentarem interceptar esses mísseis e não conseguirem fazê-lo totalmente.

Existe uma possibilidade concreta de uma guerra total?

Um míssil lançado a partir da fronteira levaria apenas 45 segundos para atingir Seul

Ainda sem saber se Kim-Jong-un autorizará ou não essa operação, os especialistas veem como muito remota a possibilidade de um conflito armado. Um suposto ataque preventivo contra as instalações nucleares de Pyongyang dificilmente conseguiria eliminar todas elas de uma vez, e é muito provável que a partir de uma ação desse tipo a Coreia do Norte dirigiria parte de sua artilhara contra a Coreia do Sul ou o Japão. Um míssil lançado a partir da fronteira levaria apenas 45 segundos para atingir Seul, em cuja área metropolitana vivem 25 milhões de pessoas.

Nesta sexta-feira, em que pese todo o imbróglio, Seul e Washington concordaram em discutir previamente qualquer medida que possa vir a ser tomada contra o regime norte-coreano, inclusive em termos de opções militares. É praticamente impossível que a Coreia do Sul (ou o Japão) dê sinal verde para uma ação militar de caráter preventivo.

Esta crise poderia desencadear uma corrida armamentista na região?

Sim. As ameaças contínuas de Pyongyang já levaram várias vozes em Seul e em Tóquio a reivindicarem o desenvolvimento de armamentos mais poderosos para se defender. A Constituição pacifista japonesa permite ao Exército que este atue somente em caso de estrita autodefesa, mas alguns setores políticos acreditam que os país não dispõe de meios suficientes nem mesmo para isso.

Na Coreia do Sul, há quem defenda o desenvolvimento de misseis mais poderosos e até mesmo a instalação, em seu território, de armas nucleares norte-americanas. Nos dois casos, seria necessário obter a aprovação de Washington. Até agora, porém, presidente do país, Moon Jae-in, tem rechaçado essa possibilidade.

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