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Corrupção no futebol espanhol: a diretora da seleção morou dois anos em um hotel cinco estrelas

As acusações de práticas irregulares se multiplicam depois da prisão do presidente da Federação e de seu filho

Claramunt com o treinador da seleção espanhola, Julen Lopetegi
Claramunt com o treinador da seleção espanhola, Julen LopetegiJESUS RUBIO (AS)

A diretora da seleção espanhola de futebol, María José Claramunt (os jogadores a chamam de A Chefa) não precisava sair à rua para ir ao cabeleireiro. As cabeleireiras iam até ela. E não em sua casa, mas a seu escritório na Federação Espanhola e, em alguns fins de semana, se houvesse algum evento, ao quarto do luxuoso hotel madrilenho cinco estrelas no qual morou por mais de dois anos. Quem a conhece garante que tinha um estilo de vida espetacular. As revelações contra Claramunt vieram à tona depois do escândalo que abala o futebol espanhol e que levou à prisão Angel María Villar, presidente da Federação Espanhola de Futebol há 29 anos e vice-presidente da FIFA. Também foi preso seu filho Gorka, dono de uma empresa que trabalhou para várias federações sul-americanas.

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Claramunt nega ao EL PAÍS que tenha levado uma vida de luxo. Destaca que “apenas uma vez” foram arrumar seu cabelo na Federação e que foi a Federação que lhe ofereceu o hotel cinco estrelas sem que ela tivesse pedido, e que durante esse tempo não recebeu nenhum pagamento. “Me sentia feliz na Federação”, afirma. Garante que tinha dinheiro de uma alta indenização que recebeu depois de deixar seu trabalho anterior no Valencia. E afirma que alguns inimigos propalam falsamente sua suposta opulência para prejudicar sua imagem. Fontes consultadas afirmam que em jantares em restaurantes de luxo que ela pagava, se gabava da boa relação com a maioria dos jogadores: “O El capi me liga [em alusão a Iker Casillas, um dos queridinhos entre os jogadores] e me disse: ‘Chefa, tenho que encontrá-la para...”. “Queria reforçar que era ela quem mandava”, acrescentam essas fontes.

Alguns de seus amigos e conhecidos revelam que não dissimulava seu poder econômico. E que em mais de uma ocasião expressou seu receio porque parte do dinheiro que recebia, além do salário, era dado “em dinheiro, na mão”. “Dava a sensação de que sua preocupação, mais do que pela quantidade de dinheiro que recebia, era como justificar à Fazenda”, afirmam. Claramunt nega ter cobrado em dinheiro vivo: “É mentira, jamais disse isso”. Não eram bônus em si o que recebia, diz, e esclarece que nas competições da seleção entregava a todo o corpo técnico as chamadas “bolsas de viagem”, que incluíam retribuições econômicas. Diz que durante anos trabalhou como autônoma para a Federação e que só teve um contrato com ela “há dois anos e meio”, pelo qual recebe “250.000 euros brutos por ano [mais de 900.000 reais]”.

A Guarda Civil espanhola lacrou na semana passada a sede da Federação de Futebol e levou documentos de vários escritórios, entre eles o de Claramunt, filha de um famoso jogador espanhol dos anos 1970. A Chefa (ou a boss, como a chamava Iker Casillas) deixou o suntuoso quarto do hotel cinco estrelas no coração de Madri (com preços atuais por duas noites de hospedagem que ultrapassam os 1.000 euros, cerca de 3.600 reais) há pouco mais de dois anos. Quem a conhece destaca suas paixões (“por Casillas, por Piqué...”) e suas fobias (“quando não ia com a cara de um jogador, implicava com ele”). A esposa de Xabi Alonso não gostava dela, nem ele. “Comprava de tudo e nos melhores lugares”, afirmam pessoas que a conheceram de perto. “Não tinha onde guardar tantos sapatos e bolsas, da Louis Vuitton, da Gucci, da Fendi, Chanel, Prada, Christian Dior...”.

Claramunt declara que trabalha há 20 anos sem férias, que não tem filhos nem propriedades (exceto, esclarece, um apartamento de 80 metros quadrados que comprou recentemente na praia de sua cidade natal). E nega a questão das bolsas. “Há cinco anos não compro uma bolsa. O dinheiro que tenho vem do meu trabalho e do que cobrei do Valência, com o qual ajudei minha família e até meus pais quando tiveram um baque econômico. E faria tudo de novo”.

Contam em seu entorno que ela mesma se gabava dos presentes que recebia dos patrocinadores. Ela distribuiu muitos ingressos para as partidas da Seleção Espanhola, em sua recente e gloriosa época. Presenteando-os, buscou cumplicidade com pessoas de alto poder aquisitivo, “que inclusive foram levadas em avião particular a algumas partidas”. Pelo menos é o que ela conta. As fontes acrescentam que ficavam surpresas quando Claramunt descrevia o gasto em viagens e hotéis pagos pela Federação a familiares de jogadores e ao corpo técnico: esposas, pais, sobrinhos, irmãs, amigos... Ela mesma convidou às vezes sua mãe, seu pai, sua irmã. Era a chefa.

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