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Delação premiada leva à maior operação contra a corrupção policial no Rio

A Polícia Civil cumpre mandados de prisão de 96 policiais militares e 71 traficantes, sócios em um esquema de propinas que favorecia as atividades do tráfico e rendia um milhão por mês aos agentes

María Martín
Um dos PMs presos na maior operação contra a corrupção policiail no Rio.
Um dos PMs presos na maior operação contra a corrupção policiail no Rio.Marcelo Sayão (EFE)

A delação premiada deixou de ser uma ferramenta exclusiva nas investigações de políticos e empreiteiros corruptos de terno e chegou às fardas dos policiais. A novidade acaba de dar seus frutos e a Polícia Civil, a Corregedoria da PM e o Ministério Público comemoram nesta quinta a maior operação contra a corrupção policial da história do Rio de Janeiro. Graças a um delator. O esquema envolvia, pelo menos, 96 policiais militares que tiveram a prisão preventiva decretada por receberem durante dois anos cerca de um milhão de reais por mês em troca de ajudar traficantes do Comando Vermelho, a segunda maior facção criminosa do país. A ação policial foi batizada de Operação Calabar, em alusão a Domingos Fernandes Calabar, considerado traidor pelos historiadores por ter facilitado a instalação do domínio holandês em terras brasileiras.

A investigação começou em fevereiro de 2016, quando a Polícia Civil abordou o veículo de um homem suspeito em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio. No carro foram achadas várias armas e 28.000 reais em espécie. A detenção foi chave pois o suspeito era o intermediário contratado pelos policiais para recolher a propina dos traficantes e acabou aceitando um acordo de colaboração com a Justiça para reduzir sua pena. Seus relatos desenharam um esquema no qual dezenas de policiais militares do 7º Batalhão de São Gonçalo viraram parceiros dos criminosos, escoltavam seus percursos, faziam vista grossa e até alugavam armas da corporação para o tráfico de várias comunidades da região entre julho de 2014 e dezembro de 2016. Mais de 250.000 ligações grampeadas confirmaram e perfilaram a complexidade do esquema, que envolvia até o serviço secreto do pelotão.

A inadimplência era duramente castigada. A Polícia Civil tem ciência de pelo menos três sequestros de traficantes perpetrados pelos agentes quando o pagamento da propina atrasava. “Não se pode deixar de mencionar a estreita relação desses arregos pagos a policiais militares corruptos com o aumento considerável na quantidade de crimes de roubo e latrocínio havidos no Município de São Gonçalo. As escutas telefônicas revelam abjeta relação direta entre traficantes e policiais militares [...] que permitia a prática de diversos crimes sem que sejam importunados pelas forças de segurança”, diz a denúncia. Entre os policiais presos está André Luiz de Oliveira, apelidado de Sobrancelhudo, conhecido na corporação por suas duras posições contra o crime e seu orgulho por ser policial.

A Justiça decretou, além da prisão dos 96 policiais militares, a prisão preventiva de 71 traficantes de sete favelas da região que formavam parte do acordo. Os agentes, mais da metade deles hoje lotada em outras áreas, supunham na época cerca de 15% do batalhão de 700 homens. Eles devem responder por organização criminosa e corrupção passiva, enquanto os traficantes são acusados de tráfico, organização criminosa e corrupção ativa. A prisão nesta quinta-feira de outros dois intermediários responsáveis por recolher e entregar a propina trouxe ainda a possibilidade de novas delações que possam arrolar novas provas e ampliar o número de policiais envolvidos, explicou Fabio Barucke, delegado da Delegacia de Homicídios de Niterói e São Gonçalo, que coordenou a investigação.

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Como costuma ser habitual, os policias investigados são de baixa patente – o máximo grau entre os denunciados é um subtenente – o que não significa, segundo fontes do Ministério Público, que os comandantes do batalhão não participassem ou não tivessem conhecimento do esquema. “Apenas não conseguimos provas que confirmem isso”, disse um dos promotores.

Questionado, o secretário de Segurança Pública do Rio, Roberto Sá, afirmou que o episódio, "neste volume de envolvidos", é “um caso isolado”. “Não quero dizer com isso que não aconteça em outros locais”, completou. “Pelo cenário que hoje encontramos no país, [a corrupção] é o grande problema da nossa nação. Ela está infelizmente presente em muitas instituições e nas instituições policias não seria diferente”, disse Sá. “É um grande problema [na segurança pública do Rio], mas não o maior”, apontou.

Os “casos isolados” de corrupção policial, em todo caso, vêm sendo divulgados com certa frequência no Rio de Janeiro. Uma megaoperação policial contra o tráfico, realizada no início de maio e vendida como um sucesso, acabou desmascarando um esquema de propinas entre PMs e criminosos. Segundo um dos 45 traficantes presos naquele dia, um grupo de agentes do 16º Batalhão, hoje preso, recebia dinheiro para facilitar a invasão de território de facções rivais. Nesta segunda-feira, ainda, outra operação policial abortou a venda de informações sigilosas por policiais civis a traficantes da Cidade de Deus, Vila Aliança, Cidade Alta e todo o Complexo da Maré. Números do Gaeco, braço do Ministério Público dedicado à investigação e combate ao crime organizado e controle externo da atividade policial, revelam que depois dos traficantes, PMs e ex-PMs são os mais denunciados no Rio. Dos 4.082 investigados pelo órgão, de 2010 a março de 2017, 1.886 são traficantes e 563 são policiais ou já exerceram a função. Na sequência, policiais civis, com 150 agentes denunciados.

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