Divulgação indiscriminada de gravações provoca críticas a juízes da Lava Jato
De Lula ao colunista Reinaldo Azevedo, políticos, jornalistas e seus familiares têm diálogos divulgados
A revogação do sigilo que mantinha ocultas conversas telefônicas feitas com a autorização da Justiça tem motivado críticas à Operação Lava Jato. Desde o início da ação uma série de grampos foram tornados públicos com uma canetada do juiz de primeira instância Sérgio Moro, do relator do caso no Supremo Tribunal Federal, Teori Zavascki (morto no início do ano), ou de seu sucessor Edson Fachin. Juristas apontam que muitas vezes a divulgação destes diálogos se dá de forma ilegal. Pela legislação, toda interceptação telefônica fica a priori sob segredo de justiça, cabendo ao magistrado responsável pelo caso determinar sua divulgação. Do ex-presidente Lula, gravado em conversa com a então mandatária Dilma Rousseff em março de 2016, ao colunista Reinaldo Azevedo, grampeado em diálogo com a irmã de Aécio Neves, os critérios adotados pelos magistrados ao decretar o fim do sigilo é tema de debate.
De acordo com a lei, "a gravação que não interessar à prova será inutilizada por decisão judicial". Mas em função do grande volume de conversas registradas, é frequente que telefonemas prosaicos sem relação com o caso investigado sejam anexados aos autos pela Polícia Federal e pelo Ministério Público, e posteriormente enviados para a Justiça. Caberia então ao juiz responsável a destruição do material, o que muitas vezes não é feito. Mesmo que o grampo tenha material relevante para a investigação, deve ser mantido em separado no processo para garantir que não seja divulgado. Sobre isso, a legislação sobre interceptações telefônicas diz que "a interceptação de comunicação telefônica, de qualquer natureza, ocorrerá em autos apartados, (...), preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas".
Para o advogado Fernando Augusto Fernandes, que defende alguns réus da Lava Jato, “não é permitida a divulgação de qualquer gravação telefônica, e a autoridade que levanta este sigilo comete crime, independentemente do nível de hierarquia dentro do Judiciário em que se encontra”. De acordo com ele, mesmo que o conteúdo seja de interesse público, como defendem os partidários do fim do sigilo, sua divulgação é "vedada". O ministro do STF Gilmar Mendes, que já afirmou ser "correto" que se retire o segredo quando a gravação tem conteúdo "extremamente grave", como no caso envolvendo Lula e Dilma em março de 2016, foi ele próprio alvo de um grampo tornado público junto com o senador afastado Aécio Neves, no início deste mês.
Este farto material tornado público pelos magistrados somado aos frequentes vazamentos de conversas e depoimentos alimenta com frequência o noticiário, mas a relação da Operação com a imprensa está longe de ser apenas um caso de amor. Em ao menos dois episódios a máquina da Lava Jato se voltou contra jornalistas e violou o sigilo de fonte incide sobre estes profissionais. No mais recente, ocorrido na terça-feira passada (23), o site Buzzfeed divulgou trechos de um grampo feito em Andrea Neves, irmã do senador afastado Aécio (PSDB-MG), no qual ela conversa com o então colunista da revista Veja Reinaldo Azevedo – posteriormente ele pediu demissão. Coube ao ministro Fachin revogar o sigilo do material. Após uma chuva de críticas, ele baixou novamente o segredo que incidia sob parte das gravações.
No diálogo, que faz parte de um pacote com mais de 2.800 gravações feitas no âmbito da delação premiada de Joesley Batista, da JBS, ambos criticam o cerco do MPF ao então senador tucano e a própria revista. Inicialmente o vazamento foi atribuído à PGR, mas coube ao ministro do STF Edson Fachin, relator da Lava Jato na Corte, suspender o sigilo sobre todos os documentos, dentre eles a conversa de Azevedo. O diálogo não tem relação com as investigações, logo, segundo especialistas, deveria ter sido apagado dos registros. Com relação a este ponto, a lei afirma que "a gravação que não interessar à prova será inutilizada por decisão judicial".
Em nota, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) disse ver “com preocupação a violação do sigilo de fonte (...) no momento em que Reinaldo Azevedo tece críticas à atuação da PGR, sugerindo a possibilidade de se tratar de uma forma de retaliação ao seu trabalho”. Posteriormente Fachin decretou o sigilo de parte do material, mas o estrago já havia sido feito.
Azevedo usou sua última coluna na revista para afirmar que “tornar público esse tipo de conversa é só uma maneira de intimidar jornalistas”, e questiona: “se estimulam que se grave ilegalmente o presidente, por que não fariam isso com um jornalista que é crítico ao trabalho da patota?”. O colunista se refere a outras gravações divulgadas, nas quais Joesley Batista, da holding J&F, conversa com o presidente Michel Temer.
“O Supremo tem jurisprudência consolidada de respeitar integralmente o sigilo da fonte”
Sempre que um episódio desse ocorre, é praxe o STF afirmar que “vai mandar apurar”, o Ministério Público diz que não é ele a fonte das informações e os advogados dos investigados e delatores questionam o que ganhariam com isso. De qualquer forma, a divulgação de informações privilegiadas têm sido uma constante nos mais de três anos desde o início da Lava Jato.
O caso teve grande repercussão na imprensa, e provocou uma rede de solidariedade a Azevedo que inclui veículos e blogs de todo o espectro político. A presidenta do STF, Carmen Lúcia, divulgou nota reafirmando o compromisso da Corte com o sigilo de fonte: “O Supremo tem jurisprudência consolidada de respeitar integralmente o sigilo da fonte”. O advogado Arthur Sodré Prado afirma que “assim como o vazamento de conversas entre advogado e cliente, o vazamento de conversas entre jornalista e sua fonte são indicativos de que o Estado de Direito está sendo ameaçado de forma pouco refletida na ânsia progredir com as operações”.
A outra vítima da imprensa feita pela Lava Jato foi o blogueiro Eduardo Guimarães, responsável pelo Blog da Cidadania, crítico do Governo Temer. Em março ele foi alvo de uma condução coercitiva por determinação do juiz Sérgio Moro para depor sobre o vazamento da condução coercitiva do ex-presidente Lula, antecipada por ele. De acordo com seus advogados, lhe foi exigido que revelasse que havia lhe passado tal informação – o que novamente seria violação do sigilo de fonte.
Posteriormente Moro excluiu o nome de Guimarães do processo, e fez um mea culpa. “Considerando o valor da imprensa livre em uma democracia e não sendo a intenção deste julgador (...) colocar em risco essa liberdade e o sigilo de fonte, é o caso de rever o posicionamento anterior e melhor delimitar o objeto do processo”, escreveu o magistrado em novo despacho.
Outro caso envolvendo Moro foi a retirada do sigilo, em março de 2016, de diálogos telefônicos envolvendo a então presidenta Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula. Na conversa, eles discutiam a indicação de Lula para um ministério como estratégia para blindá-lo contra processos na primeira instância, chamada por ele de "República de Curitiba". Como a petista tinha prerrogativa de foro privilegiado, apenas o relator da Lava Jato no STF, à época o ministro Zavascki, poderia ter tomado a decisão de revogar o sigilo. Além disso, parte dos grampos foram feitos fora do horário autorizado - logo deveriam ter sido descartados, de acordo com especialistas.
O magistrado também foi criticado por ter grampeado o telefone de um dos advogados do ex-presidente, violando o sigilo dos diálogos entre defensor e cliente. Em nota, ele se defendeu, e afirmou que “a democracia em uma sociedade livre exige que os governados saibam o que fazem os governantes - mesmo quando estes buscam agir protegidos pelas sombras”. Posteriormente ele se desculpou com o STF. As possíveis irregularidades do caso devem ser analisadas pelo Conselho Nacional de Justiça em breve.
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