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Citação a ministros do STF na delação JBS eleva desconforto com juízo na Corte

Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes aparecem na delação do empresário Joesley Batista

A polêmica delação do empresário Joesley Batista, dono da holding J&F colocou a Lava Jato no coração do Executivo, e de quebra, respinga uma dose de veneno dentro do Supremo Tribunal Federal (STF). Dois ministros da instituição, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, foram mencionados nos depoimentos e grampos feitos pelo magnata, fomentando um clima de desconfiança sobre os dois magistrados. Algo visto como preocupante, uma vez que cabe ao STF julgar os processos da Lava Jato envolvendo pessoas com direito ao foro privilegiado – dentre eles o próprio presidente Michel Temer, também enredado no esquema por Batista.

O ministro Gilmar Mendes.
O ministro Gilmar Mendes.STF

Gilmar Mendes foi flagrado em uma gravação feita pela Polícia Federal em 26 de abril. Na conversa com o senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG), que estava grampeado com autorização da Justiça, eles discutem a aprovação do projeto de lei que pune abuso de autoridade. A matéria foi duramente criticada por juízes e procuradores envolvidos na Lava Jato por abrir brechas para que eles sejam processados pelas pessoas que investigam e julgam. O tucano pede ao ministro para que interceda junto ao senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) para que ele acompanhe seu voto na sessão. “Você sabe um telefonema que você poderia dar que me ajudaria na condução lá. Não sei como é sua relação com ele, mas ponderando... Enfim, ao final dizendo que me acompanhe lá, que era importante... Era o Flexa, viu?”, afirma Aécio no diálogo gravado.

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Mendes responde: “Tá bom, tá bom. Eu vou falar com ele. Eu falei... Eu falei com o Anastasia [senador Antonio Anastasia (PSDB-MG)] e falei com o Tasso [senador Tasso Jereissati (PSDB-CE)]... Tasso não é da comissão, mas o Anastasia (...) Eu falo pra com ele... E falo com ele... Eu ligo pra ele... Eu ligo pra ele agora.”. O Senado aprovou a matéria em 26 de abril por 54 votos a 19. Flexa Ribeiro acompanhou o voto de Aécio. Em nota a assessoria de Mendes afirmou que "desde 2009 o ministro (...) sempre defendeu publicamente o projeto de lei de abuso de autoridade, em palestras, seminários, artigos e entrevistas, não havendo, no áudio revelado, nada de diferente de sua atuação pública”. A nota afirma ainda que “os encontros e conversas mantidas pelo ministro Gilmar Mendes são públicos e institucionais". Até o momento, Moraes não se posicionou sobre o caso.

Um dia antes da gravação, no dia 25 de abril, Mendes tomou a polêmica decisão de suspender um depoimento de Aécio para a Polícia Federal, a pedido do senador tucano, em um processo que investiga esquema de corrupção na Furnas Centrais Elétricas.O peessedebista queria ter acesso aos autos com as falas das testemunhas que já haviam comparecido ao tribunal. Em seu despacho, o ministro afirma que “o argumento da diligência em andamento não autoriza a ocultação de provas para surpreender o investigado em seu interrogatório”. O depoimento de Aécio foi remarcado para a semana seguinte, dia 2 de maio. Mendes é o relator de dois processos que envolvem o tucano.

As menções a Mendes aumentam a tensão entre o STF e o Ministério Público Federal. O ministro já havia entrado em rota de colisão com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que em maio pediu seu afastamento do caso envolvendo Eike Batista. A mulher do magistrado, Guiomar Mendes, faz parte do escritório de advocacia que representa o empresário em vários processos. Dias antes do pedido feito pela PGR, Mendes mandou soltar o empresário, preso preventivamente desde o final de janeiro sob acusação de corrupção ativa, organização criminosa e lavagem de dinheiro. Pouco depois, vazou a informação que a filha de Janot Letícia Ladeira Monteiro de Barros trabalhava em escritório que atendia OAS e a Braskem, braço petroquímico da Odebrecht, ambas investigadas pela Lava Jato. Nos bastidores, Mendes teria rido do episódio, afirmando “o trapezista morre quando pensa que voa”, segundo a Folha de S. Paulo.

Para o professor Thomaz Pereira, da Faculdade Getúlio Vargas Rio, agora o Supremo terá que responder a uma pergunta importante: “esses ministros poderão decidir nos inquéritos em que são mencionados?”. De acordo com ele, “independentemente das menções serem verdadeiras ou não, a melhor solução seria que estes dois ministros se declarassem suspeitos e impedidos de decidir nestes casos”, deixando o julgamento a cargo dos outros magistrados. "Isso preservaria Mendes, Moraes, e a própria Corte”, diz.

Pereira afirma que algum nível de interação entre os poderes Legislativo e Judiciário é normal. “Existe um grau de interação que é inevitável. O que acontece, no entanto, é que quanto mais você interage, naturalmente podem acontecer situações que ficam numa zona cinzenta entre o que é necessário do ponto de vista institucional e coisas que podem ser questionadas quanto à sua normalidade”. Uma solução, segundo o professor, seria que os contatos entre ministros e parlamentares fossem “públicos e transparentes: que isso esteja na agenda oficial das partes”.

Para a PGR, Temer, Aécio e Moraes tentaram articular esquema para que inquéritos da Lava Jato ficassem com delegados pré escolhidos por eles

Já Alexandre de Moraes foi mencionado em conversa gravada por Batista com Aécio. O tucano critica o atual ministro da Justiça, Osmar Serraglio (PMDB-PR), a quem chama de “um bosta do caralho”, e elogia Moraes. O parlamentar menciona um esquema para tentar influenciar a distribuição dos inquéritos da Lava Jato para delegados específicos, o que, de acordo com ele, não se concretizou. Para a Procuradoria-Geral da República, Aécio teria tentado, ao lado do presidente Michel Temer e de Moraes, “organizar uma forma de impedir que as investigações avançassem, por meio da escolha dos delegados que conduziriam os inquéritos, direcionando as distribuições, mas isso não teria sido finalizado entre ele, Michel Temer e o ex-ministro da Justiça e atual ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes”.

Para Roberto Romano, professor de Ética e Política da Unicamp, existem diferenças fundamentais entre o caso de Mendes e Moraes com relação aos fatos trazidos à tona pela delação de Batista. “Mendes já havia externado publicamente sua posição com relação ao tema [lei que pune abuso de autoridade], não vejo a gravação como um motivo que justifique o impedimento para julgar questões ligadas ao inquérito”, afirma. Além de defender medidas contra excessos cometidos pelas autoridades, o ministro é crítico contumaz dos métodos da Lava Jato, que incluem prisões preventivas por prazo indeterminado.

Já com relação a Moraes, “o caso é mais complicado”, segundo Romano, uma vez que envolve seu “ex-patrão Michel Temer”. “Acho que ele deveria se declarar impedido, assim como o Toffoli [Dias Toffoli] deveria ter se declarado impedido em casos envolvendo seus ex-patrões do PT”, diz o professor. No passado Toffoli prestava assessoria jurídica para a legenda na Câmara dos Deputados, além de ter sido advogado do partido nas eleições presidenciais de 1998, 2002 e 2006. Mesmo assim o ministro se considerou apto a participar do julgamento do mensalão, que atingiu em cheio o PT.

“O Judiciário por vezes se comporta como um poder extraterrestre, que não se submete a algumas regras básicas”, afirma Romano. Ele cita ainda os diversos pedidos de impeachment que foram protocolados contra Mendes, "mas que não avançam porque a Corte se auto blinda”.

“O Judiciário por vezes se comporta como um poder extraterrestre, que não se submete a algumas regras básicas”

Os dois ministros citados têm forte ligação com o PSDB. Mendes foi indicado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso e nunca escondeu sua simpatia pelo partido. Além disso, sempre teve relação próxima ao mandatário, tendo se encontrado em algumas ocasiões fora da agenda oficial, inclusive numa carona no avião presidencial na viagem a Portugal, para o funeral de Mario Soares, em janeiro. Mendes acabou não indo ao funeral. Já Moraes foi filiado à legenda até fevereiro deste ano, quando deixou a chefia do Ministério da Justiça, que ocupou a convite de Temer, ao ser indicado para a vaga do ministro Teori Zavascki, morto em acidente de avião em janeiro.

O mal estar ganhou dose extra com a delação da JBS, quando Joesley afirmou aos procuradores que durante reunião no palácio do Jaburu, residência de Temer, o presidente teria afirmado que poderia ajudar Eduardo Cunha (PMDB-RJ), preso pela Lava Jato, com “dois [ministros], mas que com 11 [o total de juízes da Corte] seria complicado”.

Esta não é a primeira vez que o nome de um ministro da Corte aparece em vazamentos de delações ligados à Lava Jato. No ano passado informações do depoimento ainda não homologado do ex-presidente da empreiteira OAS Léo Pinheiro dão conta que funcionários da construtora teriam feito uma vistoria na residência do ministro Dias Toffoli. Posteriormente ele contratou uma empresa indicada por Pinheiro para realizar as reformas. Em nota, Toffoli afirmou que arcou com todas as despesas da obra. O delator e senador cassado Delcídio do Amaral também mencionou em seus depoimentos uma suposta influência sobre membros do STF, sem detalhar quem seriam seus contatos na Corte.

Aécio divulgou nota afirmando que “não existe qualquer ato do senador, como parlamentar ou presidente do PSDB, que possa ter colocado qualquer empecilho aos avanços da Operação Lava Jato”. Mais à frente, a assessoria do tucano afirma que “como presidente do partido, o senador foi um dos primeiros a hipotecar apoio à operação”. A irmã dele, Andrea Neves, foi presa preventivamente na quinta-feira da semana passada.

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