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Quebra de sigilo de Sérgio Moro é questionada por juristas: entenda

Juiz apresenta seus motivos para autorizar os grampos e torná-los públicos Especialistas debatem se foi legal divulgar conversas de Dilma, que tem foro privilegiado

Sérgio Moro em Curitiba, no último dia 9.
Sérgio Moro em Curitiba, no último dia 9.RODOLFO BUHRER (REUTERS)
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Em uma série de despachos, o juiz da Lava Jato, Sérgio Moro, apresenta seus motivos para autorizar os grampos e tornar públicas as gravações feitas em conversas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pessoas relacionadas a ele. Abaixo, os principais argumentos de Moro e a opinião de juristas que analisam se o juiz de Curitiba agiu dentro dos limites legais nesta quarta-feira. Para a avaliação sobre as possíveis implicações legais da gravação de Lula e a presidenta Dilma Rousseff, leia aqui .

As razões de Moro para pedir os grampos

Entre 19 de fevereiro e 7 de março despachos do juiz autorizaram grampos telefônicos contra 39 números de telefone, de 13 pessoas e entidades ligadas ao ex-presidente. Cada interceptação duraria 15 dias, mas algumas foram prorrogadas por mais 15. Entre elas, o filho de Lula, Fábio Luis Lula da Silva, Clara Ant e Paulo Okamoto, respectivamente diretora e presidente do Instituto Lula, Roberto Teixeira, advogado do ex-presidente, e Fernando Bittar, um dos proprietários do sítio em Atibaia. Em 7 de março, ele autorizou que fosse grampeado o número da ex-primeira dama, Marisa Letícia, e outro número de Ant, que supostamente seria usado por Lula. O caseiro do sítio em Atibaia, Elcio Pereira Vieira, também foi grampeado, com o objetivo de tentar esclarecer quem é o real proprietário do imóvel. Os trechos de Moro que justificam a autorização: "Apesar de o MPF [Ministério Público Federal] ter reunido um acervo considerável de provas, especialmente em relação ao apartamento e o sítio, a complexidade dos fatos, encobertos por aparentes falsidades e pela utilização de pessoas interpostas, autoriza a utilização da interceptação telefônica para a completa apuração dos fatos  (...) Talvez ela possa melhor esclarecer a relação do ex-presidente com as empreiteiras e os motivos da aparente ocultação de patrimônio e dos benefícios custeados pelas empreiteiras em relação aos dois imóveis."

A gravação de Dilma e Lula, fora do pedido judicial

Nesta quarta-feira, 16 de março, às 11h13 foi registrado o despacho do juiz determinando a interrupção dos grampos. A gravação em que a presidenta Dilma Rousseff fala com o ex-presidente Lula, indicando o envio de um documento de posse no ministério para ser assinado em caso de necessidade ocorreu pouco mais de duas horas depois, às 13h32, quando as operadoras já deveriam, em tese, ter interrompido a gravação. Em nota, a PF informa que encaminhou todas as interceptações feitas "ao juízo competente, a quem cabe decidir sobre a sua utilização no processo".

O que dizem os juristas: Ao site especializado Conjur , o professor de Processo Penal da USP Gustavo Badaró diz que “se havia um despacho dele mesmo mandando cessar as interceptações, qualquer gravação feita depois disso é ilegal.”

Quebra de sigilo de diálogos envolvendo Lula, Dilma e ministros

Também na quarta-feira, dia 16, o juiz determina a retirada do segredo de Justiça do processo contra Lula, o que inclui os grampos telefônicos. Eles foram disponibilizados no site da Justiça Federal do Paraná e ficaram acessíveis mediante um código, que foi obtido pela imprensa. O registro deste despacho específico foi feito no sistema às 16h21, ou menos de três horas depois.

Nele, Moro afirma que na Constituição não há o que justifique a manutenção do segredo em relação a “elementos probatórios relacionados à investigação de crimes contra a administração pública”. Diz ainda: "O levantamento propiciará assim não só o exercício da ampla defesa pelos investigados, mas também o saudável escrutínio público sobre a atuação da administração pública e da própria Justiça criminal. A democracia em uma sociedade livre exige que os governados saibam o que fazem os governantes, mesmo quando estes buscam agir protegidos pelas sombras."

O que dizem os juristas: Segundo o advogado Gustavo Badaró disse ao EL PAÍS,  os conteúdos das interceptações realizadas na investigação, por lei, teriam que ser sigilosos. “O que não for de interesse da investigação, precisa ser destruído no curso do processo para preservar o conteúdo privado”, diz. "A lei não faz distinção. O artigo 8º da lei de interceptação telefônica diz que qualquer conteúdo de interceptação precisa ser preservado em sigilo. Sérgio Moro criou essa distinção dizendo que o que envolver crime de administração pública ou for de interesse da sociedade poderá ser aberto, inclusive a conversa telefônica grampeada. É a interpretação dele, mas discordo totalmente”.

Marcelo Figueiredo dos Santos, professor de direito na PUC São Paulo, considera inconstitucional. “As explicações que ele fornece não são suficientes. Ele pode sofrer um processo administrativo por ter divulgado os grampos. Não basta simplesmente evocar o interesse público e divulgar os conteúdos. É contra a lei”, explica. Santos ressalta, ainda, que o correto seria enviar a conversa ao Supremo Tribunal Federal já que um dos envolvidos na conversa era a presidenta, que possui foro privilegiado.

Já o jurista Ives Gandra defende que a posição do juiz Moro foi correta. “Ele achou que deveria divulgar, uma vez que o ex-presidente Lula estava sendo nomeada para conseguir foro privilegiado. Ele precisava dar a conhecer esse fato já que o processo ainda estava com ele”, explica. Na opinião do jurista, Moro pode fazer em defesa do interesse público o que quiser desde que não seja contra a lei. “Quem pode mandar gravar o telefonema pode mandar divulgar o grampo também”, explica.

A Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) também defende Moro: "O artigo 5º, LX, da Constituição Federal estabelece como princípio a publicidade dos atos processuais. A prova resultante de interceptação telefônica só deve ser mantida em sigilo absoluto quando revelar conteúdo pessoal íntimo dos investigados. Tal não acontece em situações em que o conteúdo é relevante para a apuração de supostas infrações penais, ainda mais quando atentem contra um dos Poderes, no caso o Judiciário."

A interceptação de Roberto Teixeira, advogado

Em seu despacho, Moro defende a interceptação de Roberto Teixeira, amigo de Lula e seu advogado. "Mantive nos autos os diálogos interceptados de Roberto Teixeira, pois, apesar deste ser advogado, não identifiquei com clareza relação cliente/advogado a ser preservada entre o ex-presidente e referida pessoa (...) Além disso, há indícios do envolvimento direto de Roberto Teixeira na aquisição do sítio em Atibaia (...) Então ele é investigado e não propriamente advogado. Se o próprio advogado se envolve em práticas ilícitas, o que é objeto da investigação, não há imunidade à investigação ou à interceptação."

O que dizem os juristas: há advogados que concordam com a defesa de Lula e dizem que Teixeira, por ser também advogado, não deveria ter sido grampeado. 

Tentativas de influenciar a Justiça que não parecem ter sido efetivadas

Em nenhum momento Moro comenta as gravações de Lula e Dilma. Sobre as tentativas de influenciar o processo, ele diz ter poucos indícios de que se comprovaram. "Observo que, em alguns diálogos, fala-se, aparentemente, em tentar influenciar ou obter auxílio de autoridades do Ministério Público ou da Magistratura em favor do ex-presidente. Cumpre aqui ressalvar que não há nenhum indício nos diálogos ou fora deles de que estes citados teriam de fato procedido de forma inapropriada e, em alguns casos, sequer há informação se a intenção em influenciar ou obter intervenção chegou a ser efetivada".

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