“Querem mexer na nossa Previdência, mas cortar os benefícios deles nem pensar, né?”
No palco de um dos pontos de manifestações, o EL PAÍS ouviu a opinião das pessoas
Origem terminal Barra Funda, destino Cohab Raposo Tavares: tudo zona oeste de São Paulo. Entre um e outro ponto, a parada mais movimentada, onde de manhã desce a maior parte dos passageiros do ônibus, é o Largo da Batata, em Pinheiros. Com alta densidade de bares, comércio, escritórios e bancos, a região será também ponto de encontro para uma das manifestações programadas para esta sexta-feira, 28, dia em que diferentes categorias irão fazer uma paralisação contra as reformas trabalhista e previdenciária. Dentro do veículo, ainda no caminho da Batata, a greve geral, como tem sido chamada, já está presente. No celular, uma garota explica nem tão pacientemente que “não, mãe, você não está entendendo, não vai ter nem ônibus, nem metrô, não dá para eu ir até sua casa”.
Entre o cobrador e o motorista o assunto é outro. O sindicato decidiu pela paralisação, mas será que mesmo assim as empresas podem cortar o salário de quem não se apresentar nas garagens dos ônibus? O cobrador, por via das dúvidas, diz que vai até a garagem, mas que não trabalha de jeito nenhum. “Eu sou a favor da paralisação, claro. Eles querem mexer na nossa Previdência, mas cortar os benefícios deles, nem pensar, né?”, diz o cobrador, que prefere não se identificar. Ele, que diz que o sindicato nem sempre está do lado certo, mas que sem imposto sindical ninguém mais vai poder defender sua categoria, vaticina: “Quer saber o que vai acontecer? Se eles aprovarem essas reformas, quem vai ganhar em 2018 vai ser o Lula. Eu mesmo não ia querer votar nele, mas que opção fica se ele foi o único que olhou pra gente?”.
Já com a porta do ônibus aberta no Largo da Batata, ele ainda dá mais uma justificativa. “Cara, eu quero me aposentar, quero que meus filhos se aposentem, como vai ficar?”, indaga. Há poucos metros dali, o Felipe Vendramini, 29, que trabalha em um escritório de publicidade, busca trabalhar com a empatia para dar sua opinião sobre a greve geral. “Todo mundo que está no mercado de comunicação sabe o que é ou conhece alguém que é PJ”, diz, referindo-se à contratação como se fosse uma"empresa", fora do regime de carteira assinada. “Só que esse pessoal, eu incluso, está na crista da onda dessa chamada flexibilização. Eu, por exemplo, tenho horário flexível, tudo muito claro, mas dá pra ter certeza que vai ser igual assim com todo mundo?”, argumenta.
Para ele, que veio de Mogi das Cruzes, no interior de São Paulo, e se diz um pouco perdido com a velocidade com que as coisas acontecem na capital, “o lado de lá, do patrão, é sempre o mais forte e é por isso que eu apoio a greve”. Mas vai estar lá? “Não, amanhã eu trabalho normal, mas pode ter certeza que às 16h vou estar aqui na manifestação”, diz despedindo-se para sair correndo atrás do ônibus que acabou de encostar no ponto. De passagem, olhos no iPhone, calça social e camisa enfiada para dentro, Lucas Figueiredo, 23 anos, topa conversar contanto que seja caminhando. Está atrasado para o trabalho. “Eu devo ser um dos poucos casos, mas trabalho no mercado financeiro e sou favorável à greve”, diz. Vai parar amanhã? “Não, ninguém vai parar no escritório. Lá todo mundo é favorável às reformas”, finaliza, enquanto vai entrando em um prédio de vidros espelhados.
Já na Avenida Faria Lima, onde há alta concentração de executivos, mas ainda nas imediações do Largo da Batata, o consultor Erich Tavares, 42, explica porque é contra a paralisação desta sexta-feira, enquanto espera um carro da Uber. “Essa greve vem em um momento errado. São 13 milhões de desempregados, os sindicatos deveriam trabalhar para que essas pessoas consigam emprego e não fiquem sem”, diz. Para ele, o momento não deveria ser de mobilizações, mas de diálogo. “Eu acho que a proposta da Previdência, por exemplo, está longe de ser a melhor, mas precisa haver alguma reforma. A conta, do jeito que está não vai fechar”, argumenta. “Direito de greve todo mundo tem, mas os sindicatos tinham que ser mais responsáveis e fazer algo favorável para o trabalhador”. Em 2016, Tavares diz ter participado das mobilizações pelo impeachment de Dilma Rousseff, “assim como fiz na época do Collor”.
Já o Marcelo Oliveira, 40, gerente de uma empresa de transporte internacional, diz concordar com qualquer mobilização que vise melhorar o país, mas afirma ser favorável a muitos pontos das reformas trabalhista e previdenciária. Para ele, com o envelhecimento da população brasileira fica claro que a aposentadoria vai ter que mudar. “É uma questão que está acontecendo com todos os países”, diz listando alguns países europeus: Itália, Espanha, França... “Acho que a solução é previdência privada, assim como para resolver o desemprego é preciso flexibilizar”, diz, enquanto vai atravessando a rua. Ele também participou das manifestações “lá na Paulista contra a Dilma”.
De volta ao Largo da Batata, enquanto uma garoa bem paulistana desce do céu cinza da cidade, as colegas Maria Silva, 26, e Acilda dos Anjos, 42, esperam o ônibus. De mala pronta, elas só voltarão para casa no sábado. As duas são babás e, “como as meninas não podem ficar sozinhas”, decidiram dormir na casa dos patrões. Se tivessem que ir na sexta-feira lá da periferia, onde moram, para a zona oeste, onde trabalham, nunca chegariam. Mas e as filhas delas próprias? Vão ficar com as avós. A Acilda explica pelas duas o que pensa da greve: “Nós temos registro em carteira e não queremos correr o risco de perder isso. A greve está certa”. Além disso, ela diz que também quer estar saudável quando se aposentar, coisa que acha mais difícil de acontecer se a reforma passar, pois se aposentariam mais tarde. Quer aproveitar um pouco depois de tanto trabalho. E previdência privada não é uma alternativa para isso? “Com que dinheiro?”, indaga.
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