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Bacalhau, pastel, e política: um dia na feira após a delação da Odebrecht

Em feira de SP, eleitores lamentam ter de escolher nomes na hora da xepa da corrupção política

Airton Pereira, 60, feirante
Airton Pereira, 60, feiranteAndré de Oliveira

Há quem desconverse, há quem passe ligeiro, quase sem parar, dizendo que não entende nada de política. Há quem, como o vendedor de batatas Osvaldo Camargo, 67, confunda o tema da conversa. A pergunta: “O que o senhor achou da lista do Fachin?”. A resposta: “Ah! Eu lia muito o Pasquim, mas faz muito tempo que acabou, né?”. Em geral, contudo, todo mundo tem algo a dizer. Afinal, em uma feira livre, o que não falta é parlatório, gritaria, opinião. O próprio seu Osvaldo, depois de entender direito a pergunta, diz que assistiu ao Jornal Nacional, da TV Globo, nos últimos dias e que não ficou surpreso com nada daquilo. “A verdade é que não dá nem vontade de votar no ano que vem”, fala sem raiva no rosto, mas com a voz cansada. Canseira. É algo presente no discurso de quase todo feirante, cliente ou passante que topa conversar com a reportagem.

O Washington Luiz, 69, por exemplo. Morador antigo da Casa Verde, bairro da zona norte de São Paulo, onde a feira acontece toda quinta-feira na rua Madalena de Madureira, diz que está cansado desse papo de delação, investigação, corrupção. Ele, que tem nome de presidente, porque o pai, lá nos idos dos anos 20 do século passado, achou que seria “importante” batizar o filho assim, não aguenta mais política. Mas tem suas preferências. Nunca votou no PT, diz odiar o Lula e classifica Dilma como bandida-mor. “Votei a vida inteira no Maluf e no PSDB”. Mas, seu Washington, o PSDB tem gente incluída na lista também. E, bom, do Maluf se dizia “rouba, mas faz”. Como fica, então? “É verdade. Ficou complicado. Até o Alckmin vai ser investigado. Essa eu não esperava”, comenta. E agora o que vai fazer no ano que vem? Em quem vai votar? “Agora parece que a gente ficou sem opção”.

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O seu Washington, aposentado, que frequenta o pedaço da feira mais para bater um papo do que para comprar, tem um perfil que coincide com o de outros entrevistados: antipetista, ex-eleitor do Maluf e, senão surpreso com a extensão dos envolvidos na lista, pelo menos um pouco desorientado. É como o Airton Pereira, 60, dono de uma barraca de legumes, que em 2014 diz ter votado no Aécio Neves só porque não tinha opção. E no PT? “Jamais!”, mas também está sem saber o que fazer no ano que vem. “O Alckmin talvez, mas com a denúncia contra ele já ficou mais complicado”, diz. “O Doria podia ser um bom nome também, mas vai ficar feio largar a prefeitura assim, né?”. O que o Brasil precisava mesmo, segundo ele, era de uns 300 Sergio Moro. “Foi Deus que botou ele no nosso caminho. Antes os escândalos davam em impeachment, agora quero ver a quadrilha presa. Até o Temer foi citado”, completa rogando para que os inquéritos deem em alguma coisa.

Comprando em uma barraca coisa de 10 metros da do seu Airton, a Michelle Menegare, 35, logo diz: “acompanhei a divulgação da lista, sim, mas pelos sites de esquerda”. Designer, cabelo colorido e tatuagem, diz estar cansada do assunto, tentando, na verdade, se afastar um pouco. “Tudo está muito tóxico, mas a primeira coisa que percebi foi que a maior parte dos nomes na lista é do PMDB e PSDB”, diz. Para ela, é preciso ver o conteúdo das delações com calma, parcimônia. “Ali é um bandido delatando o outro, vai saber o que é verdade? Precisa provar”, argumenta. Um fato a comemorar? “É preciso ver até onde, mas nenhum político do PSOL apareceu na lista”. Já está pensando em 2018? “Sim, meu sonho seria votar em um Suplicy, em um Ivan Valente, mas acho que vou ter de votar no Lula. Não queria, mas acho que é o único que pode dar algum jeito no país”.

A garoa fina que cai no início da tarde não diminui o vai e vem entre as barracas da feira. Não à toa, conforme vai dando 13h, o fluxo aumenta. É que começou a chamada "raspa do tacho", o fim da feira, e os feirantes em polvorosa começam a baixar os preços e gritar que “vai fechar”. No meio disso, Roberto Mariano, 59, uma caixa de papelão na mão e uma sacola na outra, topa dar sua opinião, mas pede que seja rápido. No fim, acaba se estendendo, animado com o papo. “O Marcelo Odebrecht é rico como o Eike Batista que tinha uma Lamborghini dentro da sala de estar. Para, né? Não dá pra ter certeza de nada do que um cara como esse diz”. Mas... “Disso tudo, muita coisa tem que ser verdade. Política sempre foi feita assim no país. Tem Aécio Neves, FHC, Rodrigo Maia, Lula. Todo mundo”.

Michelle Menegare, 35, designer
Michelle Menegare, 35, designerAndré de Oliveira

Funcionário público, Mariano, óculos meio embaçados pousados no rosto, se diz cansado, mas também um pouco aliviado. “Pelo menos agora não dá pra falar mais que é só o PT”. Ele próprio já votou no Lula mais de uma vez, mas não votaria de novo. “Reconheço os avanços sociais, mas não desculpo a roubalheira”. E na próxima eleição? O que vai fazer? “Não sei”. Ao lado do cansaço generalizado, “não sei”, ou muita hesitação ante a pergunta sobre 2018, são as coisas que mais se ouve na feira. O Luiz Nogueira, 55, também no funcionalismo público, tem uma certeza: “se tiver eleição e o Lula for candidato, ele ganha”. Vestindo paletó, com uma lista de compras cheia de tiques na mão e uma sacola de uns 50 litros lotada na outra, ele diz que não aceita a história de que Lula não sabia de nada e, por isso, não votaria nele. É um dos poucos que vai com um pouco mais de certeza no nome de seu candidato: “Ciro Gomes”.

Uma manhã na feira é só uma manhã na feira. De certeza, há os gracejos dos feirantes, as ofertas dos produtos, o cheiro de peixe e o pastel dos descendentes de japoneses. Mas, ao menos na Casa Verde, a lista do Fachin não passou de todo despercebida. E se a incerteza e o cansaço são lei, a expectativa pelo que vai acontecer também é. “A certeza que eu tenho é que agora abriu o leque de nomes e partidos envolvidos. São todos, não é mais só um”, diz o auxiliar de enfermagem José Roberto, 59, enquanto espera, ao lado do neto, seu peixe ser embrulhado. Vestindo uma camiseta com uma prece a São Jorge – “Eu estou vestido com as roupas e as armas de Jorge/ Para que meus inimigos tenham mãos/ E não me toquem” – ele profetiza, antes de ir embora, a mesma profecia que analistas políticos, feirantes e especialistas têm profetizado de diferentes modos: “Tá todo mundo no mesmo barco e ninguém sabe no que vai dar”.

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