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Coluna
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Com que legitimidade?

Desamparada e cética, a sociedade civil assiste, impotente, à destruição das poucas conquistas sociais que ainda restam

Manifestantes tentam invadir a Câmara em protesto contra a Reforma da Previdência
Manifestantes tentam invadir a Câmara em protesto contra a Reforma da PrevidênciaAP

O presidente não eleito, Michel Temer, aproveita a apatia com que a população vem recebendo a avalanche de denúncias de corrupção envolvendo membros dos poderes Legislativo e Executivo para acelerar as reformas trabalhista e previdenciária, que mexem substantivamente com a vida dos trabalhadores. Apesar de anestesiados, deveríamos nos fazer uma pergunta elementar: que legitimidade esses deputados e senadores possuem para levar adiante mudanças desta magnitude? Afinal, aquilo que apenas intuíamos pouco a pouco fica evidente: os congressistas defendem apenas seus próprios interesses, que, no mais das vezes, significa sujar as mãos em negociatas com dinheiro público.

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Dos 28 ministros de Temer, oito estão citados na lista de Edson Fachin, relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF): Eliseu Padilha, Moreira Franco e Helder Barbalho (PMDB), Bruno Araújo e Aloysio Nunes Ferreira (PSDB), Blairo Maggi (PP), Marcos Pereira (PRB) e Gilberto Kassab (PSD). Em menos de um ano, Temer já havia sido obrigado a trocar outros sete ministros, entre eles dois que exercem mandato no Senado e que também estão na lista de Fachin, Romero Jucá (PMDB) e José Serra (PSDB), além de Henrique Eduardo Alves (PMDB), atualmente sem mandato, alvo de investigação na 10ª Vara do Distrito Federal, por corrupção, lavagem de dinheiro e prevaricação. O próprio Temer teve seu nome citado em delações premiadas como tendo participado diretamente de negociações escusas.

O Senado, instância que serve para referendar as decisões tomadas pela Câmara dos Deputados, tem hoje grande parte de seus membros comprometidos com denúncias de corrupção: dos 81 senadores, 28 estão na lista de Facchin, incluindo o ex-presidente da Casa, Renan Calheiros, e o atual, Eunício de Oliveira, ambos do PMDB, um ex-presidente da República, Fernando Collor (PTC), e um potencial candidato à sucessão de Temer, Aécio Neves (PSDB) – além dos já lembrados ex-ministros Romero Jucá e José Serra. Também suspeitos de envolvimento em ilegalidades encontram-se quatro representantes do PT e um do PC do B, que, em tese, deveriam cuidar dos interesses dos trabalhadores. Outros 21 senadores – afora os 28 da lista de Facchin – possuem algum tipo de pendência no STF, a maior parte inquéritos por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Segundo o site Congresso em Foco, 155 dos 513 deputados federais também contam com algum tipo de pendência no STF, ou seja, um a cada três integrantes da Câmara é alvo de inquérito (investigação preliminar que pode ou não resultar em processo) ou ação penal (que, julgada, acaba em condenação ou absolvição). A lista de Facchin cita 39 nomes, entre eles, o atual presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM), e pelo menos dois notórios representantes da classe trabalhadora, Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho (PT), fundador e presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) entre 1991 e 1996, e Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força (SD), presidente da Força Sindical e do partido ao qual é filiado.

As irregularidades, não só as apontadas pelas delações premiadas de ex-dirigentes da Odebrecht, como as que já tramitavam no STF, envolvem políticos de todos os partidos e ideologias, estejam eles exercendo mandato na Câmara dos Deputados ou no Senado, estejam eles acomodados em cargos no Executivo. Que interesses defendem esses parlamentares ao analisar e votar mudanças que acarretarão consequências duradouras no cotidiano de quem já se encontra no mercado de trabalho ou daqueles que nele ingressarão no futuro?

Na verdade, Temer, alçado ilegitimamente à Presidência da República, conta com a desmobilização popular provocada pela derrocada do discurso ético da chamada esquerda brasileira, envolvida de maneira vergonhosa nos escândalos da Operação Lava Jato, para desregulamentar as relações entre empregados e patrões, sob a tutela do Estado. Desamparada e cética, a sociedade civil assiste, impotente, à destruição das poucas conquistas sociais que ainda restam, e busca, desesperada, sobreviver em meio ao desemprego, à violência, ao abandono social e ao caos político em que se encontra o país.

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