Follmann: “O mundo inteiro torce pela Chapecoense”
Goleiro que teve perna amputada após acidente celebra sua recuperação em Chapecó
Em um canto do gramado da Arena Condá, separados do elenco principal, Alan Ruschel estica a prótese que serve de apoio à perna amputada do goleiro Jakson Follmann, que faz um sinal para tranquilizar as pessoas que observavam a cena: “Deu cãibra aqui”, responde ironicamente à brincadeira do companheiro. A relação entre Follmann, Ruschel e Neto, os três jogadores da Chapecoense que sobreviveram à queda de avião na Colômbia, é bastante descontraída. Graças, principalmente, ao humor bonachão do goleiro.
Nem parece que por trás do sorriso fácil e o jeito de garoto há uma vítima de um grave acidente aéreo. Com 25 anos recém-completados, Follmann, apesar das cicatrizes ainda visíveis pelo corpo, dá passos largos em seu processo de recuperação. Nesta segunda-feira, véspera do jogo contra o Atlético Nacional, ele comemorou mais uma vitória pessoal ao conseguir calçar um tênis no pé esquerdo pela primeira vez desde que foi resgatado nas montanhas colombianas. Estará firme e forte nas arquibancadas apoiando a equipe no primeiro jogo da Recopa Sul-Americana. Para voltar a competir, agora no esporte adaptado, o goleiro fala ao EL PAÍS sobre seus planos e a corrente positiva encampada pela “maior torcida do mundo”.
Pergunta. Como avalia sua recuperação até aqui?
Resposta. Minha recuperação está sendo extraordinária. Depois de quatro meses do acidente, já fico de pé, caminho sozinho e voltei a treinar. O Alan e o Neto estão fazendo trabalhos físicos e chutando bola. Eu fico feliz em vê-los jogar futebol de novo. Isso me motiva muito. A gente brinca bastante um com o outro, pois precisamos de apoio. Passamos por essa tragédia juntos e estamos superando-a juntos. Com força de vontade, vamos nos recuperar logo.
P. Nesse processo, o que significou a reintegração ao novo elenco da Chape?
R. É um incentivo enorme para a gente estar com o grupo de jogadores, assim como nós servimos de motivação para eles. Estamos ajudando de uma forma positiva. Temos um ótimo elenco, que já está dando resultados. A união de todo mundo aqui na Chape vai fazer com que a gente conquiste coisas grandes. Esse time vai buscar títulos para os torcedores de Chapecó e de vários lugares, já que agora temos uma torcida bem maior. Hoje, o mundo inteiro torce pela Chapecoense. E torce por nós, que estamos em recuperação. Essa corrente nos dá forças.
P. Mesmo antes do acidente, a Chapecoense já era um clube respeitado...
R. A Chapecoense é um time muito “família”. Nós, jogadores, sempre frequentamos a casa um do outro. E o clube faz questão de abraçar as famílias. Até mesmo em ações de marketing, a diretoria nunca deixou de prestigiar nossos familiares. É natural que as pessoas enxerguem que, antes de profissionais, somos amigos. Por isso, a tragédia doeu tanto em nossa cidade. Também gosto sempre de lembrar que fui muito bem acolhido em Minas Gerais. Sinto saudades da URT e quero voltar lá um dia para dizer um “muito obrigado” por tudo que fizeram por mim.
“A estrada não termina por causa de uma amputação. O que realmente importa é que estou vivo.”
P. Você ainda remói os momentos que sucederam ao acidente?
R. Eu evito pensar em coisas ruins. Perdemos muitas pessoas queridas no acidente, companheiros de trabalho. Quando eu acordei [no hospital da Colômbia] e vi que tinha me machucado bastante, tentei manter o equilíbrio emocional para não mostrar à minha família que eu estava sofrendo. E, desde então, eu tenho tentado me manter assim. O mais importante é estar com a cabeça boa. A parte psicológica é fundamental na recuperação. Se tivermos pensamentos positivos, tudo se resolve. Eu sou sempre positivo. Já estou tocando meu violão, cantando, jogando pôquer. Logo, logo vou voltar a ter uma vida normal, poder trabalhar e ser independente.
P. O que mais o ajudou durante o período de internação no hospital?
R. Minha família e meus amigos me deram todo apoio. Eu também lia bastante. Li muitos livros de motivação, escritos por pessoas que são protetizadas [que usam próteses]. Isso me ajudou a entender que a estrada não termina por causa de uma amputação. O que realmente importa é que estou vivo.
P. Qual é a imagem que mais te marcou depois de receber alta?
R. O mais me marcou é o carinho das pessoas. As ajudas de vários clubes, a solidariedade dos colombianos, a atitude do Atlético Nacional… Tivemos inúmeras mostras de que ainda é possível acreditar na humanidade. Infelizmente, foi preciso acontecer uma tragédia para resgatar nossa capacidade de nos colocarmos no lugar do outro. Vivemos em um país muito violento, num mundo cheio de guerras, mas o coração do ser humano ainda consegue ser maior. Depois do acidente, passei a dar mais valor às pequenas coisas da vida, como o dia em que caminhei pela primeira vez com a prótese. Um sentimento de realização que não tem preço.
P. Já teve contato com alguma modalidade adaptada para seguir no esporte?
R. Sou um amante dos esportes. Preciso ir com calma, porque meu tornozelo esquerdo ainda não está 100%, mas quero praticar todas as modalidades que meu corpo permitir. Eu perdi uma perna, só que, ao mesmo tempo, ganhei milhares de amigos e um novo universo para descobrir. É assim que prefiro enxergar a vida.
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