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Operação Carne Fraca

Exportações de carne devem cair 20% e ministro age para evitar “desastre”

Associação de Comércio Exterior calcula perda de 2,7 bilhões de dólares neste ano Blairo Maggi tenta reverter decisão de países que suspenderam compras

Anos para conquistar a confiança de um cliente estrangeiro, um dia apenas para estremecer os negócios internacionais e afetar as exportações brasileiras. A Operação Carne Fraca da Polícia Federal, deflagrada na sexta-feira, plantou a dúvida sobre a qualidade da carne brasileira e levou os principais compradores do Brasil a pedirem suspensão das encomendas dos frigoríficos suspeitos. Nesta segunda, China, União Europeia, Coreia do Sul e Chile anunciaram a suspensão temporária da compra de carnes do Brasil, depois que a Operação Carne Fraca identificou 21 unidades de produção suspeitas. Dezoito deles estão no Paraná, dois em Goiás e um em Santa Catarina.

O ministro da Agricultura, Blairo Maggi.
O ministro da Agricultura, Blairo Maggi.Antonio Cruz/Agência Brasil

A Coreia do Sul acabou voltando atrás, mas os demais não. O resultado desse impasse será a queda das vendas ao mercado externo neste ano, avisa José Augusto Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). “Aposto numa queda de 20% dos embarques de carne neste ano, com a redução do preço pago e da quantidade”, alerta. A exportação de carnes rendeu 13,8 bilhões de dólares ao Brasil no ano passado, ou 7% de todas as vendas do país ao exterior. A perda, portanto, pode chegar a 2,7 bilhões de dólares, uma vez que os países levarão um tempo para ouvir as explicações do Governo e fazer seus próprios controles. “É difícil ganhar um cliente, mas muito fácil perder”, diz Castro.

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Em conversa com jornalistas em Brasília, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, disse que era natural a atitude desses países diante da dimensão do noticiário depois da Operação Carne Fraca. Afirmou, no entanto, que a decisão pode ser revertida à medida que tudo for esclarecido. “Temos um problema circunscrito a 21 unidades e, dessas, somente quatro exportavam para a Europa”, disse ele, que recebeu um representante da União Europeia nesta segunda, e tinha conversa agendada com representantes chineses por videoconferência. A Coreia do Sul voltou atrás depois de conversas com o Ministério. Mas devem aumentar as fiscalizações da mercadoria brasileira – os coreanos importam frango do Brasil.

Questionado sobre qual seria a consequência se esses compradores deixassem de comprar carne brasileira, ele respondeu: "Desastre. A China é um grande importador nosso, a Comunidade Europeia, além de ser nosso segundo ponto de exportação, é nosso cartão de visitas. Quem vende para a Europa vende para todo o mundo", afirmou. Para evitar esse “desastre”, tranquilizar os importadores e os consumidores do mercado interno, o Ministério afastou 33 fiscais apontados pela PF como suspeitos de integrar uma quadrilha para liberar a fiscalização de plantas mediante propina, e exonerou os superintendentes da pasta no Paraná e em Goiás.

O Ministério anunciou, ainda, a suspensão de seis plantas de corte de carnes de forma preventiva. Essas unidades perderam as certificações concedidas pela pasta, o que significa que não podem operar nem no mercado interno nem no externo. Dentre elas, a Peccin e o Souza Ramos, que deram origem à investigação a partir da denúncia de um fiscal, Daniel Teixeira, que era subordinado a Maria do Rocio, flagrada em conversas pela PF em atitudes suspeitas. Tanto a Peccin como a Souza Ramos, entretanto, não são exportadores. Indústrias como JBS e BRF são suspeitas de pagamento de propinas para afrouxar a fiscalização.

Críticas à Polícia Federal

A presença da carne brasileira em mercados exigentes, como a China, Estados Unidos e União Europeia, por outro lado, tem sido o mote da defesa dos representantes do setor, que viram exagero na divulgação das informações da PF. “A abertura de mercados lá fora é super difícil. Somos auditados frequentemente, não pode ser que nossa carne seja tão ruim assim”, diz Pedro de Camargo Neto, vice-presidente da Sociedade Rural Brasileira. Além do controle sanitário local, representantes de saúde dos países interessados em comprar no Brasil fazem visitas regulares aos frigoríficos selecionados a exportar, tanto antes como depois de fechar negócios.

Castro, da AEB, da Associação de Comércio Exterior do Brasil, observa que a ação da PF veio num momento oportuno para os parceiros comerciais do Brasil. O preço da carne no mercado internacional subiu e os compradores já estavam buscando motivos para barganhar descontos, explica ele. Segundo levantamento da AEB, entre março do ano passado e este ano, a carne bovina subiu 10%, a de frango, 23%, e carne suína, 40%. “Muitas das medidas adotadas [da suspensão da compra], além do aspecto sanitário, têm interesse de reduzir o preço atual dos embarques”, afirma.

Para Camargo Neto, a investigação da PF foi turbinada e arranhou não só a imagem do Brasil lá fora como da própria operação, ao colocar mil agentes federais na rua, divulgando informações que comprometeram toda a cadeia produtiva, quando na verdade eram alguns poucos frigoríficos os verdadeiramente suspeitos. “A PF foi irresponsável ao extrapolar o que tinha identificado”, diz ele. “Tem crimes no setor? Tem. Vamos resolver com transparência e punições”, sugere.

Francisco Turra, presidente da Associação de Proteína Animal, também critica a generalização feita pela operação ao falar do setor. “Nós aplaudimos a operação. Mas a partir da informação e da desinformação chegamos a um quadro em que estamos totalmente fragilizados”, diz ele. “No exterior a imagem do Brasil está na lata do lixo sendo que levamos dez anos para abrir mercado lá fora", completa Turra, que reuniu a imprensa para uma coletiva, ao lado do presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abeic), Antonio Jorge Camardelli. “Estamos falando a favor de 6 milhões de trabalhadores envolvidos nessa cadeia, de 210.000 contêineres de carne de frango exportados todos os anos para o exterior – é 37% da exportação mundial de frango”, afirmou.

Críticas à operação

Camardelli pontuou que alguns ingredientes citados no relatório de 353 páginas da PF como sendo prejudiciais à saúde são, na verdade, permitidos. "O ácido ascórbico, que é a vitamina C, pode ser consumido. Tentaram dar uma conotação que não existe”, diz. O relatório das investigações diz que o frigorífico Peccin usa ácido ascórbico para disfarçar a deterioração da carne e, num diálogo reproduzido, sócios do frigorífico comentam uso de ácido sórbico. Os dois são conservantes e não proibidos, mas no caso do ácido sórbico há um limite do que pode ser utilizado. Sobre o uso de cabeça de suínos na produção de embutidos, Camardelli lembra que o tipo de carne de cabeça em alguns casos é permitido e até exportado. Em diálogo gravado pela PF, sócios da Peccin discutem usar cabeça de porco em linguiças do tipo frescal, o que é probido (entenda aqui os detalhes da operação).

Outro ponto é o papelão, citado na escuta da Polícia Federal, em conversa do dono do frigorífico Peccin. "Essa história do papelão misturado... não existe essa possibilidade. Até o próprio áudio deixa bem claro. Inclusive, todas as embalagens que a indústria usa precisam ser aprovadas”, completou.

O caso, entretanto, levantou dúvidas sobre o modelo de negócios da carne no Brasil, que teve crescimento acelerado nos últimos anos, com o crescimento de empresas como a BRF, fusão da Sadia e Perdigão, e a JBS. A avaliação geral é que em busca de escala, e de maximização de lucros, alguns controles podem ter sido afrouxados em uma cadeia produtiva extremamente sensível.

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