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Na fila do açougue: “Qual é a marca desta carne?”

Operação Carne Fraca, sobre esquema envolvendo fiscais e frigoríficos, muda hábito dos consumidores

Marina Rossi

"Qual é a marca?", pergunta a dona de casa Lúcia da Paz, 50, na fila do açougue de um supermercado na zona oeste de São Paulo, ao pedir uma peça de alcatra. Ela diz que nunca havia feito essa pergunta sobre a marca da carne antes, mas que agora está desconfiada. "Eu não consigo ficar tranquila, eu tenho uma família, tenho filhos", diz. Ao responder, o atendente emenda: "Só hoje, essa é a terceira pessoa que me faz essa pergunta".

Homem olha carnes em mostrador em São Paulo.
Homem olha carnes em mostrador em São Paulo.Victor Moriyama (Getty Images)
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Os questionamentos de alguns consumidores começaram a surgir depois que a Polícia Federal deflagrou a Operação Carne Fraca, na última sexta-feira. Segundo as investigações, havia um esquema de pagamento de propinas a fiscais agropecuários do Ministério da Agricultura para que determinados frigoríficos pudessem acelerar a liberação de mercadorias ou vender produtos adulterados com produtos químicos e carnes vencidas. Ainda não se sabe ao certo a magnitude do problema. Na mira, grandes empresas do setor, como a JBS responsável por marcas como a Seara, Swift, Friboi e Big Frango, e a BRF, dona da Sadia e Perdigão, entre outras. Ao todo, 21 frigoríficos estão sob suspeita, três deles já interditados, incluindo o frigorífico Peccin, do Paraná, cujos funcionários são ouvidos em áudios da PF combinando adulteração dos produtos.

No açougue da Swift, em Pinheiros, funcionários afirmaram terem notado queda no movimento durante o último final de semana. Ali, a mesma pergunta do supermercado surgiu por parte dos clientes. "Nos perguntaram se a nossa marca é da JBS", disse um funcionário. "Explicamos que confiamos no nosso produto e sabemos da qualidade deles", explicou-se.

Nem todos, porém, estão se importando com a marca da carne que compram. Para a aposentada Elza Machado, 80, a marca da carne não faz nenhuma diferença. "Friboi é a marca, mas o gado é o mesmo para todas as marcas", disse. "Não faz diferença, é tudo igual". Ela acredita que as informações divulgadas sobre carnes contaminadas ou vencidas fazem parte de um plano para prejudicar as exportações brasileiras.

Nesta segunda-feira, a União Europeia, China, Chile e Coreia do Sul anunciaram que vão suspender a importação de carne brasileira e que aumentarão a fiscalização desses produtos. No caso da China, ainda não houve um anúncio oficial, e não se sabe se a suspensão valerá para todas as carnes ou somente para as marcas investigadas. Já a Coreia do Sul anunciou por meio de seu Ministério da Agricultura que vai aumentar as inspeções feitas na carne de frango importadas do Brasil e proibiu, temporariamente, a venda dos produtos de frango da BRF. A Comissão Europeia afirmou que está monitorando as importações de carne do Brasil e que as empresas terão acesso negado nos países que fazem parte do bloco. E por fim, o Chile fez um anúncio por meio do seu Ministério da Agricultura, segundo a agência Reuters, mas ainda não há mais informações sobre a suspensão. No domingo, o presidente Michel Temer afirmou que a fraude é "pontual" e convidou embaixadores para um jantar em uma churrascaria em Brasília.

Piada

No restaurante argentino Martín Fierro, na Vila Madalena, em São Paulo, onde os cortes servidos são de origem argentina e uruguaia, o gerente Valdemir Paiva Brito explica que o movimento seguiu sem alteração no fim de semana e que  clientes chegaram a fazer piada com o escândalo deflagrado na sexta-feira. "Os clientes perguntaram brincando: 'essa é aquela carne?", contou. "Outros também fizeram piada: 'É Friboi?".

Perguntar se uma carne é Friboi era tudo o que a campanha de marketing da marca queria. Mas com caráter positivo. Para ensinar o consumidor a questionar a marca da carne, a JBS, responsável pela Friboi, contratou, no início de 2014, dois garotos-propaganda nacionalmente conhecidos: o ator global Tony Ramos e o cantor Roberto Carlos

O cantor Roberto Carlos era assumidamente vegetariano há quase 30 anos, mas no comercial afirmava ter voltado a comer carne, já que o produto é "com certeza" da Friboi. O contrato foi rompido em novembro do mesmo ano, e a empresa permaneceu somente com Tony Ramos, que aparece em comerciais nos supermercados perguntando se a carne que está sendo comprada é Friboi.

Na sexta-feira, o ator afirmou estar "surpreso" com a notícia da operação Carne Fraca. "Estou surpreso com essa notícia", disse ao site de celebridades Ego. "Eu sou apenas contratado pela empresa de publicidade, não tenho nenhum contato com a JBS".

Enquanto isso, nos supermercados, a ironia é que o consumidor aprendeu, finalmente, a perguntar se carne é Friboi. "Depois que eu vi a notícia [sobre a operação Carne Fraca], eu passei a comer mais peixe", disse a dona de casa Lúcia da Paz. "Não vou deixar de comer carne, mas terei mais critério pra comprar. A minha única certeza é que Friboi eu não compro mais".

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