“A primeira casa modernista foi construída no Brasil. Le Corbusier chegou 10 anos mais tarde”
O arquiteto britânico Kenneth Frampton, autor de uma obra fundamental sobre a construção moderna, prepara uma nova versão menos eurocêntrica
Aos 50 anos, o arquiteto britânico Kenneth Frampton (Woking, Inglaterra, 1930) lançou um livro fundamental que amarrava o conjunto de sua disciplina. O curioso de sua História crítica da arquitetura moderna, que continua a ser publicada, com traduções para 11 idiomas (foi lançado no Brasil em 1997, com reedição em 2015, pela editora Martins Fontes), é que a solidez de sua análise foi sendo construída ao longo de várias reedições revisadas. Na primeira delas, este catedrático da Universidade de Colúmbia, onde ainda dá aulas de urbanismo, criou um termo que revolucionou a própria modernidade do seu título: regionalismo crítico. Tratava-se de dar voz aos avanços partindo de outras tradições: a modernidade inerente à arquitetura mediterrânea e a modernidade orgânica –mais próxima da paisagem do que da abstração— da escandinava. “Um livro de referência que procura resumir a ideia de que o conhecimento nunca se encerra”, afirma Frampton, no salão nobre da Universidade Politécnica de Madri. Ele ainda está vestido com a toga e o barrete. Acaba de receber o título de doutor honoris causa, sendo o terceiro arquiteto a obter a honraria, depois de Félix Candela e Norman Foster.
Frampton, que vive há mais de meio século em Nova York, observa que às vezes as mudanças na vida obrigam a que se corrija o conteúdo de um livro. Como aconteceu quando a arquitetura abraçou o desconstrutivismo ou quando passou a refletir a lógica da sustentabilidade, para não prejudicar o planeta. Ele admite, no entanto, que, em outras ocasiões, as correções podem ser feitas também em razão da autocrítica. “Na revisão mais recente [que ele está preparando para este ano], não quero apresentar um mundo eurocêntrico: a arquitetura da China, da Índia ou da África também fazem parte do planeta”.
Como aconteceu de deixar a profissão de arquiteto para passar a contar a sua história? “Foi quando percebi que nessa história existem profissionais muito melhores do que eu”, responde, sem dar voltas. Foi Robin Middleton, editor da Thames & Hudson, quem lhe encomendou o trabalho de sua vida. Ele lembra que começou a entregá-lo por capítulos, como os folhetins do século XIX, com cada um deles sendo publicado na revista World of Art.
Middleton lhe deu dois conselhos essenciais: “Você não precisa de uma frase sobre alguma coisa que já disse. E não precisa de um adjetivo que não acrescente nada”. Hoje Frampton considera que simplificar nem sempre é positivo: “Minha história requer um leitor atento. Os livros sem muita retórica exigem mais atenção”.
Com 86 anos, articula a maior autocrítica a seu livro: “Deixamos de lado uma grande parte do mundo. Que você não conheça não quer dizer que não exista”. Como se completa, então, uma visão planetária? De quanto distanciamento é preciso para se escrever a história de uma disciplina? “É necessária a convicção de que você viu coisas que merecem ser contadas. E a humildade para deixar claro que o que você conta não é nunca a história. É a sua história.”
O catedrático conta que procurou conhecer todos os edifícios de que fala (“os que não conheci, eu os estudei”) e admite que o mais fascinante são os acasos. “Quando visitei o arquiteto de Bangladesh Kashef Chowdhury, conheci o talento de sua ex-mulher, Marina Tabassum. A história da arquitetura moderna está cheia de uniões de pessoas com grande talento que acabam em divórcio. A atenção se concentrou em um só dos lados, mas chegou o momento de exaltar muitas dessas mulheres”, argumenta. Insiste em que é preciso prestar atenção em quem tornou as coisas possíveis, como Muzharul Islam, um arquiteto de Bangladesh que introduziu a modernidade nessa região da Ásia. Levou Louis Khan a construir o Parlamento em Daca e depois fundou ali a Escola de Arquitetura. Ou Gregori Warchavchik, o imigrante russo que trouxe a modernidade para o Brasil e ergueu em São Paulo a primeira casa modernista. Le Corbusier chegou 10 anos mais tarde.
Um arranha-céu não é arquitetura. É só dinheiro
Como seu próprio livro, Frampton considera que a modernidade é um projeto inacabado. “É mais um sinônimo de progresso do que do despotismo da qual foi acusada”. Assistimos à dubaização do mundo? “Em Nova York um arranha-céu é construído depois do outro. E são construções anódinas. Irrelevantes culturalmente. Só representam o mercado. Não há significado nem simbolismo. Chama-se especulação e é a rainha de nossos dias. Não sei quando isso vai parar. Mas me nego a aceitar que isso seja uma herança do Movimento Modernista. Não é arquitetura. É só dinheiro.”
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