Um roteiro gastronômico para as quebradas da cidade
O guia 'Prato Firmeza' reúne bares e restaurantes na periferia de São Paulo para quem quer fugir do circuito centro-zona oeste
"O lugar é longe, mas vale a pena". Essa é uma frase bastante apreciada pelas resenhas de guias gastronômicos ao começar um texto tratando de algum bar ou restaurante mais afastado da região central de São Paulo. Mas limitar-se à geografia, além de fazer com que a cidade mais populosa do país pareça pequena, ainda pode te fazer tropeçar com uma coxinha por quase 10 reais. Pensando na limitação dos mapas dos guias e no bolso dos amantes de comida, foi lançado o Prato Firmeza, um guia gastronômico das quebradas de São Paulo, feito somente de lugares na periferia.
O Michelin da periferia é um pequeno livreto ilustrado, com 40 sugestões de lugares espalhados pelos quatro quantos da cidade, além de Osasco, Santo André, São Caetano, Diadema e Guarulhos. Para entrar no guia, que está na primeira edição, o estabelecimento precisava responder a alguns critérios, como a relação do local com o bairro, a qualidade da comida e o preço - um gasto médio de 20 reais por pessoa. No texto sobre cada local, além das informações básicas, como endereço, o horário de funcionamento e os cartões que a casa aceita, há também a estação de metrô, trem ou ônibus usada para chegar e se há opção vegetariana no cardápio.
O guia é um dos produtos elaborados pelos alunos da escola de jornalismo pertencente à agência de comunicação É Nóis conteúdo, voltada para jovens da periferia. O aluno Matheus Oliveira, do Capão Redondo, na zona sul, começou a mapear lugares bons e baratos no bairro em 2012. A apuração de Matheus começou a ser reunida em um site, e, no ano passado, o livro tomou forma, com lugares em outras regiões resenhados por mais dez jovens moradores da periferia e alunos do curso de jornalismo.
Guilherme Petro, 21, é um desses alunos que ajudou a produzir o guia no ano passado. Formado em gastronomia, ele conta que procurava lugares para conhecer perto de onde mora, em Taboão da Serra, município da grande São Paulo, e quase nunca encontrava. "Uma vez abri um guia e achei um restaurante em Interlagos cuja resenha começa dizendo que era longe", conta. "Se Interlagos é longe, imagina o Jardim Ângela [na zona sul], né?".
No Prato Firmeza, ao invés das estrelas usadas pelo Michelin para classificar os restaurantes ao redor do mundo, o guia da periferia criou três carimbos: "Bom para ir com o crush", para ir a dois, "Sai rolando", para quem procura porções generosas, e "Junta Mais", quando vale a pena ir com os amigos e dividir a conta.
Na zona leste da cidade, no Tatuapé, o Bar do Berinjela ganhou o selo "Junta Mais" e "Bom para ir com o crush". Mas a reportagem saiu de lá rolando depois de visitar o estabelecimento, que tem clima família e comida com tempero de mãe. Uma porção de bolinho de berinjela com queijo e calabresa, outra de kibe de berinjela, e a porção saideira de bolinho de bacalhau foram provas mais do que suficientes para entender o por quê o estabelecimento pertence ao guia. A casa existe há 52 anos no bairro - quesito relação do local com o bairro, checado; os petiscos custam de 5 a 30 reais - quesito preço também; e o tempero deixa muito chefe estrelado no chinelo.
A casa é tocada pelo casal Débora Regina Leitão, 51, e José Manuel Leitão - seu Berinjela -, 52. Ela é a dona das mãos que pilotam a cozinha, enquanto seu Berinjela faz as vezes da chapa atrás do balcão. Os filhos do casal também colocam a mão na massa. O bolinho de berinjela surgiu muito depois do apelido do anfitrião, o que talvez não faça diferença, porque ali é o legume que reina. São cerca de 120 quilos de berinjela por semana e, só aos finais de semana, saem da cozinha mais de 500 bolinhos.
Cozinha de resistência
Na mesma região do Bar do Berinjela, mas a mais de 20 quilômetros de distância, em São Miguel Paulista, fica a Cozinha Libertária. A casa nasceu na Penha (zona leste), em uma ocupação que usava a comida e o veganismo como forma de resistência política, mas hoje está instalada na residência da família Duarte. A mãe, a professora Oneide Duarte, 50, teve que se afastar do trabalho por motivos de saúde. Com problemas financeiros, os filhos começaram a fazer coxinha de jaca, com as frutas dos pés que ficam na rua do bairro, para vender. "Só que a época de jaca acabou", contou Ulisses Duarte, um dos filhos. "Aí decidimos começar a vender marmita".
Da cozinha da dona Oneide só saem opções veganas e a casa funciona somente por delivery, que é feito pelos filhos, Ulisses e Renato, de bicicleta. No cardápio, um prato diferente a cada dia da semana. A filha Geovana Duarte ajuda na cozinha. "Assistimos a alguns tutoriais na internet e aprendemos algumas receitas", conta dona Oneide. A marmita custa 10 reais e a entrega custa a partir de dois reais. No feijão fradinho provado pela reportagem ia cúrcuma, que dava uma cor especial, e linhaça, que deixava o caldo cremoso. A torta de proteína de soja com uma maionese feita com grãos de mostarda faz qualquer um esquecer da carne.
Assim como a Cozinha Libertária, o Prato Firmeza também indica outras casas cuja política faz parte das receitas. A Casa da Lagartixa Preta, por exemplo, é um local que oferece atividades culturais e, uma vez por mês, tem uma pizzada vegana. Cobra 18 reais por pessoa para comer à vontade, e o valor arrecadado serve para ajudar a pagar o aluguel da casa, que fica em Santo André.
As casas veganas e vegetarianas respondem por 25% do conteúdo do guia. "Há um forte movimento vegano na periferia", contou Ulisses Duarte, da Cozinha Libertária. Mas há para todos os gostos: docerias, comida japonesa, chinesa, libanesa, hamburguerias, padarias, pizzarias, pastelarias e sorveterias. Qual distância você seria capaz de percorrer em de uma boa - e honesta - comida?
Bar do Berinjela: Praça 20 de Janeiro, Tatuapé. Telefone (11) 2671 2992
Cozinha Libertária: Travessa Maserata, 94, São Miguel Paulista. Telefone (11) 2031 5305
Prato Firmeza - Guia gastronômico das quebradas de São Paulo: 20 reais e pode ser comprado por aqui.
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