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Corrupção da Odebrecht envolve três Governos peruanos

Construtora reconhece o pagamento de 29 milhões de dólares em subornos a funcionários do Governo peruano entre 2005 e 2014

O ex-presidente de Peru Alan García, em 2006.
O ex-presidente de Peru Alan García, em 2006.EFE

Localizado sobre uma colina ao lado do Morro Solar – que domina o extremo sul da baía de Lima –, o Cristo do Pacífico é um monumento de 37 metros de altura, construído à imagem e semelhança do Cristo do Corcovado. Pode ser visto de qualquer ponto da Costa Verde e, à noite, seu sistema de iluminação fica mudando de cor: do vermelho ao roxo, do roxo ao azul.

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Foi uma iniciativa pessoal do ex-presidente Alan García (1985-90; 2006-11). Alheio às críticas – naquele lugar ocorreram episódios fundamentais da Guerra do Pacífico, vários arquitetos questionaram seu design e a construção foi feita sem aprovação da cidade –, Garcia anunciou uma doação de 30.000 dólares de seu próprio dinheiro. Dizem que, nos dias seguintes, diversas empresas brasileiras contribuíram com mais de 800.000 dólares para completar a obra que esteve a cargo da construtora Odebrecht, isenta de qualquer imposto ou tarifa.

O Cristo do Pacífico sempre esteve sob suspeita. O Colégio de Arquitetos apresentou um relatório afirmando que os custos estavam inflados, que não poderia custar mais do que 10% do orçamento proposto. Onde tinha ido parar a diferença? Nunca foi esclarecido, mas todos os olhos se voltaram para a Odebrecht. Jogando com o nome do original, a inventividade popular batizou a cópia como “Cristo do Roubado”.

Os negócios da gigante brasileira no Peru remontam a 1979. Desde então, ela participou em inúmeros projetos de infraestrutura, incluindo estradas, centrais hidrelétricas, projetos de irrigação, transporte de hidrocarboneto ou vias do metrô. Esta semana, no seu acordo com a justiça norte-americana, a Odebrecht reconheceu o pagamento de 29 milhões de dólares em subornos a funcionários do Governo do Peru entre 2005 e 2014. A confissão envolve os mandatos de Alejandro Toledo (2001-2006), Alan García (2006-2011) e Ollanta Humala (2011-2016). Como resultado desses subornos, a construtora obteve lucros superiores a 143 milhões.

O pacto trata de dois casos. O primeiro remonta a 2005, quando um executivo da Odebrecht fez contato com um alto funcionário do governo através de um intermediário, que prometeu ajudá-lo em uma licitação. Se ganhasse, iria recompensá-lo com o pagamento de um suborno. A vitória se concretizou e nos três anos seguintes, a Odebrecht fez pagamentos de 20 milhões às empresas indicadas pelo mesmo intermediário.

Embora não especifique quais são as obras, tudo aponta para a Rodovia Interoceânica Sul (que liga o Peru com o Brasil), o único projeto executado pela construtora entre 2005 e 2008, que esteve sob suspeita desde o início. Inúmeras irregularidades foram registradas e, para aprovar os custos excessivos, foi preciso incluir 22 adendos ao contrato original. Inicialmente com um orçamento de 800 milhões de dólares, terminou custando cerca de 2 bilhões.

O segundo caso começou em 2008. Segundo o acordo, na época a Odebrecht participou da licitação de uma importante obra de transporte público. Concordou em pagar por baixo da mesa 1,4 milhão de dólares para influenciar os integrantes da comissão avaliadora da licitação e recompensar um alto funcionário do governo. Um ano mais tarde ganhou o contrato, no valor de 400 milhões. Esta poderia ser a concessão do trecho 1 do metrô de Lima, que foi licitada por 410 milhões, mas terminou custando 519 milhões.

As reações a este escândalo não demoraram. O presidente do Conselho de Ministros, Fernando Zavala, deu uma coletiva de imprensa onde disse que o Ministério Público está realizando coordenações para receber toda informação, realizar ações fiscais e judiciais. Durante uma visita a Yurimaguas, o presidente Pedro Pablo Kuczynski disse: “Os presidentes desses períodos devem dar explicações, mas também é preciso ver quem recebeu o dinheiro, porque até agora só há uma grande soma de 30 milhões de dólares”.

“A relação entre a Odebrecht e os últimos três governos sempre gerou suspeitas”, diz o ex-procurador anticorrupção Julio Arbizu: “A supervalorização dos projetos, o presente do Cristo do Morro Solar ou o tratamento preferencial que sempre recebeu, alimentaram a dúvida. Agora temos a certeza de que maus funcionários pagaram subornos milionários a provedores corruptos, por obras que não se sabe se vão servir. Esta é apenas a ponta do iceberg. Os responsáveis políticos se salvaram antes, mas agora correm o risco de uma extradição para os Estados Unidos. Se estivesse no lugar deles, eu ficaria muito nervoso”.

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