‘Rogue One’, outra chateação galáctica. Até quando?
Eu me confundo mentalmente com o tempo, a ação e os personagens de cada novo filme da série
Escuto com insistência uma terminologia que aparentemente explica o novo funcionamento do mundo, mas que, forçado a repeti-la, me provoca nauseante fadiga. São conceitos como globalização, populismo, pós-verdade, marketing, trending topic, hackers, narrativas, spoiler e demais chatices supostamente esclarecedoras e relevantes. Penso nisso na fila para ter acesso a algo que deve ser impressionante se considerado o cuidado e a precaução dos donos do produto. Trata-se de um filme, nem mais nem menos, de aventura, nem sequência nem prequela, de Star Wars, mas algo ainda mais sofisticado chamado spin-off, que consiste em um filme ou uma série protagonizado por personagens que eram secundários em séries ou filmes precedentes. Pois é isso, pois muito bem. Intitula-se Rogue One – Uma História Star Wars e conta como os espiões rebeldes roubaram do Império os planos da devastadora Estrela da Morte. Mas não tenho a sensação de algo tão ancestral e natural como ir ao cinema, mas, sim, associo toda a parafernália da estreia com os esquemas de segurança nas partidas de futebol de elevado risco e nas cúpulas dos chefes de Estado.
Tenho de fazer um esforço infinito nesse filão econômico centrado na saga galáctica para lembrar daquilo que pretendem explorar até a última e ínfima veia, que ocorreu antes, durante e depois na alongada história. Eu me confundo mentalmente com o tempo, a ação e os personagens em cada novo lançamento da série. Minha memória só funciona com nitidez e admiração ao evocar durante os anos setenta a estreia de um faroeste espacial repleto de imaginação, épico e com humor, que levava o legendário nome de Star Wars: Uma Nova Esperança e de sua inquietante e sombria continuação O Império Contra-Ataca. Tudo funcionava exemplarmente neles, incluindo sua vibrante música. Depois fui cansando, me confundindo, vendo por estrita obrigação profissional esse cinema aparatoso e pesado do qual me esquecia com alarmante celeridade. Mas posso entender que infinitos e globalizados espectadores passem toda sua vida cinematográfica professando fanático e enlevado culto à saga galáctica e a seu merchandising. O segundo deve produzir infinito e nauseante dinheiro, muito superior à bilheteria que a sala escura gera.
ROGUE ONE: UMA HISTÓRIA STAR WARS
Direção: Gareth Edwards.
Intérpretes: Felicity Jones, Diego Lua, Ben Mendelsohn, Alan Tudyk, Jiang Wen, Donnie Iene, Forest Whitaker, Riz Ahmed.
Gênero: aventura. EUA, 2016.
Duração: 133 minutos.
Não me perguntem sobre a trama de O Despertar da Força, meu contato anterior com os guerreiros espaciais. Apagou-se em mim. Só me lembro que houve leitores que se sentiram ofendidos porque no meu comentário sobre aquela inanidade contava que entre seus novos protagonistas figurava um senhor negro, quando o correto, ao que parece, é que houvesse me referido a ele como alguém com uma cor de pele diferente da do branco, um afro-americano das galáxias, ou algo assim. Em Rogue One ampliam a fórmula para que nenhuma raça se sinta excluída no absoluto espetáculo global. Há atores mexicanos, chineses, paquistaneses, hong-kongueses, dinamarqueses... Também reconstroem digitalmente o falecido Peter Chushing no papel do antigo grande malvado. E, como não, aí está Darth Vader como tributo à nostalgia, embora já não se mova com a contundência de antes nem desprenda sua magnética onda maléfica.
Admito que tudo está bem pensado no planejamento do grande negócio. Até se permitem o luxo de uma fotografia terrosa, que cheira a ambiente poluído, nada convencional. E no roteiro e na produção figura Tony Gilroy, autor do formidável Conduta de Risco. E você acredita que a permanente aventura, os tiros, as explosões e o ruído constante consigam algo tão elementar como não deixar o tédio aparecer. E seria surrealista que em meio a essa apoteose dos efeitos especiais algum espectador fosse capaz de se deixar invadir pelo sono. Isso me aconteceu. Devo ser anormal. Tudo me parece monocórdio, sem vida, rotineiro nas façanhas dos revolucionários contra o Império do Mal. Supõe-se que existirá tensão diante de seu incerto e perigoso destino, que o que dizem e fazem os personagens tocarão as fibras sensíveis dos espectadores. No meu caso, não há forma. Para mim nada é entusiasmante, dramático, épico, heroico, complexo ou simplesmente divertido. O grande circo não é brilhante, mas de um vazio espantoso, falta de ritmo e da mínima graça. E, claro, os cálculos econômicos funcionaram com exatidão. E os fãs de sempre até encontrarão o lado artístico. Para mim é impossível.
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