Líderes latino-americanos apoiam processo de paz na Colômbia
A ausência de Maduro enfatiza o isolamento do Governo da Venezuela na região
Os líderes ibero-americanos, chefes de Estado e ministros das Relações Exteriores apoiaram por unanimidade o processo de paz na Colômbia e as tentativas do presidente Juan Manuel Santos em alcançar um novo acordo com as FARC após a rejeição do pacto no plebiscito. Eles o fizeram em Cartagena das Índias, o mesmo lugar onde, no dia 26 de setembro, Santos e o líder das FARC, conhecido como Timoshenko, assinaram o texto que pôs fim a 52 anos de guerra. A cúpula, a primeira depois da virada política em países-chave da região como Argentina, Brasil e Peru, também mostrou que o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, que se ausentou no último momento, soma aos seus problemas internos um ambiente internacional que o isola cada vez mais.
“O que tinha de ser a cúpula da paz se tornou a cúpula pela paz”, disse Santos durante a abertura da reunião. O presidente colombiano destacou, como fizera nos dias anteriores, que está tentando alcançar um novo acordo com as FARC, “com ajustes e esclarecimentos” depois da vitória do “não” no plebiscito. “Será alcançado rapidamente”, disse Santos, que insistiu que “o acordo de Cartagena é e continuará sendo a base de uma transformação sem precedentes na história da Colômbia”.
Os chefes de Estado e ministros das Relações Exteriores que compareceram à cidade do Caribe colombiano exaltaram as tentativas de Santos, que foi cumprimentado por eles pelo Nobel da Paz. “Reitero-lhe, com o maior incentivo, o apoio da Espanha aos esforços pela paz que está realizando pelo povo colombiano, uma paz que todos os amigos da Colômbia querem para essa nação irmã”, disse o rei da Espanha, Felipe VI. As constantes referências ao processo de paz representam um impulso para Santos para tentar chegar a um acordo apesar da rejeição nas urnas e diante da complicada negociação que desenvolve com os partidários do ‘não’, especialmente o ex-presidente Álvaro Uribe.
A XXV cúpula Ibero-Americana, a primeira depois da virada política em países-chave como Argentina, Brasil e Peru, também deixou claro o cerco cada vez mais apertado sobre Maduro. O presidente dominou a cena, mas como negativo: mudou de ideia várias vezes sobre sua presença, e os movimentos para pressioná-lo, liderados pelo peruano Pedro Pablo Kuczynski, que falou de “crise de direitos humanos na Venezuela”, monopolizaram a reunião. Como admitiu o novo Secretário-Geral da ONU, o português Antonio Guterres, que participou da cúpula, “houve um debate muito interessante sobre a Venezuela durante o almoço entre os presidentes”. Guterres afirmou que os presidentes apostam no diálogo patrocinado pelo papa Francisco. “No almoço houve um consenso muito claro, não há solução para os problemas da Venezuela sem um diálogo construtivo entre as partes com o apoio da comunidade internacional”.
Durante muitos anos, com Hugo Chávez, a Venezuela foi o grande protagonista político da América Latina por sua enorme influência sobre o chamado eixo bolivariano. Eram os anos do petróleo a 100 dólares, das grosserias dirigidas a George Bush na Cúpula de Mar del Plata, em 2005, e da liderança de Chávez, Lula, Néstor Kirchner, Evo Morales e Rafael Correa. A morte de Chávez e a queda do petróleo as coisas começaram a mudar. Agora a virada liberal que domina a região há um ano, juntamente com a crise econômica e a derrota nas urnas em 2015, cerca cada vez mais Maduro. Mesmo aliados como Rafael Correa estão de saída – não buscará a reeleição em 2017 – ou vêm de uma dura derrota, como Evo Morales.
Maduro ainda tem a vantagem da grande desunião na região, que dificulta a aprovação de uma resolução unânime – a única maneira de fazer avançar algo no sistema das cúpulas ibero-americanas –, mas a pressão dos países mais importantes é evidente e o isolamento cresce. Kuczynski foi muito claro. “É muito difícil ter uma reunião como esta sem falar sobre questões sensíveis da região, como as do país vizinho. Falar de educação é bom, mas podem dizer que nos esquecemos dos temas candentes”, disse o presidente do Peru no plenário da cúpula. “A Venezuela passa por uma tremenda crise econômica, de direitos políticos e humanos”. “Não há desejo de intervir em outros países nem existe afã ideológico, mas queremos que os países ibero-americanos progridam e não retrocedam”, concluiu.
Diante da ausência de Macri, Kuczynski se torna a referência do novo ciclo latino-americano
Pedro Pablo Kuczynski é, aos 78 anos, o mais antigo de todos os líderes latino-americanos. E também o último a chegar. Só está à frente do Peru há três meses. No entanto, esta primeira cúpula ibero-americana de que participa como presidente – antes tinha sido ministro várias vezes – demonstrou que PPK, como é chamado no Peru, será um dos grandes protagonistas do poder na América Latina nos próximos anos.
Embora não lidere um dos maiores países, nem por população nem pelo tamanho da economia, Kuczynski tomou rapidamente a cena com sua desenvoltura de veterano sem complexos que diz as coisas com clareza. Inclusive se deu ao luxo – meio a sério, meio de brincadeira – de criticar os aumentos de impostos do colombiano Juan Manuel Santos. PPK é um liberal, membro da elite econômica do planeta durante 40 anos – assistiu muitas vezes às reuniões do clube de Bildeberg, anualmente em Davos, foi diretor de vários fundos de investimento nos EUA nas épocas em que abandonou a política –, com contatos em todos os lugares e uma maneira de falar que faz com que outros presidentes riam com ele e mostrem algum respeito por sua veteranice. Mas o que lhe deu mais destaque foi sua decisão de enfrentar Nicolás Maduro – que, finalmente, não compareceu, foi PPK quem falou com mais dureza sobre a Venezuela – e a ausência de Mauricio Macri, que teria ocupado esse posto de líder da nova onda dirigentes latino-americanos se não tivesse decidido ficar em Buenos Aires.
O liberal Kuczynski tem uma postura tão dura sobre a Venezuela que, em 2011, apoiou Keiko Fujimori, que neste ano derrotou nas urnas por menos de 40.000 votos, porque acreditava que Ollanta Humala representava “a chegada do chavismo ao Peru”, como explicou ao EL PAÍS. Humala, depois de ganhar, escolheu políticas liberais e Kuczynski acabou apoiando-o, mas a batalha contra o chavismo faz parte do eixo central das preocupações do presidente peruano e anuncia um papel importante nos próximos meses.
“Na Venezuela há uma crise de natureza econômica, política e há uma crise de abastecimento. Tudo isso nos preocupa. A suspensão do referendo revogatório está fazendo aumentar as tensões. Devemos buscar uma solução, uma ponte de saída. A Argentina insiste que a Venezuela precisa de uma saída para seus problemas através do diálogo. A situação está suficientemente delicada e frágil para não jogar mais lenha na fogueira. Os ânimos estão exaltados, devemos procurar não aumentar a tensão. Não devemos pensar que existe uma saída milagrosa a ser importada de nenhum lado nem que cairá do céu. Temos de conseguir que na liderança venezuelana exista um entendimento”, disse ao EL PAÍS a ministra das Relações Exteriores da Argentina, Susana Malcorra. A virada política da Argentina, onde Mauricio Macri está sendo muito duro com Maduro, e do Brasil, é chave para o isolamento da Venezuela. Na verdade os dois presidentes e o paraguaio Horacio Cartes entraram em acordo e praticamente convenceram o uruguaio Tabaré Vázquez para suspender definitivamente a Venezuela do Mercosul, um novo mecanismo de pressão.
Maduro, que por fim decidiu não comparecer à cúpula depois de ter confirmado oficialmente sua presença, fez uma grosseria com seus parceiros e viu de Caracas como se transformou no protagonista de uma jogada diplomática para tentar pressioná-lo. Aliados seus como Correa evitaram defendê-lo. O presidente equatoriano criticou, por exemplo, o embargo a Cuba, defendeu Cristina Kirchner e Lula e falou de “golpes de Estado brancos”, mas não disse uma palavra sequer sobre Maduro, ao contrário do que é habitual. O chanceler cubano, Bruno Rodríguez, por sua vez, mostrou seu apoio claro “ao povo irmão da Venezuela”, enquanto a chanceler de Maduro, Delcy Rodríguez, defendeu de forma veemente o diálogo que se inicia neste domingo com o apoio do Vaticano para evitar “ações que buscam a derrubada de Maduro por vias não democráticas”.
No entanto, não há consenso total para que a região fale unida para pressionar a Venezuela. A secretária-geral ibero-americana, Rebeca Grynspan, disse ao EL PAÍS que não há consenso para uma resolução sobre a crise venezuelana porque os países pertencentes à ALCA a rejeitam. “O tema da Venezuela se discute em muitos fóruns. Há uma divisão dentro da OEA, se discutiu na CELAC, parece que há uma necessidade de que aconteça o mesmo em todos os fóruns e que se diga o mesmo”, afirmou.
Alguns países ideologicamente muito distantes de Maduro, como a Espanha, suavizaram a posição. “Não acho que haja uma resolução unânime sobre a Venezuela”, destacou o ministro da Economia espanhol, Luis de Guindos, que viajou até Cartagena porque Mariano Rajoy tinha que se submeter a uma votação de confiança no Parlamento e Juan Manuel Margallo [ministro das Relações Exteriores], que é deputado, tinha de votar. “Nesse tipo de cúpula o fundamental é avançarmos todos juntos em um caminho para que haja um ambiente conciliatório”, disse Guindos quando questionado sobre a Venezuela. Maduro, grande protagonista ausente, vê assim como seu isolamento é muito claro, mas, por enquanto, consegue evitar a condenação definitiva enquanto se inicia a mediação do Papa. De fato seu argumento oficial para não comparecer depois de anunciar sua presença foi que tinha de receber em Caracas alguns enviados do Vaticano.
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