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Muda a sorte do ‘homem-árvore’

Doação permitirá a Abul Bajandar construir uma casa. Mas nem todos em Bangladesh têm tanta sorte

O 'homem-árvore', antes de sua operação.Foto: reuters_live | Vídeo: QUALITY

Abul Bajandar é um bom exemplo de que os ditados podem ser muito certeiros. "Há males que vêm para o bem" é um ditado que lhe cai tão bem como um anel no dedo. E essa última expressão não é uma ironia, mas um desejo que o homem-árvore, como é conhecido, logo poderá tornar realidade. Porque esse jovem bengalês que sofre de epidermodisplasia verruciforme, uma doença rara da qual só se conhecem quatro casos no mundo e que cobre suas extremidades de verrugas na forma de ramos de árvores, logo poderá colocar pela primeira vez a aliança de casado.

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As cinco delicadas operações cirúrgicas que conseguiram retirar todas as verrugas foram um sucesso, e agora só resta o processo estético que devolverá seus pés e suas mãos ao estado de dez anos atrás, quando o adolescente Bajandar descobriu que não seria uma pessoa comum. As verrugas cresceram até pesarem mais de quatro quilos e inabilitarem severamente os movimentos do jovem que, apesar do estigma trazido por essa estranha doença, nos últimos anos se casou com Halima e teve uma filha que até agora nunca conseguiu abraçar. Quando retirarem as grossas bandagens que ainda cobrem seus braços, poderá fazê-lo pela primeira vez.

E tudo graças ao fato de sua história ter corrido o mundo quando um jornalista da agência AFP conheceu seu caso no final do ano passado. Bajandar se dedicava à mendicância e explorava seu aspecto para fazer com que as pessoas espantadas com sua figura lhe dessem algum dinheiro em troca de fotos com ele. Foi a notoriedade adquirida pelo caso após sua publicação que conseguiu o compromisso do Governo de oferecer tratamento gratuito a Bajandar, cuja família de poucas posses não podia custear as caríssimas cirurgias necessárias para retirar suas verrugas. Os políticos decidiram transformá-lo em uma operação de marketing e no começo de 2016 foi internado no Hospital Universitário de Daca, a capital de Bangladesh.

“Depois de acabar o tratamento quero viver como um homem saudável e abrir um negócio”, disse o jovem

Um conselho médico formado por nove cirurgiões decidiu o que fazer em cada momento. “Após cinco operações, agora só é preciso efetuar retoques estéticos às extremidades e começar o processo de reabilitação”, disse na sexta-feira o diretor do grupo de médicos, Samanta Lal Sen. “Suas mãos ainda estão muito atrofiadas pela falta de movimento, mas deve ser capaz de recuperar todas as funções em quatro ou cinco meses”, afirmou. É um avanço importante já que, inicialmente, foi especulada a possibilidade de que todo o processo levaria em torno de um ano.

A boa notícia, além disso, não veio sozinha. Outro dos médicos que tratou Bajandar, Kabir Chowdhury, decidiu dar-lhe um presente inesperado: 600.000 takas (28.433 reais) para que construa uma casa em seu povoado natal de Paikgachha, no distrito de Khulna. Mesmo que não seja o suficiente para terminá-la, é uma grande ajuda para uma família que, como muitas outras no país, não possui terra e vive da pouca renda do pai como condutor de riquixá, o triciclo motorizado utilizado como táxi. “Já reservei três kathas (unidade equivalente a 67 metros quadrados) de terra para que possamos levantar nosso primeiro lar”, disse Bajandar com um sorriso de orelha a orelha. “Depois de acabar o tratamento quero viver como um homem saudável e abrir um negócio”, acrescentou em declarações ao jornal Daily Star.

Abul deve ser capaz de recuperar todas as suas funções em quatro ou cinco meses

Mas mesmo que a história de Bajandar pareça uma fábula com final feliz, não é mais do que uma miragem em dois planos diferentes. O primeiro, no pessoal, porque tudo indica que as verrugas voltarão a crescer. “As operações atuais são um tratamento temporário. Sem conhecermos as causas da doença, é impossível uma cura definitiva. Mas temos a esperança de tratar as verrugas antes de que cresçam de maneira desmesurada, o que fará com que a doença seja crônica, mas não incapacitante”, explicou Lal Sen ao EL PAÍS após a primeira operação.

O segundo plano dessa miragem é social. O caso de Bajandar foi utilizado pelo Governo como um exemplo dos avanços médicos do país e do tratamento humano que oferece aos seus cidadãos, mas sua história é uma exceção em todos os sentidos menos um: a vida que Bajandar levava antes de se tornar famoso. Porque Bangladesh, com uma renda per capita de mil euros (4.004 reais) não deixa de ser um dos países mais pobres do mundo com inúmeras histórias desesperadas como a sua. Ele teve a sorte de chamar a atenção, mas muitos outros sofrem e morrem no anonimato. De fato, durante as visitas realizadas pela reportagem ao hospital no qual Bajandar estava internado, ficou claro que a maioria dos outros pacientes esperava tratamento em condições subumanas. Amontoados em corredores e praticamente sem atenção médica, muitos até mesmo se queixaram do tratamento gratuito recebido por Bajandar “porque a imprensa se interessou por ele”.

Cirurgia de Abul Bajandar para recuperar suas mãos.
Cirurgia de Abul Bajandar para recuperar suas mãos.Miguel Candela

Apesar da pobreza, de acordo com o Banco Mundial, ter se reduzido em mais de 17 pontos percentuais desde o ano 2000, um em cada três bengaleses ainda vive abaixo da linha da pobreza. A maioria desses últimos não tem acesso a tratamento médico adequado, um fato que se reflete bem na estatística de nascimentos realizados por parteiras: só 42,1%. Além disso, 39 em cada mil crianças nascidas vivas morrem antes de completarem cinco anos, e a desnutrição na infância é de 32,5%. Pouco mais da metade dos adolescentes chega à educação secundária.

E, como se não bastasse, o país enfrenta diversas ameaças: catástrofes naturais periódicas, epidemias explosivas e uma grave radicalização dos extremistas islâmicos que em 2016 assassinaram uma dezena de pessoas a golpes de facão, de ativistas homossexuais até monges budistas. Nesse contexto dramático, o homem-árvore é um privilegiado. E ele mesmo reconhece. “Nunca pensei que tanta gente estaria interessada em me ajudar. Só posso fazer uma coisa: agradecer mil e uma vezes”.

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