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Eduardo Cunha: inimigo da bancada feminista

Cunha enfrentou resistência de deputadas, mas impôs sua vontade no plenário nesta semana

A Câmara dos Deputados viveu, nesta semana, mais um momento de polêmica dos vários que vem protagonizando ultimamente – e que envolvem diretamente presidente da Casa. Às pressas e de maneira truncada, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) aprovou um projeto de resolução que autoriza a criação de duas comissões permanentes – a da Mulher e a do Idoso. Fez isso contrariando a maioria dos parlamentares, que consideram que a medida enfraquecerá outros colegiados existentes e votaram contra a criação em uma primeira votação.

Deputadas protestam na Câmara.
Deputadas protestam na Câmara.Fabio Rodrigues Pozzebom (Agência Brasil)

Seu esforço, atribuído por deputados oposicionistas como uma maneira de favorecer seus aliados políticos, gerou uma revolução no plenário. Deputados do PT e parte da bancada feminina se posicionaram contra os dois novos colegiados, foram ignorados pelo presidente e, na pausa de emergência que foi dada à sessão, ocuparam sua cadeira com placas de “fora, Cunha”. Apesar da revolta, após uma reunião de emergência de Eduardo Cunha com as lideranças dos partidos e uma nova votação em plenário, o projeto terminou passando.

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A chamada Resolução 8/2007 altera o Regimento Interno da Câmara para criar, em âmbito institucional, a Comissão da Mulher, do Idoso, da Criança e do Adolescente, da Juventude e Minorias. De autoria de Elcione Barbalho (PMDB-PA), o texto se presta a “essencialmente abrir um novo campo, uma trincheira de combate na esfera do Poder Legislativo para a erradicação dessas mazelas sociais”.

Deputadas de diferentes partidos se declaram estarrecidas com a medida. Em entrevista por telefone ao EL PAÍS, a deputada Maria do Rosário Nunes (PT-RS) afirmou que “o aumento do número de comissões da Câmara está relacionado a uma troca de favores que Cunha realizou para angariar votos favoráveis ao seu posicionamento no domingo da votação do impeachment”. Além disso, considera alarmante que ele tenha oferecido o relatório das comissões da Mulher e do Idoso a um deputado “fundamentalista”, João Campos (PRB-GO) – um dos líderes da bancada religiosa –, favorecendo uma visão conservadora dos direitos femininos. Campos, além de estabelecer os termos dos novos grupos, alterou atribuições de outro colegiado, a Comissão de Seguridade Social e Família, incluindo em seu texto questões relacionadas ao “direito do nascituro”. A emenda foi chamada de "jabuti" por alguns parlamentares, que significa incluir questões sem relação direta com a medida analisada.

Segundo Maria do Rosário, dois alarmes foram disparados: “O primeiro é a ideia de uma comissão de mulheres usada contra as mulheres. Mas o mais grave de tudo é a modificação da comissão da família, que impacta conquistas básicas”. A deputada se refere principalmente ao direito ao aborto nos casos de estupro, risco de morte da mãe e feto anencefálico – contra o qual Cunha e seus seguidores na linha conservadora da Câmara já se levantaram antes e que estará agora em análise dentro de uma comissão tocada por parlamentares fundamentalistas.

Moema Gramacho (PT-BA), uma das mais inflamadas no plenário nesta quarta, diz que "não somos contrárias à criação das comissões da mulher ou do idoso, mas sim à forma como esta comissão foi trazida aqui, somente para contemplar os aliados (do presidente da Casa) com cargos nas novas estruturas". Para Luiza Erundina (PSOL-SP), que ocupou a cadeira de Eduardo Cunha durante o protesto levantado na sessão, a criação de uma comissão feminina “não interessa às mulheres brasileiras”. “A aprovação vai comprometer conquistas históricas, vai levar da Comissão de Seguridade Social e Família projetos que tratam de questões de gênero e de aborto, vai enfraquecer a Secretaria da Mulher e a Procuradoria da Mulher”, disse a deputada em entrevista ao deputado Glauber Braga, que postou um vídeo em sua página no Facebook.

A novidade alarmou também ativistas. Raquel Marques, presidente da Artemis, organização que representa os direitos das mulheres, justifica a recém-criada comissão como parte de um “levante de alguns setores da sociedade que detêm o poder e que farão de tudo para não perdê-lo”. “Religiosos da bancada evangélica, como o próprio presidente da Câmara, Eduardo Cunha, não fazem só política. Eles mantêm um negócio bilionário que depende muito de um modelo de mulher submissa. Em outras palavras, em Brasília circulam ideias conservadoras, sim, mas principalmente um grande negócio baseado na fé, que depende desse discurso”, opina. No horizonte, o que ela vê é um modelo de levante popular, já não mais articulado por grandes movimentos sociais, mas que brota de todos os lados, “sem controle e com aumento da violência”. “É caótico, mas ninguém aguenta mais, nem as mulheres, nem ninguém. Estamos vendo o pouco que foi conquistado retroceder”, alerta.

No convulsionado ambiente legislativo, a deputada Maria do Rosário esclarece que o tema dividiu a bancada feminina – composta também por parlamentares de visão conservadora –, mas que os setores da esquerda já acordaram tomar uma posição conjunta contra as novas comissões de Cunha. Um impacto ainda mais contundente na Câmara haveria se ele fosse afastado da presidência – já que é réu no STF (Supremo Tribunal Federal) sob a acusação de envolvimento no esquema de corrupção na Petrobras e alvo de um processo de cassação na Casa. Mas não há muitos crentes nisso. “Poderíamos revogar as novas comissões entrando com uma ação no Supremo Tribunal Federal. Mas o próprio STF permite que Cunha siga presidindo a Câmara”.

Não foi a primeira vez que ele entrou em embate direto com as ativistas pelos direitos da mulher. No ano passado, mulheres foram às ruas protestar contra o presidente da Câmara, que é um dos autores do projeto de lei (PL 5069) que cria novas regras para o atendimento a vítimas de abuso sexual. Foi a maior mobilização feminista em anos. Na prática, o texto costurado pelo deputado com seus aliados da bancada religiosa dificulta o acesso ao aborto legalmente permitido no Brasil. O projeto, aprovado na  pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara, ainda precisa ir a plenário e é uma ameaça latente ao movimento.

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