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O negociador Lula que tenta salvar o Governo Dilma do impeachment

Sem ministério, ex-presidente faz de hotel gabinete e promete cargos e apoio em 2018 em troca de voto

Lula em ato anti-impeachment em São Paulo, na sexta-feira.
Lula em ato anti-impeachment em São Paulo, na sexta-feira.NELSON ALMEIDA (AFP)

“O Governo do Brasil se transferiu do Palácio do Planalto para o hotel Golden Tulip”. A afirmação feita pelo deputado federal Rodrigo Maia, do opositor Democratas, pode parecer exagerada para alguns, mas ganha ares de realidade para quem tem acompanhado os movimentos das últimas semanas em Brasília. É nesse hotel que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o articulador informal da presidenta Dilma Rousseff, tem promovido suas principais reuniões para tentar impedir que sua afilhada política sofra um processo de impeachment. Deputados, senadores e dirigentes partidários, que não são hóspedes do local, têm sido vistos com tanta frequência no luxuoso hotel que em alguns momentos é possível confundir o espaço com uma extensão da Presidência da República.

Nos encontros são discutidos quais serão as compensações para aqueles que resolverem votar contra o impedimento da presidenta no plenário da Câmara. A votação está prevista para ocorrer no próximo fim de semana. Cargos em ministérios ou autarquias federais, promessas de coligações nas eleições municipais e até a participação de Lula na campanha de 2018 – quando ele pode se candidatar à presidência – estão entre as promessas lulistas. “Que deputado não quer ter o apoio do Lula? Boa parte dos que estão aqui. Não dá para negar que ele tem um apelo muito grande com o eleitorado, mesmo estando sob ataque, como está nesse momento”, diz o líder do PT na Câmara, o deputado baiano Afonso Florence.

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Apesar de ter sido um dos alvos preferenciais dos vazamentos da Operação Lava Jato (com direito a grampos telefônicos divulgados pelo juiz Sérgio Moro), a força política do ex-presidente fica evidente na última pesquisa Datafolha, divulgada neste sábado. Nos dois cenários propostos no levantamento para as eleições de 2018 - com o senador Aécio Neves ou com o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, como candidatos tucanos na disputa  - Lula lidera com 21% e 22% das intenções de voto, respectivamente. Por enquanto, a única a fazer sombra sob o petista é Marina Silva, com quem ele empataria tecnicamente no cenário com Alckmin.

Dos 15 parlamentares que o EL PAÍS entrevistou nos últimos dias, apenas Florence nega que o ex-presidente esteja articulando para tentar derrubar o impeachment. “Não sei disso. Para mim quem age em nome do Governo é o ministro [Ricardo] Berzoini, da secretaria de Governo”. Todos os outros congressistas admitem que recentemente tiveram conversas pessoais ou por telefone com o ex-presidente e a pauta era única: as estratégias para evitar a destituição de Rousseff.

E por que é Lula, e não Dilma ou algum de seus ministros, quem mais se dedica a esse corpo a corpo com os parlamentares? Por conta de sua credibilidade com quem lhe é fiel, asseguram 14 deputados e senadores. “Ele não bate a porta na cara das pessoas. Não evita receber ninguém e, principalmente, faz de tudo para cumprir o que promete. Coisas que a atual presidenta não faz”, diz um congressista, ex-aliado de Dilma, que depois de conversar com Lula está pendendo a votar contra o impeachment.

A fala deste parlamentar é reproduzida, de maneira semelhante por um deputado que lidera uma pequena bancada ainda rachada na Câmara, mas que promete se empenhar para garantir entre sete e dez votos contra o impeachment. “Na Dilma meus colegas não acreditam porque nem prometer ela promete mais. Mas o Lula nunca falhou conosco. Na próxima semana a bancada se reúne para discutir o apoio ao Governo, vou tentar convencê-los que continuemos na base porque entendo que pode ser lucrativo para todos”, ponderou o deputado.

Para alguns analistas, chamar Lula para compor o Governo, ainda que ele tenha sido proibido pela Justiça até o momento, foi uma tentativa de Dilma de ter alguma influência no meio político, já que ela mesma nunca teve. Em Brasília, é comum ouvir parlamentares reclamarem de falta de diálogo com Rousseff. Um dos que trouxe isso à tona nos últimos dias foi o senador baiano Walter Pinheiro, que por 33 anos foi filiado ao PT e agora está sem legenda. “Não quero parecer que do lado de cá [do Senado] a gente sabe tudo. Mas do lado de lá [do Planalto] nunca encostaram o ouvido para nos escutar. Não conheço um senador que não reclame dessa falta de diálogo do governo”, afirmou em entrevista ao jornal Valor Econômico.

O sociólogo Thiago de Aragão, diretor de estratégia da consultoria Arko Advice, é um dos que acredita que a ausência de habilidade política da presidenta tenha sido a razão da crise que ela enfrenta. “O Governo colhe o que plantou. Não é a oposição a responsável por colocá-la nesta situação, mas sim ex-aliados. Tudo de ruim que aconteceu com o Governo foi fogo amigo e a oposição só vocalizou isso”. Aragão cita neste grupo de antigos parceiros do PT o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o atual relator do processo do impeachment, Jovair Arantes (PTB-GO), o fundador do PT Hélio Bicudo (que é um dos autores do pedido de destituição) e o senador Delcídio do Amaral (sem partido-MS), que até o ano passado era o líder do Governo no Senado e, depois de ser preso por obstruir a Justiça, tornou-se um dos principais delatores da Operação Lava Jato.

O discurso do golpe

Um outro papel do ex-presidente Lula nesta crise é tentar movimentar as massas no discurso de que “impeachment, sem crime, é golpe”, uma das bandeiras do PT e de seus aliados na tentativa de barrar a destituição presidencial.

Fugindo do eixo Rio-São Paulo, na semana passada, o líder petista esteve em Fortaleza (CE) e neste sábado viaja ao Recife (PE) onde participa de encontros com movimentos sociais contrários ao impeachment. Já recebeu convites para ir ao Maranhão e à Bahia para promover a mesma agenda. O tour nordestino tem duas razões. A primeira é porque nesses Estados governadores aliados de Lula e Dilma tem colaborado na mobilização local. E nessa mesma região o PT notou que movimentos opositores estão começando a ganhar força. No princípio, os protestos anti-PT concentravam-se em locais onde Aécio Neves (PSDB-MG) obtivera mais votos que Dilma em 2014, agora, eles têm se espalhado.

De olho em um eventual êxito na sua batalha contra a destituição, Rousseff tem feito discursos em que prega uma maior unidade do país. Para amenizar a crítica de que estaria “comprando” votos com cargos na Esplanada dos Ministérios, ela lançou na semana passada termos que tentavam amenizar esse loteamento, em caso de vitória.

O ministro do Gabinete da Presidência, Jaques Wagner, disse, na semana passada, que com a saída do PMDB da base (a legenda tinha sete ministérios), o Governo passará por um momento de repactuação. Na quinta-feira, em um evento de feministas em apoio ao seu mandato, Rousseff foi além, disse que está aberta a um pacto pela governabilidade, inclusive com os representantes dos 51 milhões de brasileiros que não votaram nela em 2014. Na sua proposta, a presidenta sugeriu que algumas premissas deveriam ser respeitadas, como a preservação dos direitos sociais conquistados e a busca pela retomada do crescimento. Resta saber se ainda dá tempo de evitar que 342 deputados votem a favor de sua destituição.

Levantamentos de diferentes fontes, como o Placar do Impeachment do jornal O Estado de S. Paulo, o Instituto Datafolha, o Mapa do Impeachment e o Mapa da Democracia (esses vinculados a movimentos a favor e contra a destituição, respectivamente) mostram que nenhum dos lados ainda está seguro. O mais otimista com relação à destituição é o feito pelo Estadão, segundo o qual 285 deputados votariam a favor da destituição e 114 contra, os demais ou estavam indecisos ou não responderam à pesquisa. O mais favorável ao Governo é o Mapa da Democracia que contabiliza 253 votos a favor deputados a favor do impeachment e 127 votos contra.

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