O ‘annus horribilis’ para organizar uma Olimpíada
Crise política ameaça com poluir um evento que orgulha-se de ser estritamente esportivo
O Brasil ainda não sabe quem será o presidente que fará o discurso de abertura da Olimpíada do Rio de Janeiro, em 5 de agosto. Em 21 de abril, a tocha olímpica partirá da cidade grega de Olímpia rumo a Brasília, e terá início uma contagem regressiva de 100 dias, com um percurso da chama por 300 cidades brasileiras, seguindo uma minuciosa organização que contrasta com a imprevisibilidade de um país que pode perder seu Governo em menos de um mês e meio.
A presidenta Dilma Rousseff, convidada pelo premiê grego para o embarque da tocha, descartou nesta sexta-feira sua presença. Rousseff enfrenta um processo de impeachment que ameaça interromper seu mandato antes do mês de junho. Rousseff cambaleia politicamente e não tem muito tempo para a Olimpíada, assim como seus ministros, que em várias ocasiões também suspenderam sua agenda de eventos olímpicos para apagar incêndios internos na capital federal. O Comitê Olímpico Internacional (COI) diz confiar no sucesso dos Jogos, mas seu presidente, Thomas Bach, admitiu em março que acompanha de perto a frenética crise política do Brasil, pois teme que o ideal do COI de separação entre as esferas política e esportiva vá por água abaixo.
A quatro meses do maior evento esportivo do mundo, o Brasil não tem nem sequer um ministro do Esporte. George Hilton, um pastor evangélico completamente alheio à temática do cargo, para o qual foi escolhido a dedo em meio a manobras políticas para contentar aliados, acaba de deixar a pasta, porque seu partido, o PRB, rompeu relações com o Governo Rousseff. Hilton chegou até a trocar de partido para se manter no cargo, mas a presidenta decidiu-se afinal por um comando técnico, que coube a um aliado. Hilton foi interinamente substituído por Ricardo Leyser, que, para tranquilidade do COI, já executou a política do Governo nos Jogos Pan-Americanos de 2007 e está envolvido na organização dos Jogos Olímpicos desde que o Rio assumiu o desafio em 2009.
Assista à nossa conversa com o especialista Pedro Trengouse sobre os Jogos Olímpicos no Facebook
O clima na cidade-sede está longe de ser festivo, e os Jogos Olímpicos ocupam pouco espaço num noticiário carregado de intrigas parlamentares e escândalos de corrupção. Os tentáculos da trama corrupta da empresa petroleira estatal Petrobras, a fagulha que detonou a crise, também alcançaram as obras olímpicas: pelo menos sete construtoras suspeitas de pagarem subornos a políticos e executivos da Petrobras estão envolvidas em 11 projetos olímpicos, da Vila Olímpica à expansão do metrô carioca.
O próprio prefeito do Rio, Eduardo Paes, queixava-se ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a sombra de suspeita que se abate sobre qualquer obra depois dos escândalos. “Eu tô cheio de obra aqui. Odebrecht da vida, OAS, de todas as empreiteiras. Eu fico com medo. O cara pede pra eu receber, eu fico com medo de receber. Eu vou me trancar em casa, porra. Eu não converso mais com ninguém”, relatava Paes numa conversa telefónica privada que foi vazada pelo juiz Sérgio Moro para a imprensa.
Soma-se ao delicado panorama nacional a situação financeira do Estado do Rio, que até recentemente prosperava graças aos royalties do petróleo, mas cuja economia se deteriorou dramaticamente no último ano, acompanhando o ritmo de queda do produto no mercado internacional. Os números vermelhos se refletem nas salas de espera dos hospitais, nos salários atrasados de todos os funcionários públicos – de professores a policiais – e numa limitadíssima margem de manobra financeira diante de qualquer imprevisto. O ambiente de crispação que reina hoje no Brasil, seja pela crise econômica ou pela polarização política, não é o melhor cenário para um evento de 39,1 bilhões de reais. Não se descarta que haja protestos durante o percurso da tocha ou às vésperas dos Jogos, como já ocorreu durante a Copa do Mundo de 2014.
As pesquisas que o prefeito Paes sempre menciona para ilustrar o apoio da população aos Jogos Olímpicos mostram que quase 60% dos brasileiros defendiam a realização da Olimpíada no Rio. Mas isso foi em 2013, quando o vento ainda soprava a favor. O próprio chefe de gabinete de Rousseff, Jaques Wagner, já lamentou à imprensa estrangeira que o clima não seja o mais desejável para um evento como este. “É claro que eu preferiria a festa em outro ambiente”, afirmou.
A boa notícia é que o caos político que reina em Brasília só se intensificou quando a maioria das obras olímpicas já estava pronta e as linhas de financiamento que dependiam do Governo Federal já haviam sido quase todas repassadas e gastas. Cerca de 98% das obras do Parque Olímpico estão concluídas, e o velódromo, o estádio de tênis e o centro de hipismo, os projetos mais atrasados, abrirão suas portas para eventos pré-olímpicos antes do mês de junho. “Tudo está bastante encaminhado, e não há grandes decisões que tenhamos que tomar, não há obras fora do cronograma. Saímos dos grandes problemas e começamos a entrar numa fase de milhares de pequenos problemas. É o ajuste dos Jogos, não é nada essencial”, disse Leyser, o ministro interino, ao EL PAÍS. “Outro fator importante é que os Jogos se caracterizam por serem suprapartidários, vários Governos tentaram conquistar esse direito para o país, então o Brasil está muito orgulhoso de ser sede dos Jogos”, afirma Leyser.
O avanço das obras, entretanto, não alivia outras dores de cabeça. A maior delas vem de uma das mais caras promessas olímpicas, a construção da linha de metrô que liguará Ipanema à Barra da Tijuca, cenário das principais competições e de congestionamentos monumentais. O Governo estadual, responsável pelas obras, garante que os trens começarão a funcionar em julho, mas o prefeito Paes já avisou às autoridades olímpicas que há um plano B. Ele será necessário. O Rio tem um grave problema de tráfego e, sem o metrô, chegar ao Parque Olímpico dependerá de uma frota de ônibus que, apesar de metade dos ingressos ainda não estarem vendidos, já se esperam superlotados
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