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ocupação de escolas no Rio

Inspirados em SP, colégios estaduais do Rio vivem onda de ocupações

No meio de uma greve de professores, alunos tomam pelo menos 12 escolas

Alunos da escola estadual ocupada na Ilha do Governador, no Rio.
Alunos da escola estadual ocupada na Ilha do Governador, no Rio.Mauro Pimentel

São filhos de cozinheiras, pedreiros, faxineiras, costureiras ou desempregados e uma escola particular é um luxo inalcançável no orçamento familiar. Eles já perderam aulas de geografia ou física durante um ano inteiro por falta de professor ou assistiram a aulas de olho na mesa do lado por falta de livros. Estão acostumados a passar diariamente por instalações em que não têm acesso, como o laboratório de química, e a se amontoar em salas com turmas de mais 50 alunos sem ar acondicionado. Têm entre 15 e 18 anos, moram nos subúrbios e favelas do Rio e, inspirados pelos movimentos estudantis de São Paulo e Goiás, deram o tiro de largada a uma onda de ocupação de escolas que, em menos de três semanas, chegou a 12 colégios estaduais e que soma-se a uma greve de professores que já se arrasta  há mais de um mês.

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Os alunos do colégio estadual Prefeito Mendes de Moraes, na Ilha do Governador, na Zona Norte do Rio, passaram de sorrir para a foto na visita do governador Luiz Fernando Pezão, em abril de 2014, a escancarar, com a primeira das ocupações, as carências da educação pública do Estado. "Por causa do modelo de ensino no Estado, baseado no Currículo Mínimo, o aluno acaba ficando burro. É muito desestimulador. Até a nona série consegui estudar em escola particular e a diferença é enorme", lamenta Julia Pereira, de 16 anos, filha de uma vendedora e um trabalhador de limpeza. "Eu não sou uma aluna modelo, já matei aula, parei de ligar para os estudos, perdi matérias, mas agora cansei de estar vindo para escola e não ter aulas por falta de professor. Eu quero recuperar o que perdi", diz Chrystal Capela, de 16 anos.

Desde o dia 21 de março, algumas dezenas de alunos tomaram as instalações do colégio, montaram comissões para cuidar e proteger o acampamento e aguardam o cumprimento de suas exigências para negociar sua saída. É uma lista longa que inclui recontratar porteiros e inspetores que foram demitidos por corte de gastos, uma gestão mais democrática da escola, disponibilizar o laboratório de química, acabar com as goteiras, mas também o pagamento em dia dos salários dos seus professores e a reformulação do modelo de ensino. “Nossa luta individual como colégio fica pequena se comparada com a causa maior: um ensino melhor no Estado inteiro”, afirma Michel Policeno, de 17 anos, filho de um aposentado e uma faxineira.

Para os ocupantes, o sistema que segue o Estado de avaliação bimestral dos alunos para as escolas escalarem em rankings de qualidade, o chamado Saerjinho, é errado. “O nível das provas é muito baixo e os professores, que recebem bônus se a escola subir posições, acabam se focando só em preparar a prova para colocar a escola no ranking”, lamenta Policeno.

Centenas dessas provas, aliás, junto a outras centenas de livros lacrados foram encontradas no chão pelos alunos em salas trancadas e no segundo andar de um auditório que mal aproveitam porque, dizem eles, o diretor não os deixa entrar. “Em 2014, no meu primeiro ano na escola, só recebi os livros de Português, Filosofia e Arte, e no ano passado fiquei o curso inteiro sem livro de Matemática. Eu achei esses livros, que supostamente não tínhamos, jogados em salas da escola durante a ocupação”, relata Joana Correia, de 18 anos, filha de uma enfermeira e um motorista que, após a demissão do porteiro da escola, passou a perder aulas no turno de noite por “falta de segurança”. Os livros que os alunos encontram no chão são entregues à Secretaria Estadual pelo Ministério da Educação e cabe a ela e as escolas a distribuição ou devolução do material que não for usado.

Além da escola da Ilha do Governador, pelo menos, mais 11 escolas em todo o Estado se mobilizaram –os estudantes contabilizavam até esta sexta-feira (8), um total de 16 escolas ocupadas. As ocupações chegaram a municípios distantes do centro do Rio como Saquarema, Maricá, Macaé, Duque de Caxias e Niterói e aos bairros da Penha e Méier, na Zona Norte da cidade. As escolas ocupadas, segundo a Secretária de Educação, atendem mais de 14.000 alunos.

Enquanto centenas de estudantes tomam o comando dos seus colégios, 70% dos professores estaduais, entre 30.000 e 40.000 docentes, estão de braços cruzados desde o dia 2 de março.

A inspiração, contam os jovens, vem da luta dos estudantes de São Paulo que, com o objetivo de combater uma proposta de reorganização escolar do Governo estadual, começaram em novembro do ano passado a ocupar até 200 escolas e saíram às ruas em sinal de protesto. O movimento, reprimido nas ruas pela polícia paulista, acabou derrubando o secretário de Educação e levou o governador Geraldo Alckmin a suspender seus planos. Em dezembro, os estudantes de Goiás também se rebelaram ocupando escolas contra a transferência da administração dos colégios públicos a organizações sociais. O projeto também foi adiado.

O Estado do Rio ainda não avançou muito nas negociações com os estudantes e vê como o número de escolas ocupadas multiplica-se com o passar dos dias. A Secretaria de Educação diz que abriu o diálogo, ao mesmo tempo que aguarda que a Justiça decrete a reintegração de posse da escola da Ilha do Governador para expulsar os alunos acampados e apela aos pais para convencerem os jovens de sair. O secretário da pasta, Antônio Vieira Neto, prometeu promover maior participação estudantil na organização das escolas e revisar os problemas de infraestrutura dos colégios, mas lembra a limitação do Governo em fazer investimentos em um momento de crise severa. Em respeito ao modelo de educação, o acordo parece distante: Neto elogia o sistema de ensino baseado nas avaliações dos alunos das escolas estaduais que tanto criticam os alunos.

Professores de braços cruzados

Enquanto centenas de estudantes tomam o comando dos seus colégios, 70% dos professores estaduais, entre 30.000 e 40.000 docentes, estão de braços cruzados desde o dia 2 de março. Eles exigem aumento de seus salários, que não tiveram reajuste em 2015, e que sejam pagos em dia. Os docentes, assim como outras categorias, entraram em greve para evitar a aprovação de uma lei que corre na Assembleia Legislativa do Rio que, para equilibrar as contas do Estado, pretende aumentar a contribuição dos servidores públicos à Previdência de 11% ao 14%.

“Nós professores, não tivemos reajuste em 2015 e tampouco há previsão de reajuste em 2016. Aumentar nossa contribuição significa reduzir nosso salário enquanto fica congelado até 2018”, lamenta Marcelo Santana, coordenador do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação do Rio de Janeiro. O máximo que um professor, com 16 horas semanais de carga horária, ganha por mês são 2.300 reais líquidos; 4.6000 se acumular 40 horas por semana, segundo Santana.

Os professores dividem algumas das suas reivindicações com os alunos. Eles também são contra o sistema de avaliações constantes dos estudantes. “É uma avaliação que não produz um resultado eficaz no aprendizado dos meninos, apenas atrela a prova ao salário do professor. Cada escola tem uma realidade diferente, não tem como você padronizar o rendimento dos alunos do Estado todo”, afirma Santana.

A Secretaria de Educação minimiza a greve dos professores a 3% da rede, e já manifestou a dificuldade em contentar à categoria em um momento em que o Estado sofre sérios problemas financeiros, principalmente, pela queda brutal de arrecadação proveniente dos royalties do petróleo.

Na ocupação da Ilha do Governador, onde convivem currículos brilhantes com alunos considerados problemáticos, as três semanas de ocupação começam a criar tensões entre os adolescentes, convertidos em adultos de um dia para outro. Entre as atividades programadas no dia a dia, há, além de aulas de dança, a visita de psicólogos. Na última quarta-feira, uma profissional escutou seus problemas de convivência, os ensinou a respirar, a ouvir aos outros e os aconselhou: “As crises de identidade implodem o movimento. E é isso que aqueles que estão lá fora estão esperando que aconteça. O que vocês estão fazendo é muito importante e muito difícil. Vocês têm que aprender a ouvir ao outro, porque nisso consiste a democracia. Vocês são a geração do terceiro milênio, a geração que vai mudar o planeta”.

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