95 mortos em atentado em um ato pela paz em Ancara, na Turquia
Outras 246 pessoas ficaram feridas no ataque mais letal da história do país
Em um clima de tensão política que não era visto há duas décadas e com umas eleições legislativas —a segunda em cinco meses— marcadas para o dia 1 de novembro, a Turquia sofreu neste sábado o ataque terrorista mais letal de sua história: ao menos 95 pessoas morreram —segundo o último balanço oficial— e 246 ficaram feridas (48 delas estão sob cuidados intensivos) em um atentando supostamente perpetrado por dois suicidas contra um protesto que ia ser celebrado duas horas depois diante da estação de trem de Ancara.
Duas explosões praticamente simultâneas atingiram uma praça no exterior da estação, onde se reuniam centenas de manifestantes que participavam de um ato “pela paz, o trabalho e a democracia”. O ato havia sido organizado pela oposição de esquerda para pedir a paz e o fim dos combates entre as forças turcas e o grupo armado Curdo PKK, assim como para criticar o crescente autoritarismo do Governo dirigido pelo Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP).
Um deputado do Partido Republicano do Povo (CHP, socialdemocrata) presente no local, Levent Gök, afirmou ter visto “pelo menos 25 cadáveres”.
As explosões ocorreram às dez da manhã (4h de Brasília), duas horas antes do começo do ato “pela Paz, o Trabalho e a Democracia”, organizado por vários sindicatos e organizações profissionais de esquerda e que contava com o apoio de partidos políticos progressistas e curdos.
O primeiro-ministro turco, Ahmet Davutoglu, se reuniu em caráter de urgência com vários ministros para estudar o que consideram “um atentado terrorista”, ocorrido a apenas três semanas das eleições legislativas antecipadas. Ainda que por enquanto não se saiba quem está por trás do massacre, o porta-voz do HDP Ertugrul Kürkçü acusou o “Palácio”, ou seja, o presidente islâmico Recep Tayyip Erdogan, de ser o culpado pela matança por ter afundado o país em confrontos. Erdogan condenou o atento em uma nota.
Kemal Kiliçdaroglu, líder do Partido Republicano do Povo (CHP) e chefe da oposição, ordenou o cancelamento de todos os atos eleitorais de seu partido e afirmou que a “Turquia não merece” essa situação. “A Turquia pode continuar sendo dirigida dessa maneira?”, criticou o líder socialdemocrata: “Por que nossos jovens devem morrer em ações terroristas?”. Além disso, pediu aos demais partidos “ação” contra o terrorismo “sem mais desculpas”.
Selahattin Demirtas, líder do Partido da Democracia dos Povos (HDP, esquerda e pró-curdo), chamou de “bárbaro” o ataque contra um ato “organizado por várias organizações da sociedade civil e partidos políticos que pediam paz para nosso país” e o ligou aos atentados de Diyarbakir (5 de junho) e Suruç (20 de julho).
A agência de notícias ETHA informou que uma das explosões ocorreu onde se encontravam simpatizantes do grupo de extrema esquerda Partizan e a outra ao lado de um carro de som do Partido da Democracia dos Povos (HDP), formação esquerdista e pró-curda e a terceira com maior representação parlamentar na Turquia.
O deputado do HDP Sirri Süreyya Önder afirmou que ocorreram três explosões: “duas fortes e uma mais fraca”. Em declarações ao site de notícias Diken.com.tr, o presidente do sindicato DISK, Kani Beko explicou que, apesar de estar longe do local da explosão, “bolas de metal atingiram seus pés”, supostamente colocadas no explosivo para aumentar sua potência letal. Nas imagens publicadas pela imprensa turca e nas filmagens feitas pelos próprios participantes é possível ver dezenas de corpos no chão e até mesmo pedaços de corpos humanos espalhados sobre o asfalto.
Testemunhas afirmaram que “um grande número de ambulâncias” se dirigiu ao lugar dos atentados, pois acredita-se que por volta de uma centena de pessoas ficaram feridas. Agentes antidistúrbio da polícia também apareceram e lançaram gás lacrimogêneo sobre a multidão concentrada na praça para dispersá-la, algo que piorou o cenário de pânico. Os organizadores do ato informaram através das redes sociais que, após o ataque, decidiram suspendê-lo.
O atentado ocorre na reta final da campanha das eleições de 1 de novembro, antecipadas diante da impossibilidade de formar o governo depois das eleições de 7 de junho, nas quais os islâmicos do AKP perderam a maioria absoluta após 13 anos de Governo. Desde então a tensão política aumentou – ocorreram mais de 400 ataques contra sedes e simpatizantes do partido pró-curdo HDP e vários ataques a veículos de comunicação e jornalistas, especialmente da oposição – assim como uma onda de violência no leste curdo do país não vista há duas décadas. Os confrontos entre o grupo armado curdo PKK e o Governo curdo tiraram a vida de mais de uma centena de membros das forças de segurança, aproximadamente 200 civis e um número indeterminado de milicianos curdos (o Executivo afirma que causou 2.000 baixas no PKK, cifra que a organização curda desmente).
O massacre em Ancara ocorre um dia antes da data na qual o PKK declararia um “cessar-fogo unilateral” até as eleições de 1 de novembro, como declarou na sexta-feira Remzi Kartal, membro do alto escalão da organização curda a um canal de televisão. O PKK antecipou o cessar-fogo para sábado.
Tal como lembraram vários políticos de oposição, o ataque de sábado em Ancara tem semelhanças com o atentado de 5 de junho contra um ato do HDP em Diyarbakir, dois dias antes das eleições e que causou a morte de 4 pessoas, e o de 20 de julho, contra um ato organizado por um partido esquerdista na cidade de Suruç em solidariedade aos curdos da Síria, que matou 33 pessoas.
Ainda que nenhum dos dois atentados tenham sido completamente esclarecidos, os supostos autores estavam implicados em atividades do Estado Islâmico (EI) na Turquia. Logo depois do atentado de julho, o Governo turco anunciou sua “guerra contra o terrorismo”, colocando no mesmo balaio o EI, os rebeldes curdos e outros grupos armados, e o PKK encerrou o cessar-fogo que mantinha há dois anos.
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