Construção de aterro por empresa suspeita revolta moradores de SP
Proactiva Ambiental está envolvida em esquema pra construção de aterro em Florianópolis
Arlindo Francisco de Brito vende sua casa. O idoso de 68 anos pede 500.000 reais por uma chácara de 62.000 metros quadrados, com poço artesiano, curral, cavalos, horta e vista para um prado intocado. O imóvel está encravado no entorno do Ribeirão do Colégio, a principal fonte de água de Araçariguama, no interior de São Paulo. Seu Arlindo não quer sair do lugar que cultivou durante 23 anos de jeito nenhum, mas ele se recusa a conviver com o aterro sanitário que vai ser construído na frente de sua janela. “Eu vou perder o bom que temos aqui, água e sossego, então ou o aterro vai embora ou eu vou”, lamenta Arlindo que se nega a aceitar o vaivém de 95 caminhões que vão trazer todos os dias 1.500 toneladas de despejos de 18 municípios da região.
Arlindo e os 17.000 moradores de Araçariguama vão experimentar na pele um problema que já está asfixiando as cidades de grande e médio porte: não ter mais onde depositar seu lixo. Municípios pequenos e com recursos limitados como Araçariguama se apresentam como locais ideais para vencer a resistência política e cidadã a receber toneladas de lixo – de outros – neste tipo de empreendimento, moderno e de acordo com a lei, mas sempre associado a maus odores, insalubridade, contaminação de água e do lençol freático e a uma longa lista de riscos ao meio ambiente. No caso da empresa responsável pela construção, a franco-espanhola Proactiva Ambiental, o aterro também está associado à sombra da corrupção.
Um processo contra a companhia por crimes ambientais corre na Justiça depois que a Polícia Federal encontrou, em 2008, indícios da existência de um esquema de subornos que teria permitido à empresa a construção do aterro de Biguaçu, em Florianópolis (SC). A investigação apontou que a empresa teria pago propina a funcionários públicos e políticos para a concessão de licenças irregulares e para evitar a fiscalização ambiental no local. Três funcionários do grupo foram presos e depois liberados em São Paulo, e dois diretores em Florianópolis.
O lugar escolhido para o novo empreendimento, a Fazenda Boa Esperança, também é polêmico porque acolhe a principal fonte de abastecimento de água da cidade e mais cinco nascentes, um recurso importante em plena crise hídrica. “A área é riquíssima em recursos hídricos e o risco zero não existe. Nós temos medo de que a água possa ser contaminada”, lamenta o administrador de empresas Robson Navarro, uma das principais vozes contra a construção do aterro e a proteção do rio.
O entorno do local, uma espécie de paraíso rural, onde já estão sendo realizados estudos para duplicar o tamanho das estradas de terra que atravessam o mato, apresenta um outro porém. A dois quilômetros do futuro aterro se desenvolve o trabalho do principal centro produtor de vacina do país, a Fazenda São Joaquim, do Instituto Butantan, ligado à Secretaria de Estado de Saúde. Esse instituto, cuja produção depende de cerca de 800 cavalos, responde por 85% da demanda de plasma para vacinas e soros do Brasil. “Somos contra”, manifestam os pesquisadores do centro. “Todo empreendimento, inclusive os modernos, possuem riscos operacionais. Se alguma das medidas que a empresa vai implementar para reduzir o impacto ambiental falhar, pode comprometer nossa produção: os cavalos bebem água do ribeirão, algumas doenças deles são contraídas por moscas, a contaminação por metais pesados você não tem como curar... É fundamental garantir a saúde dos cavalos, um animal que não está saudável tem que sair do projeto”, explicam.
O Ministério Público Estadual também questionou os riscos ambientais do projeto. A promotoria concluiu em um relatório que o empreendimento, é “totalmente inadequado do ponto de vista ambiental e social” e que viola as legislações estaduais e federais “pelo risco potencial à saúde e ao meio ambiente”. Assim se manifestou também a professora da USP Sônia Maria Flores, membro titular do Conselho Estadual do Meio Ambiente, quando o empreendimento foi discutido em 2013. "Minha opinião foi de que deveria ser buscado um local mais adequado para construir o aterro, longe de cursos de água. A empresa irá construir uma nova tomada de água para abastecer a cidade, mas para mim isso não muda a situação, simplesmente confirma a possibilidade de contaminação das águas do rio", explica a bióloga.
Todos os poréns, incluindo a existência de espécies em perigo de extinção como a onça parda, foram avaliados pela Cetesb, órgão estadual que fiscaliza e outorga licenças a atividades geradoras de poluição, que achou viável o empreendimento. Após receber da empresa todas as soluções exigidas para reduzir o impacto no lugar, ela concedeu licença ambiental prévia. A licença de instalação, o passo final para a construção, está ainda em estudo, mas não há indícios de que será negada.
Segundo a Prefeitura de Araçariguama, a certidão de uso e ocupação do solo, comprada em 2009 por 10 milhões de reais, só foi dada à empresa com uma série de exigências de infraestrutura, entre elas a recuperação do ribeirão do Colégio, que se degrada ano após ano sem a intervenção municipal, e da área de preservação permanente.
No Instituto Butantan, os pesquisadores insistem, ilustrando a inquietação de muitos dos moradores de Araçariguama: "Poderia ser em outro lugar. Sem uma pedreira do lado que detone o solo todos os dias, sem nascentes que abastecem uma cidade, sem uma fazenda de produção de soro ao lado. O lugar nunca vai ser de gosto de todo o mundo, mas o cenário que nós temos aqui é delicado".
Enquanto isso, o homem de 68 anos, responsável pelo cuidado e proteção dos animais e as terras do polêmico terreno, resume com lucidez o que ele pensa de todo esse imbróglio. "Os moradores me dizem que eu deveria estar a favor deles e não da empresa. Mas eu não estou nem contra um e nem contra outro, eu estou a favor de uma solução para o lixo e o emprego no país", afirma Edson Guimarães. "Se não encontrarmos uma solução para todo o lixo que criamos, ele vai ficar a céu aberto como está até agora".
A Proactiva Ambiental, não se manifestou oficialmente para esta reportagem.
As manobras municipais para garantir o projeto
Com o espírito que domina o Congresso nos últimos tempos, a equipe de governo municipal, do PSDB, teve também que manobrar para eliminar as travas legais que obstaculizavam a viabilização do aterro.
Até maio deste ano uma lei municipal impedia o depósito de lixo de outros municípios em Araçariguama, mas sob o título de "Plano Municipal de Preservação dos Mananciais", a maioria do plenário votou um projeto de zoneamento que acabava com a proteção que a lei dava ao local, anulava a proibição e permitia a "atividade de aterro sanitário regularmente aprovado pelos órgãos competentes", ou seja o futuro aterro da Proactiva.
Entre os que votaram a nova lei que elimina a última trava para a construção do empreendimento estava Moacyr Godoy (PRB), nascido e criado no município e até pouco tempo atrás um dos principais detratores do projeto. Ele afirma que continua sendo contra, mas que votou como lhe foi indicado pela sua bancada. "Eu fui na Sabesp, na Cetesb e nos comitês de Bacia para tentar evitar o aterro, mas eu não tive sucesso. Os vereadores fizemos visitas a outros aterros da empresa e vimos que o bicho não era tão grande assim e nós confiamos nos órgãos reguladores", explica Godoy para justificar sua mudança de posição. "Tudo o que eu coloquei como riscos eles apresentaram um estudo e provaram que podia ser evitado", diz.
Godoy diz que continua achando que o local escolhido não é o melhor lugar para o aterro e que é partidário de criar uma planta de resíduos municipal, mas afirma que se deu por vencido. "A partir do momento que a Cetesb deu a licença, vou fazer o que? Agora só resta fiscalizar, torcer para que seja um empreendimento bem regulado", afirma Godoy.
A versão da prefeitura, que sempre se mostrou favorável à construção do aterro, se baseia na fé absoluta na Cetesb. O prefeito Roque Hoffmann não quis receber o EL PAÍS, mas o controlador municipal, Luiz Antonio Ferreira Mateus defendeu a posição do Governo. "Tem que ficar claro que o aterro não é um lixão, é um instrumento adequado para tratar o lixo", esclarece Mateus. "A interferência no rio vai ser pequena e nós não temos nada contra desde que atenda as exigências legais", disse.
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