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“O Governo não pode achar que está virando o jogo”

Adesão menor aos protestos não é fracasso, segundo o cientista político Thiago de Aragão

Carla Jiménez
Protesto na Avenida Paulista neste domingo.
Protesto na Avenida Paulista neste domingo.NELSON ALMEIDA (AFP)

O dia seguinte aos protestos contra Dilma Rousseff, que teriam mobilizado ao menos meio milhão de brasileiros, ainda está sendo digerido. Mas, já é possível tirar algumas conclusões importantes nessa ressaca. Não há motivos para celebrar nem por parte do Governo e nem do lado dos organizadores, entende Thiago de Aragão, cientista político da Arko Advice.

Na sua avaliação, a adesão menor mostra um erro de estratégia dos organizadores dos atos anti-Dilma. Mas, milhares de pessoas gritando contra o Governo ainda é reflexo de um Executivo fraco, que tem baixa aprovação da sociedade. “O Governo não pode achar que está virando o jogo. Ainda que sejam atos menores que o de 15 de março, um número muito forte de pessoas foi às ruas”, diz Aragão, que acredita que novos protestos virão, e possivelmente maiores que o deste domingo.

Os movimentos que organizaram os atos deste 12 de abril, no entanto, devem reorientar suas estratégias e refinar a sua agenda se quiserem ter mais sucesso e arregimentar mais gente nos próximos atos. “O discurso dos protestos está muito emocional e pouco racional, e as manifestações são um meio e não um fim”, completa.

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Para ele, a raiva foi o combustível que mobilizou estes grupos, mas esse sentimento não se sustenta no tempo e nem ajuda na hora de compor estratégias concretas. “Se apresenta o problema, mas não se oferece a solução”, diz.

O foco único no impeachment, um tema mais complexo do que parece, também é apontado como um limitador dos movimentos. “Se ficar apenas na lógica de ‘Fora presidente’, a tendência é que o ‘movimento não consiga crescer e até diminuir”, prevê o cientista político Fernando Abrúcio. “Para mobilizar um impeachment você precisa acionar o sistema político. Como mobilizá-lo se o presidente da Câmara e do Senado [Renan Calheiros e Eduardo Cunha] serão réus em processos de investigação [do Lava Jato]?”, questiona. Essa espada de Dâmocles na cabeça das duas lideranças do Legislativo inibe a sua atuação.

Os movimentos, ainda, expressam o tempo todo apenas uma guerra ao PT, deixando de lado os demais partidos envolvidos em casos de corrupção, inclusive na Petrobras. Isso por si só reduz, por exemplo, a adesão de quem votou no PT, avalia mal o Governo, mas não a ponto de sair à rua para derrubar a presidenta.

Em São Paulo, epicentro das manifestações anti-PT, 83% dos 100.000 que estavam na avenida Paulista neste domingo haviam votado em Aécio Neves na última eleição, segundo pesquisa do instituto Datafolha feito durante o ato. O próprio impeachment é algo apoiado por 77% dos que foram à rua ontem, mas menos da metade deles acredita que ele aconterá de verdade.

O anúncio de que o Movimento Brasil Livre está programando uma marcha para Brasília nos próximos dias a fim de fortalecer o pedido de impeachment de Dilma Rousseff também é visto com reservas. “Isso mostra total falta de conhecimento, pois impeachment não se dá por satisfação ou insatisfação com o Governo. Se da por crime muito claro que precisa acontecer nos anos em exercício”, afirma. “Eles estão nessa coisa de 'não é possível' e isso não funciona”, completa.

Abrúcio lembra que os atos anti-Dilma continuam muito paulistas, e não abarcam a periferia, muito embora os organizadores do Vem pra Rua tivessem essa intenção. “Isso quer dizer que é irrelevante o que aconteceu ontem? Claro que não. Temos de nos acostumar que nas democracias maduras sempre há manifestações”, comenta.

A leitura otimista dos protestos, como exercício da democracia jovem brasileira, é partilhada por Fabio Malini, especialista em cultura e internet, que acompanha os protestos políticos articulados principalmente nas redes sociais. “Ainda que seja menor do que no dia 15 de marco, é um número grande de pessoas que conseguem se mobilizar com temas de rua, de indignação”, diz Malini.

Ele lembra que os protestos das jornadas de junho de 2013, que marcaram a volta maciça dos brasileiros ao exercício do protesto, também foram diminuindo depois de um tempo, e estes atos anti-Dilma começaram logo após as eleições. “Antes de junho, se houvesse 2.000 pessoas na rua do Brasil era muito”, completa.

Malini observa que as manifestações já começam a ser mais assimiladas pela sociedade brasileira, algo importante para o amadurecimento político. Desta forma, os neófitos dos protestos, por exemplo, que foram por primeira vez às ruas gritar contra Dilma, vão aceitar melhor paralisações de outra natureza, sem precisar adotar o discurso de que todos têm o direito de ‘ir e vir’, muito adotado quando algumas categorias fecham avenidas, por exemplo. Ao mesmo tempo, vão compreendendo até onde é possível chegar com suas reivindicações. “As pessoas vão perceber na rua os limites de suas demandas”, diz.

Políticos na fita

A participação de políticos na articulação dos protestos também é notória nos protestos anti-Dilma. Nomes como Aécio Neves, Fernando Henrique Cardoso e Marina Silva apoiaram a ida de manifestantes às ruas neste domingo. "Marchar é um alento e os ativistas das ruas, autores de seu próprio movimento, como em todos os tempos no mundo inteiro, só têm a si mesmos, mas sabem que trazem a possibilidade de algum futuro", escreveu Silva um dia antes dos atos.

A estratégia das lideranças seria ficar bem com a opinião pública, e ao mesmo tempo enfraquecer o Governo, ainda que não concordem efetivamente com a tese do impeachment. Aragão, da Arko Advice, faz um paralelo com empresas que estão mal das pernas e são afetadas por rumores de falência. "Se você incentiva esse rumor, a empresa pode falir de verdade pois as pessoas podem deixar de comprar dela, fornecedores não fazer negócios com ela, etc.", diz. "Para partidos como o PSDB o bom é manter a ideia do impeachment viva. Mas, levar isso adiante afeta não só o governante como todo o sistema político", conclui.

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