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Vem pra Rua: “O poder público está surdo para a voz das ruas”

Com protestos marcados em mais de 400 cidades, o movimento Vem pra Rua cobra a investigação imediata da presidenta Dilma

Rogerio Chequer, líder do Vem pra Rua
Rogerio Chequer, líder do Vem pra RuaF.Braga (Folhapress)

Rogério Chequer, líder do movimento Vem Pra Rua, é uma pedra no sapato do Governo Dilma, que não foi prevista por nenhum marqueteiro ou líder político do PT antes da eleição. Aos 46 anos, ele tornou-se o melhor fator surpresa dos inimigos da presidenta, fortalecidos depois dos seguidos protestos que tiveram seu ponto alto no último dia 15 de março, quando cerca de um milhão de brasileiros (alguns contam dois milhões) saíram para protestar contra o PT.

Chequer, em todo caso, é o principal rosto do movimento, que ganhou apoio de representantes do setor privado. Alguns estariam diretamente envolvidos no movimento. Um alto executivo da Cosan, Colin Butterfield, é apontado como um dos fundadores do Vem Pra Rua, mas seria um, entre tantos, que preferem não se expor. A Cosan é um dos maiores conglomerados empresariais do Brasil.

Em meio à maratona de compromissos para manter a energia das manifestações que voltam neste domingo, dia 12, Chequer, que é sócio da empresa de apresentações SOAP, conversou por telefone na última sexta-feira, ao longo de 45 minutos, com o EL PAÍS Brasil, enquanto se deslocava de táxi para um compromisso. Voz suave que expressa uma certa calma, diante da missão de repetir ou ampliar o sucesso dos protestos, Chequer é amável com seus interlocutores, e em nada lembra o estereótipo de extremistas raivosos que saem às ruas pedindo a volta da ditadura. Ele é contra esses extremos. O homem que faz as vezes de líder dos protestos de 2015 é focado, e seu objetivo central é atacar o Governo Federal. Os protestos exigem rigor na investigação das empresas envolvidas na Operação Lava Jato, e a investigação da presidenta Dilma, ainda que seja para confirmar que ela não tem nada a dever ao seu papel como presidenta da República.

Pergunta. O que mudou na estratégia do Vem pra Rua do evento do dia 15 de março para agora?

Resposta. A estratégia não mudou. Estamos apenas levando o tema “Eles não entenderam nada” para as pessoas que forem à rua pleitear contra o Governo, e quem viu que a manifestação é bem organizada, queiram ir. As ações do Governo não responderam ao protesto anterior.

P. As ações ou não ações?

R. Não houve nem reconhecimento dos pleitos.

P. Mas quais são efetivamente esses pleitos?

R. Estamos lutando pela não interferência entre os Poderes. Do dia 15 de março para cá entrou-se com uma tentativa de acordo de leniência [na Controladoria Geral da República (CGU), ligada à presidência da República], com todas as empresas envolvidas na Lava Jato. E existe uma ação, dentro do Tribunal de Contas da União [para avaliar esses eventuais acordos]. O que acontece é que se for feito acordo de leniência com todos, o propósito [de punir as empresas] não mais existe, e aí vira uma pizza. Há um processo iniciado pelo Ministério Público de Contas para evitar acordos de leniência [na CGU], e a votação que deveria acontecer na quarta [dia 8], mas foi adiada.

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P. Em recente entrevista, Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central, comentou que as empreiteiras podem precisar ser ajudadas para não travar a economia. O que você acha?

R. Uma coisa é ajuda. Outra coisa é atribuir privilégios no processo de investigação. São duas coisas completamente diferentes. O processo não poderia ser impactado pelos possíveis acordos da Justiça. Não é a função da Justiça. Agora se isso der problema para a economia pode ser que tenha de agir outra forma. Mas não se pode afetar o julgamento.

P. Então, a grande preocupação é que as empresas não sejam punidas?

R. Exatamente. Você restringir os âmbitos de julgamento. Pois de outra forma você diminui as penas, e a quantidade de informações que pode recolher. Isso é literalmente uma pizza. Só poderiam usar acordos para aperfeiçoar a investigação.

P. Quais são as outras demandas urgentes?

R. Um pedido de investigação da presidente. Há vários pedidos, via impeachment, e já existe o desejo de que seja investigada por crime comum no Supremo. Ninguém pede condenação. Mas investigação, que pode até a levar a um processo de impeachment. Agora, se for investigada sem privilégio, e se provar que nada aconteceu, ela não deve ser punida. Queremos que seja investigada. Ela deve ser julgada e investigada, pelo Supremo hoje. Por que o procurador Rodrigo Janot não levou o nome dela?

P. Janot argumentou que não havia elementos para julgá-la no âmbito da Lava Jato. Isso, se comprovado qualquer desvio, teria a ver com eventuais problemas de seu mandato anterior, e não caberia impeachment do mandato atual desta forma, não?

R. Mas ele deveria ter levado seu nome ao Supremo. Ela pode ser investigada. Existem ações de crime comum, que não são limitadas ao mandato anterior. É a necessidade de investigação. Nós queremos tratamento igual para as pessoas. Se alguém rouba um pedaço de pão, é investigado e punido. Por que os políticos e presidente não podem ser investigados?

P. Vocês elegeram o “Fora Dilma, seja por impeachment legal ou renúncia”, como lema. A posição está sendo interpretada como uma radicalização do Vem pra Rua, que era tido como o movimento mais ponderado até o momento, entre os movimentos anti-Dilma. O que mudou?

R. De lá para cá, vários novos pedidos de impeachment da presidenta Dilma e investigação apareceram. E nós não temos condições, como movimento social, de avaliarmos a aplicação desses pedidos. Não cabe a nós avaliarmos. Cabe ao Congresso e ao Judiciário avaliarem isso. Somos um canal de mobilização das ruas. Dado que existe o clamor das ruas e vários pedidos de investigação e impeachment, o foco deles é apreciar esses pedidos. Não cabe a nós avaliar se esses são pedidos juridicamente consistentes ou não. Não pedimos a condenação. Pedimos a investigação. Fora Dilma, desde que seja dentro da lei. Para que a lei seja aplicada é preciso que esses pedidos sejam apreciados.

P. O foco principal do movimento tem sido o antipetismo, o que tem afastado pessoas que concordam com alguns pleitos, mas discordam desse foco único anti-PT. Como vocês estão trabalhando em relação aos demais partidos políticos, que também estão envolvidos em denúncias de corrupção? E os demais Poderes?

R. Somos contra qualquer tipo de corrupção, envolvendo qualquer partido. Por exemplo, quando pedimos investigação, criticamos vários partidos, inclusive o PMDB que tem a liderança do Congresso. Quando pedimos investigação de vários partidos, temos a lista de Janot, que tem vários partidos. Quando é governo federal, é o PT. O que vem danificando economia, gerando necessidade de aumento de impostos, é o PT. Quando defendemos a liberdade de imprensa, é o PT que quer trazer algum tipo de controle da imprensa.

P. Mas há outras demandas que iriam de encontro ao que vocês pleiteiam, caso da demora do ministro do Supremo, Gilmar Mendes, para dar vistas ao processo que prevê a proibição de doação privada em campanha eleitoral. Isto seria uma porta aberta para a corrupção. Isso poderia ser uma causa de vocês?

R. Totalmente. Com a quantidade de desvios e idiossincrasias que existem, você sempre dirá que não estamos tratando de alguma coisa. Temos de priorizar. É um movimento composto por voluntários, mas em sua maioria, por pessoas que trabalham. Precisamos priorizar nossas demandas. Estamos muito mais focados no Governo Federal, estamos focados inclusive nesse caso que você cita, porque toca mais diretamente os pontos de estabilidade de democracia do país. Mas para fazer tudo precisamos de recursos, que hoje são limitados.

P. Diante da explícita insatisfação popular, o Vem pra Rua, bem como os demais movimentos, estão de frente para uma oportunidade rara de fazer avançar pautas que estão paradas no Congresso. É o caso da reforma tributária, a redução do número de ministérios, entre outras. Quais temas vocês devem priorizar para pressionar por avanços?

R. Podemos julgar as pautas que trazem grande benefícios para incluirmos em nossas demandas. Fazemos pesquisas para saber da população o que é mais importante para as pessoas. Se há emendas que são facilmente aprovadas, então, vamos ouvir, e ver o que levar para o poder público que está surdo para a voz das ruas. Mas o foco do dia 12 é a defesa da apuração neutra do petrolão, que não está acontecendo, e a investigação da presidente, que pode levar à sua saída. Defendemos um questionamento se o ministro Dias Toffoli poderia estar julgando o petrolão, pedimos transparência do BNDES. Algumas conseguem ter conquistas. Caso da CPI da BNDES.

P. Mas o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, argumenta que a tal cláusula secreta, amplamente criticada, não pode ser alterada. Como fica nesse caso?

R. Nosso dinheiro está lá e não podemos saber em que será gasto? Há um desejo de mudança? Quando os Três Poderes desejam, podem mudar as coisas. Não somos obrigados a ver o dinheiro que vem dos trabalhadores ser distribuído sem nosso conhecimento.

P. O partido Solidariedade tem tido forte ação pelo impeachment. Há algum elo entre vocês ou com algum outro partido?

R. Não existe elo. Conversamos com eles como conversamos com vários partidos de oposição. Não temos interlocução com eles.

P. Se Dilma chamasse você para conversar, você iria?

R. Se isso acontecer, veremos o que fazer. Se ela não está nem reconhecendo os pedidos das ruas, a chance de querer um diálogo... Na minha opinião, o desejo dela é zero.

P. Mas não dá para dizer que eles estão indiferentes, ou não estaríamos vivendo essa crise política, com maratona de troca de ministros, etc., não?

R. Não foi decisão deles mudar. A mudança da articulação política para as mãos do Michel Temer não foi por iniciativa deles, nem a saída do Cid Gomes da Educação. Não teve nada a ver com a rua. Do ponto de vista do Executivo, não vi absolutamente nenhuma ação que tenha sido feito diante dos clamores das ruas. Não vejo nada. As mudanças de políticos são puramente políticas.

P. Mas voltando à ideia de um encontro com a presidenta. Os líderes do Movimento Passe Livre [que promoveram os protestos que resultaram nas jornadas de junho de 2013] foram recebidos pela presidenta na ocasião.

R. Acho improvável. Mas não acho que seja impossível. Aí nós lidamos com isso. Não sei que tipo de convite seria, em que estilo, em que lugar. Não sei, não posso afirmar nada agora.

P. Quem é Colin Butterfield [executivo da empresa Cosan, apontado como um dos fundadores do Vem Pra Rua].

R. Não quero comentar sobre pessoas que não querem ser expostas.

P. Há filmes chamando para os protestos, e num deles você aparece ao lado de uma professora. A categoria está em guerra contra o Governo Alckmin. Vocês se unem a eles?

R. A revolta que levamos para a rua é sobre FIES. O Governo tirou dinheiro, e prejudicou professores e alunos. Passamos essa indignação que é muito clara, e prejudicou professores e alunos.

P. Pela página de vocês no Facebook, já há 440 cidades que farão manifestações. Tudo indica que esta manifestação será maior que o do dia 15?

R. No anterior tivemos 241 cidades. Tudo indica que vai ter mais gente.

P. Como vocês estão trabalhando para garantir a adesão em cidades do Nordeste?

R. Esse número é forte exatamente no Norte e Nordeste. Mesmo quem votou nela estão gradativamente percebendo que esse governo é errático e a forma como ela trata da população e questões cruciais do pais é inadmissível. Por isso mais e mais cidades se organizando ali.

P. Vocês colocaram em sua página no Facebook o “Vem Pra Rua Rural”, para incentivar um “tratorzaço”. Quantos já aderiram à ideia?

R. Trabalhadores rurais que estão indignados com a falta de igualdade e respeito. Partiu deles a ideia e a vontade de se organizarem com tratorzaço, cavalgada.

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