“Faltam lideranças nos protestos que negociem agora com o Governo”
Falta de um interlocutor das manifestações mantém fosso entre as ruas e as instituições O PMDB é o partido que mais ganha com os atos anti-Dilma, avalia Rudá Ricci
O cientista político Rudá Ricci acompanhou desde as primeiras horas deste domingo os protestos por todo o Brasil, e foi o primeiro a teimar com os números divulgados pela Polícia Militar sobre o total de manifestantes em São Paulo. A PM falava em mais de 1 milhão de pessoas na avenida Paulista, e Ricci contestou. “Não é mais do que foi em 2013”, reclamou ele, lembrando os protestos de junho daquele ano, que sacudiram o Brasil de cima abaixo, quando mais de 1 milhão de pessoas saíram para protestar e deixaram a classe política em pânico. Desta vez, o alvo do protesto foi mais centrado na figura da presidenta Dilma Rousseff, que precisará dizer a que veio a partir desta segunda-feira.
Pergunta. O protesto foi dominado por São Paulo, mas era um ato nacional. De que forma podemos ler este momento?
Resposta. É preciso ter clareza. O Nordeste não se manifestou nem no dia 13 e nem neste domingo. Isso coloca um ponto de interrogação. As cidades onde sabemos que houve um público gigantesco foram os oposicionistas, caso de Belo Horizonte, Distrito Federal e São Paulo. Ali eles corresponderam. A surpresa foi o Rio. Como São Paulo foi surpresa também no dia 13 [no protesto em defesa de Dilma, que reuniu mais de 40.000 pessoas, segundo o Datafolha].
O Brasil tremeu depois de junho de 2013. E agora, vai tremer de novo
P. Mas já dá para tirar alguma conclusão?
R. A primeira é que o país está mais do que nunca dividido. A outra é que não há lideranças aqui que consigam lidar com o ‘day after’ desta manifestação. Há uma catarse gigantesca do país, a primeira desde 2013, embora as manifestações do ano passado não tenham sido pequenas. A campanha eleitoral abafou o grito. Estão crescendo desde então. E não vejo lideranças dessa manifestações que possam conversar com os líderes institucionais, o Congresso e a presidência. Assim, o fosso continua.
P. O que acontece nesse caso?
R. Os protestos vão cair para o institucional. Mesmo a Espanha, no seu 15 M em 2011, quando rechaçou os políticos, em 2012 deu um abraço no Congresso. Agora, não temos lideranças para dialogar com os políticos e levar a sua pauta. Eu apostaria que isto cairá no colo dos políticos profissionais.
P. E como vão lidar?
R. Vejo dois grandes polos que podem desequilibrar o jogo. Um é o PMDB, embora esteja em situação muito desfavorável, por terem dois presidente do Congresso citados pela lista de Janot. Com essa manifestação, eles podem ameaçar romper com o Governo. É o partido que sai mais fortalecido a partir de agora. A segunda força política é o Lula, que pode ter uma ruptura com Dilma. A imprensa vem mostrando os bastidores do distanciamento dos dois. Se ele está deixando que isso saia na imprensa, ele deve jogar as manifestações no colo da Dilma.
P. A Dilma tem margem de manobra?
R. Estão falando que a Dilma vai mudar ministério, mas me parece que é outro balão de ensaio de fogo amigo. Mas não tenho dúvida que Lula vai desgastar os ministros que ele não gosta, caso do Mercadante. Uma coisa é certa. Quem sai fortalecido não é a oposição. São os partidos das forças políticas de sustentação do Governo. Se eles se afastarem, a Dilma está perdida. Ela tem de um lado, um jogo palaciano dos mais cruéis, e do outro um público que não está sendo ouvido.
P. O protesto foi maior do que o esperado com uma massa que não era só elite.
R. Há os apartidários, que não têm experiência política, e falam contra o que não é possível continuar. Depois vêm os partidos políticos. O que mais se mobilizou pelos atos deste domingo foi o PPS. O PSDB ficou com medo de ser acusado de promover baderna, e o PMDB se dividiu. Outro grupo vai até a extrema direita, e pede impeachment, etc. Tem um quarto grupo nos protestos, que são as pessoas comuns, pluriclassistas que estão com medo de perder o que ganharam nos últimos anos. Não faz sentido o discurso de que se trata de elite. É uma manifestação popular. A Dilma simplesmente jogou fora o discurso de campanha. Está fazendo o que disse que não faria. Ora, se você tem um clima desse, no campo lulista, imagina a franja até chegar à oposição. A Dilma é muito intransigente.
P. A intransigência dela não vai ceder a um protesto desses?
R. Vai provocar uma mudança. Eu não tenho dúvida e não tenho ideia de como. Mas ela é a pessoa mais intransigente que eu ja vi. Muito inflexível. Porque não é política. O que o Brasil tem de aprender de uma vez por todas, é que temos uma dimensão continental, com muita desigualdade e diferença. O centro sul está irritado, porque o dinheiro do Governo federal foi para o Nordeste. Com tantas desigualdades, o país não pode ser administrado por um amador em política. Se o Lula não consegue dobrá-la, a gente não sabe para onde ela vai.
P. Quais são as saídas dela neste momento? Dar mais poder ao PMDB por exemplo?
R. O PMDB me preocupa. Ela teria de ceder muito. Seria um governo ‘a la’ José Sarney. Ele estava lá mas quem governava era o Ulysses Guimarães. É bem provável que aconteça o mesmo. A outra seria radicalizar com as ruas, uma loucura política.
P. Mas por que ela faria isso a esta altura?
R. Este final de semana deve ter mudado o país. Quando a política do país passa a ser feita na rua é muito preocupante. E o país está profundamente dividido. Rio, Brasília se manifestaram com clareza. Mas, evidentemente São Paulo é a cabeça da oposição. Os opositores estão com muita mais coragem e certeza da sua posição, diferente dos que apoiam o governo. O Nordeste que votou pesadamente na Dilma teve uma manifestação pífia no dia 13. O deste domingo, mesmo razoável em algumas capitas, foi muito diminuta. É uma região que não se sente forte para se manifestar.
P. Dá para dizer que foi mais gente que nas jornadas de junho de 2013?
R. Claro que não. A PM falou em mais de um milhão em São Paulo. mas isso não faz o menor sentido. Seja o que for, é o seguinte. O Brasil tremeu depois de junho de 2013. E agora, vai tremer de novo.
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