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E agora, o que acontece?

Brasília, a capital política, e São Paulo, centro nevrálgico do poder econômico e financeiro, deram vida às duas maiores manifestações de sua história

Juan Arias

O Brasil, diante da surpresa de todos, foi para as ruas em todo o país, em massa, convocado pelo novo poder das redes sociais. As duas cidades símbolo: Brasília, a capital política, e São Paulo, centro nevrálgico do poder econômico e financeiro, deram vida às duas maiores manifestações de sua história.

Nas mais de 200 cidades onde os brasileiros sem outra bandeira além das cores do Brasil, ouviu-se um único grito: “Fora Dilma”, “fora PT”, representado graficamente por um caixão. Junto com esses dois gritos, o de “corrupção nunca mais” e uma defesa clara da democracia.

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Cabe perguntar: E agora, o que acontece?

Milhares de cartazes cheios de criatividade, muitos escritos à mão, revelavam a insatisfação de um país que sente que sua vida piora a cada dia. “Que nos devolvam o Brasil”, rezava outro cartaz e, ao seu lado: “Dilma, a paciência acabou”. Outros destacavam: “Não somos a elite. Não somos de direita. Somos o Brasil”.

É verdade. A idiossincrasia das manifestações pelo Brasil, em todas as cidades, desmentiu as aves de mau agouro da véspera. O país os desmentiu redondamente. Diziam que era o país do “caviar”, o dos ricos, o que sairia à rua para exigir a cabeça de Dilma. Não foi. Foi o Brasil plural, foi o Brasil mestiço, o que saiu à rua sem ideologias nem classes. Desfilaram juntas famílias inteiras com seus filhos; casais de namorados de mãos dadas, idosos, muitos jovens e até grávidas felizes. Trabalhadores lado a lado com empresários.

Temia-se que, como em 2013, grupos violentos tentariam abortar as manifestações. Não apareceram. Não houve incidentes. Mais ainda, os brasileiros revelaram o melhor de sua alma: seu espírito festivo, sua criatividade, sua paixão por estar juntos, seu pluralismo e a defesa de um valor que não estão dispostos a renunciar: a democracia.

Foi o Brasil no qual as crianças tiravam fotos com os policiais militares armados até os dentes. Foi o Brasil que às portas do Congresso Nacional, em Brasília, entregavam flores brancas às forças da ordem.

Garantia-se que tinham saído à rua grupos que exigem a volta dos militares. Não foram. Só dois ou três cartazes sobre isso foram anulados pelos milhares de caráter democrático.

Houve até quem apostasse que os convocados pelas redes sociais acabariam na rua enfrentando os que pediam o impeachment de Dilma, os que eram contra e os que defenderiam o governo. Que as manifestações reforçariam a polaridade de um país dividido em dois. Enganaram-se.

Dilma Rousseff já deu a entender que não se afastará

Foi um Brasil unido nas mesmas reivindicações. À súplica da presidenta Rousseff em seu primeiro discurso dias atrás depois de sua reeleição, de que “tivessem paciência” diante da crise que seria passageira, os manifestantes lhe responderam que já estava esgotada. Saiu à rua esse Brasil em que, a pouco mais de dois meses de sua reeleição, apenas 7% aprova seu governo nas pesquisas.

Foi o Brasil que desfilou com suas caras pintadas de verde e amarelo e que gritava: “Nossa bandeira não é vermelha”. E não houve nos desfiles em todo o país uma só bandeira de partido.

Diante disso, e diante de um governo atônito que na véspera tinha minimizado o protesto por não contar com mais apoio do que o das redes sociais, cabe a pergunta: E agora, Dilma?

É difícil saber que resposta poderá dar amanhã o governo a esse protesto em massa contra ele. Rousseff já deu a entender que não vai renunciar. Um impeachment, mesmo sendo constitucional se houver motivos legais, é um processo lento e complicado.

A oposição aposta que o segundo governo de Rousseff, o quarto do PT, vá dessangrar pouco a pouco. Difícil adivinhar a resposta que o governo e a classe política em geral, em seu momento de maior desprestígio diante da opinião pública, dizimada pelo escândalo da Petrobras, dará nos próximos dias a esse Brasil que despertou e perdeu o medo da rua.

No mínimo, Dilma deveria amanhã mesmo refazer seu governo, começando por reduzi-lo à metade. Hoje com 39 ministros, é maior do que os governos dos Estados Unidos e Alemanha juntos. Depois da China, é o país com maior número de ministros do mundo, com um gasto federal de 377 bilhões de reais.

O governo necessita de poucos ministros, mas à altura da crise em que está imerso, com um curto-circuito com o Congresso e com a opinião pública e uma economia agonizante.

O ex-presidente Lula confessou que seu partido, o PT, com doze anos no governo, precisa se refundar e voltar às suas origens, já que a opinião pública o culpa de ter-se corrompido, de ter-se apoderado do Estado e de ser o maior protagonista dos dois maiores escândalos de corrupção política: o mensalão e o petróleo.

O ex-presidente Lula confessou que seu partido, o PT, já com 12 anos no Governo, precisa se refundar

Esse momento chegou e não se pode esperar mais. Os manifestantes arrastavam um cartaz que dizia: “Vá embora, Dilma, e leve o PT junto”.

O Brasil viverá amanhã um dos momentos mais sérios e mais graves de reflexão política e social sobre seu presente e seu futuro.

O Brasil que confessou ter perdido sua paciência merece respeito por parte de seus governantes e políticos. Ontem esse Brasil distribuiu flores. Amanhã essas flores brancas poderão tingir-se de negro nas urnas.

O Brasil continua apostando maciçamente em seus valores democráticos e em suas melhorias econômicas e sociais, conquistadas com sangue e dor. Frustrar essa esperança, esconder a cabeça na terra, acordar amanhã como se nada tivesse acontecido, poderia transformar o protesto festivo em algo mais lúgubre, que ninguém deseja.

Não é verdade que os brasileiros agora têm o direito de perguntar ao poder: e agora, o que acontece?

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