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Para onde vai o MPL?

Ao completar dez anos, ativistas ampliam ação na periferia Passe estudantil de SP foi influenciado por MPL, mas não é visto como vitória do grupo

Marina Rossi
Primeiro ato do MPL deste ano em São Paulo.
Primeiro ato do MPL deste ano em São Paulo.Sebastião Moreira (EFE)

O Movimento Passe Livre, que nasceu com o objetivo de defender a tarifa zero para o transporte público, completa dez anos em 2015, sem lograr o objetivo que batiza o seu nome. O grupo de ativistas que levantou a bandeira do direito básico ao transporte ficou mais conhecido nacionalmente em 2013, quando os protestos liderados pelo MPL acenderam a fagulha das manifestações de junho daquele ano. Criado sob a inspiração de manifestações como a Revolta do Buzu em Salvador (BA), em 2003, e a Revolta da Catraca em Florianópolis (SC), em 2004 e 2005, o movimento logrou algumas vitórias, como a revogação da tarifa em 2013 em diversas cidades, dentre elas São Paulo. Influenciou, ainda, a pauta do poder público no Estado, que se baseou em algumas das ideias do movimento para garantir o que foi batizado de passe livre estudantil.

A partir de agora, os estudantes da rede pública ou particular que comprovem baixa renda poderão entrar com o pedido do passe livre estudantil na cidade de São Paulo. Com o benefício, terão direito a 48 viagens gratuitas por mês. Ultrapassando esse número, seguem tendo direito a pagar meia tarifa. Se por um lado os integrantes do MPL reconhecem a importância de junho de 2013 para que a pauta do transporte público fosse olhada com mais atenção pelo Governo, o passe livre estudantil liberado nesta semana não é visto como uma vitória do movimento, uma vez que o benefício é limitado. Quem, por exemplo, pega mais de uma condução de ida e volta por dia tem vantagens reduzidas.

Mais do que isso, esse ‘meio benefício’ contribuiu para uma espécie de refluxo do MPL, que parecia voltar com tudo no final do ano passado, quando a Prefeitura e o Governo do Estado anunciaram que as tarifas subiriam de 3 reais para 3,50 reais. Esperava-se que o movimento retomasse o pulso das ruas a partir dali. Os protestos, porém, foram bem menos expressivos do que há dois anos. Ao mesmo tempo, o passe livre estudantil foi a resposta do poder público para a sociedade.

Para Heudes de Oliveira, que integra o MPL, houve uma expectativa muito alta sobre as ações do grupo porque todo mundo olhou pelo retrovisor para junho de 2013. "Acho que houve um pouco de pressão. Em 2013 esperava-se que o MPL levasse muita gente para as ruas, o que de fato ocorreu, e, talvez por isso agora em 2015 também se esperou que o movimento tivesse uma luta forte", diz. Para Heudes, outros fatores mudaram o contexto. Neste ano, já não há o efeito surpresa que os ativistas trouxeram há dois anos. "O prefeito Haddad neste ano se preparou para que o movimento não barrasse o aumento. Ele anunciou o reajuste no final do ano e juntamente com o passe livre estudantil, fazendo com que os alunos não se mobilizassem".

Outro fator que parece ter mantido o movimento mais retraído foi a estratégia adotada pelo MPL. Embora houvesse uma agenda de protestos contra o aumento da tarifa desde o dia 9 de janeiro, as manifestações foram sucessivamente diminuindo de tamanho: de 5.000 manifestantes, para 200 na última marcha ocorrida no centro até agora, dia 06 de fevereiro. “Não se joga o mesmo jogo duas vezes”, disse naquele dia Marcelo Hotimsky, do MPL, quando perguntado sobre a comparação de 2015 com 2013. Em parte, o fôlego refluiu porque o MPL dividiu o foco entre atos no centro da cidade e na periferia da cidade. E não percebeu a tempo que essa estratégia mais fragmentava o movimento do que agregava mais gente às marchas.

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Algumas pessoas que participaram ativamente das manifestações deste ano reconhecem que o objetivo final dos atos era aumentar as bases na periferia - e não objetivamente revogar o aumento da tarifa. “Neste ano, tivemos menos gente nas manifestações pelo Brasil, mas, por outro lado, fizemos um número maior de atos", diz Heudes Oliveira. O movimento, explica ele, continuará sua luta nos bairros mais afastados do centro. “A periferia é o foco. É lá onde as pessoas mais precisam do transporte e são mais afetadas por essa questão”, completa.

Desta forma, o objetivo é manter o trabalho de construção que não deve obedecer a uma ansiedade pela massificação vista em 2013. “Existem vitórias que não são perceptíveis em termos de massa”, afirmou uma fonte próxima ao movimento. “Muita gente saiu da periferia para ir aos atos no centro, isso é importante”, diz. Mas reconhece que “para barrar o aumento, [as manifestações] têm que ser no centro”.

O momento talvez seja de avaliação para o movimento. Se a estratégia era fortalecer suas bases nos bairros mais afastados do centro da cidade, é preciso saber se valeu a pena. Para João Alexandre Peschanski, professor de Ciência Política da Faculdade Cásper Líbero, há quatro frentes que o MPL deve trabalhar no contexto atual. Um deles é a força da polícia, “que foi mais esperta na sua maneira de repressão neste ano”, ‘poupando’ a imprensa das agressões, diferentemente do ocorrido em 2013, quando fotógrafos e repórteres ficaram feridos por balas de borracha.

O modus operandi do prefeito Fernando Haddad (PT), que neste ano, chegou a tentar desarticular o movimento, é a segunda questão. “Em 2013, o Haddad iniciou muito tarde a sua interação com os protestos”, diz Peschanski. “Quando ele começou a se articular com os movimentos, eles já estavam fortes e complexos demais”. Ao longo das mobilizações deste ano, o MPL foi reafirmando o foco em pressionar a Prefeitura e não o Governo Estadual, responsável pelo reajuste da tarifa dos metrôs e trens na cidade.

A maneira como o MPL interage com a mídia é outro assunto que deve ser debatido. “A cobertura da imprensa ficou muito na expectativa de que seria um protesto comparável ao de 2013”, diz Peschanski. Ele explica que, neste ano, o MPL não conseguiu encontrar uma nova estratégia para chamar a atenção da imprensa. “Ou não quis”, diz. “Protestos não precisam sempre de número para chamar a atenção e essa estratégica numérica do MPL neste ano foi menos midiática”.

A opinião pública é, por fim, a quarta ‘força’ com a qual o MPL terá de lidar agora, segundo Peschanski. Para ele, o passe livre é uma pauta “simpática” à população. Mas, por outro lado, São Paulo tem problemas muito sérios ocorrendo “e talvez por incapacidade do MPL ou de outros grupos, não se criaram as bases para uma coalizão em torno desses problemas, que têm conexões bastante claras, como a água e a violência”. Para ele, o MPL deveria diversificar a pauta de reivindicações. “O movimento precisa ampliar sua base de discussão, incorporando elementos como a questão da água e do direito à cidade de maneira mais geral, que estão diretamente ligados ao que eles estão fazendo”.

Há outro fator contundente que limita o movimento. Nem todos concordam com a luta pela tarifa zero. Para Flamínio Fichmann, urbanista e especialista em trânsito, a tarifa tem que ser reduzida, e até zerada, mas não para todos. Para ele, o passe livre para toda a população excluiria por exemplo, o benefício do vale-transporte, que é um direito conquistado do trabalhador. “O vale-transporte foi um benefício conquistado ao longo do tempo e, de certa forma, com o fim dele, nós, população, estaríamos subsidiando as empresas”, explica. “Além disso, existe uma categoria que não tem necessidade da tarifa zero, que é a classe média”, diz.

Segundo Fichmann, a massa que engrossou os atos em 2013, era justamente feita dessa classe média, que não é tão tocada pela questão da tarifa. Hoje, parte desse público que foi às ruas estão alinhado atualmente a movimentos mais à direita, com pautas conservadoras, como, por exemplo, a volta do regime militar.

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