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Por que nos comovemos com a Germanwings e esquecemos o Quênia

Facilidade de acesso à informação e proximidade são fatores cruciais na cobertura jornalística

Estudantes resgatadas no quartel de Garissa (Quênia), um dia depois do atentado islâmico contra a universidade local.
Estudantes resgatadas no quartel de Garissa (Quênia), um dia depois do atentado islâmico contra a universidade local.Daniel Irungu / EFE

Depois que a milícia islâmica somali Al Shabab assassinou 147 pessoas na Universidade de Garissa (Quênia), muitos se perguntaram no Twitter por que um ataque dessa magnitude não chamou tanto a atenção da imprensa como, por exemplo, o atentado do Charlie Hebdo ou a queda proposital do avião da Germanwings, na qual 150 pessoas morreram.

O jornalista Miguel Ángel Bastenier, do EL PAÍS, nos dá, também no Twitter, uma chave para entender esse fenômeno.

A seção Verne conversou justamente com Bastenier em janeiro, quando, depois do atentado ao semanário Charlie Hebdo, muitos criticaram a menor atenção da imprensa à ofensiva do Boko Haram no nordeste da Nigéria. “Toda a informação é local”, explicou-nos Bastenier, “e se ecoamos notícias internacionais é pela proximidade e a vinculação que temos com esses países, além da qualidade da informação que possamos obter".

Neste artigo recordávamos a “hierarquia da morte”, um termo usado pelos meios de comunicação anglo-saxões para descrever como e por que damos mais cobertura a algumas vítimas em detrimento de outras, especialmente no noticiário internacional. Vários fatores influem nessa hierarquia, e podemos dividi-los em dois grupos: a proximidade e a qualidade da notícia.

1. A proximidade. Interessa-nos mais o que ocorre no nosso país e em países próximos, e também se houver alguma vítima do nosso país. Por exemplo, Jacoba Urist, na The Atlantic, recordava como o The New York Times publicou mais de 2.500 obituários para os mortos nos atentados de 11 de setembro de 2001, de forma análoga à que fez o EL PAÍS quando dos ataques de 11 de março de 2004 em Madri.

Essa proximidade provoca uma maior empatia da parte de jornalistas e leitores, mas também pode favorecer a confrontação, como observa a jornalista Leila Nachawati, cofundadora do site Syria Untold: “Há um posicionamento do ‘nós contra eles”, comentou.

2. A qualidade da notícia. São muitos os meios de comunicação – inclusive agências de notícias – que mantêm correspondentes ou enviados especiais em países da Europa e Américas, mas contam com menos recursos em lugares como o Quênia, a Nigéria ou a Síria, que frequentemente são mais perigosos.

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Bastenier observava que um veículo com vocação global tem a obrigação de obter e publicar a melhor informação que puder, como de fato se faz no caso do Quênia, mas em muitas ocasiões esses veículos só têm acesso, no máximo, a despachos de agências. A proximidade e a facilidade de acesso à informação fazem com que se fale mais sobre o atentado na França ou sobre a queda do Airbus da Germanwings do que sobre muitos outros conflitos e incidentes.

Essa informação pior não só representa uma cobertura mais tímida de um fato como também pode levar a uma “desumanização do conflito”, ficando assim ainda mais difícil se solidarizar com as vítimas, como descreveu Nachawati.

Além disso, é preciso levar em conta que se dedica menos atenção a conflitos já em andamento, pois eles são (tragicamente) previsíveis. Como Nachawati também argumentou, vemos esses países como se estivessem em um conflito permanente, "visão que se perpetua e na qual não há intenção de aprofundar” para além dos interesses geoestratégicos dos países ocidentais: não importa tanto o que ocorre na Nigéria ou no Quênia, e sim como isso afeta os Estados Unidos ou a Rússia, por exemplo. Como recordava Owen Jones no The Guardian, nós nos esquecemos das guerras complexas em países sem peso estratégico.

Para superar tais dificuldades, Nachawati apontava a necessidade de “se aproximar da opinião pública” e fornecer informações sobre ONGs e campanhas civis. A forma de fazer isso é criando “redes de confiança, o que agora é mais fácil que há alguns anos”.

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