_
_
_
_

Por que nos comovemos com a Germanwings e esquecemos o Quênia

Facilidade de acesso à informação e proximidade são fatores cruciais na cobertura jornalística

Estudantes resgatadas no quartel de Garissa (Quênia), um dia depois do atentado islâmico contra a universidade local.
Estudantes resgatadas no quartel de Garissa (Quênia), um dia depois do atentado islâmico contra a universidade local.Daniel Irungu / EFE

Depois que a milícia islâmica somali Al Shabab assassinou 147 pessoas na Universidade de Garissa (Quênia), muitos se perguntaram no Twitter por que um ataque dessa magnitude não chamou tanto a atenção da imprensa como, por exemplo, o atentado do Charlie Hebdo ou a queda proposital do avião da Germanwings, na qual 150 pessoas morreram.

O jornalista Miguel Ángel Bastenier, do EL PAÍS, nos dá, também no Twitter, uma chave para entender esse fenômeno.

A seção Verne conversou justamente com Bastenier em janeiro, quando, depois do atentado ao semanário Charlie Hebdo, muitos criticaram a menor atenção da imprensa à ofensiva do Boko Haram no nordeste da Nigéria. “Toda a informação é local”, explicou-nos Bastenier, “e se ecoamos notícias internacionais é pela proximidade e a vinculação que temos com esses países, além da qualidade da informação que possamos obter".

Neste artigo recordávamos a “hierarquia da morte”, um termo usado pelos meios de comunicação anglo-saxões para descrever como e por que damos mais cobertura a algumas vítimas em detrimento de outras, especialmente no noticiário internacional. Vários fatores influem nessa hierarquia, e podemos dividi-los em dois grupos: a proximidade e a qualidade da notícia.

1. A proximidade. Interessa-nos mais o que ocorre no nosso país e em países próximos, e também se houver alguma vítima do nosso país. Por exemplo, Jacoba Urist, na The Atlantic, recordava como o The New York Times publicou mais de 2.500 obituários para os mortos nos atentados de 11 de setembro de 2001, de forma análoga à que fez o EL PAÍS quando dos ataques de 11 de março de 2004 em Madri.

Essa proximidade provoca uma maior empatia da parte de jornalistas e leitores, mas também pode favorecer a confrontação, como observa a jornalista Leila Nachawati, cofundadora do site Syria Untold: “Há um posicionamento do ‘nós contra eles”, comentou.

2. A qualidade da notícia. São muitos os meios de comunicação – inclusive agências de notícias – que mantêm correspondentes ou enviados especiais em países da Europa e Américas, mas contam com menos recursos em lugares como o Quênia, a Nigéria ou a Síria, que frequentemente são mais perigosos.

Mais informações
Por que nos mobilizamos pela França, mas nos esquecemos da Nigéria?
Cinco detidos no Quênia pelo atentado contra os estudantes
Papa lamenta o “silêncio cúmplice” ante a matança de cristãos no Quênia
Ao menos 147 mortos em ataque jihadista a uma universidade queniana

Bastenier observava que um veículo com vocação global tem a obrigação de obter e publicar a melhor informação que puder, como de fato se faz no caso do Quênia, mas em muitas ocasiões esses veículos só têm acesso, no máximo, a despachos de agências. A proximidade e a facilidade de acesso à informação fazem com que se fale mais sobre o atentado na França ou sobre a queda do Airbus da Germanwings do que sobre muitos outros conflitos e incidentes.

Essa informação pior não só representa uma cobertura mais tímida de um fato como também pode levar a uma “desumanização do conflito”, ficando assim ainda mais difícil se solidarizar com as vítimas, como descreveu Nachawati.

Além disso, é preciso levar em conta que se dedica menos atenção a conflitos já em andamento, pois eles são (tragicamente) previsíveis. Como Nachawati também argumentou, vemos esses países como se estivessem em um conflito permanente, "visão que se perpetua e na qual não há intenção de aprofundar” para além dos interesses geoestratégicos dos países ocidentais: não importa tanto o que ocorre na Nigéria ou no Quênia, e sim como isso afeta os Estados Unidos ou a Rússia, por exemplo. Como recordava Owen Jones no The Guardian, nós nos esquecemos das guerras complexas em países sem peso estratégico.

Para superar tais dificuldades, Nachawati apontava a necessidade de “se aproximar da opinião pública” e fornecer informações sobre ONGs e campanhas civis. A forma de fazer isso é criando “redes de confiança, o que agora é mais fácil que há alguns anos”.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_