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“Existem motivos de força maior para rever os contratos de demanda firme”

Ex-presidente da Sabesp é a favor de adiar o rodízio e de mais transparência na gestão

O ex-presidente da Sabesp Gesner Oliveira.
O ex-presidente da Sabesp Gesner Oliveira.Paulo Bareta

O ex-presidente da Sabesp Gesner Oliveira (São Paulo, 1956) concede esta entrevista em um táxi a caminho do aeroporto de Guarulhos de onde viajará ao Japão a trabalho. Acompanhado por sua assessora pessoal e Roberto, o taxista que lamentou que a casa dele ficou sem água nos cinco dias de Carnaval, Oliveira é descrito por funcionários da Sabesp como o dirigente que implementou a filosofia do lucro na estatal. “A exigência pelo lucro é a mesma que a de qualquer empresa de capital aberto”, justifica. Como foi presidente da companhia de 2007 a 2010, é difícil arrancar dele uma singela crítica à gestão técnica e política da pior crise hídrica do ultimo século, mas Oliveira deixa entrever na sua fala, didática e diplomática, que mais esforços poderiam ter sido feitos. O ex-presidente da empresa, hoje sócio de uma consultora de negócios e serviços –muitos relacionados com a água-, é também partidário de adiar o rodízio o máximo possível: “Nos Jardins podem tomar banho com água Perrier, mas o que o pobre vai fazer?”

Pergunta. Você formalizou em 2007 os contratos de demanda firme que oferecem grandes descontos a grandes consumidores. Você é partidário de manter em plena crise tarifas diferenciadas para os que mais gastam?

Resposta. A atual situação é incomparável com qualquer outra conjuntura. O que vale para a normalidade não necessariamente vale para o momento atual e hoje prevalece uma situação de extrema escassez. Eu suspenderia as cláusulas que oferecem esses preços. Como filosofia, eu respeito os contratos, por uma questão de segurança jurídica, mas agora existem motivos de força maior. Eu reveria eles, mas condicionaria as outorgas dos poços [usados pelas indústrias e comércios como alternativa à agua da Sabesp] ao investimento em água de reuso.

P. Você acredita que tanto o Governo do Estado quanto a Sabesp estão administrando a crise com transparência?

R. O grau de transparência do Governo e Sabesp é alto comparativamente com o resto o país. Sempre dá para aumentar, mas vejo que é uma das preocupações do novo presidente. A companhia está informando, por exemplo, dos horários de redução da pressão, isso é muito positivo.

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P. Essa informação demorou meses em ser divulgada.

R. Todo deve ser aprimorado. Em matéria de transparência sempre se pode melhorar e percebo um grande esforço por parte dos dois [Governo e Sabesp].

P. Você acredita que a crise vai trazer uma mudança no relacionamento da Sabesp com seus clientes e dos próprios clientes com a água?

R. A crise deve mudar muito mais do que o relacionamento do concessionário com o cliente ou dos clientes com a água. Acabou o mundo da fantasia, o mundo onde você achava que a água era um bem sem limite e onde não tem um custo. Nossa economia precisa respeitar a harmonia do ciclo da água, daí a importância da reutilização, do uso racional dos recursos. Isto deve mudar em todos os níveis, do Judiciário ao executivo, do Governo federal aos municipais, das famílias às escolas. Infelizmente a gente não tem certeza de que isso vai mudar. A gente teve estiagens muito fortes, por exemplo, no Nordeste e o padrão de comportamento não mudou como deveria.

P. Você privatizaria a Sabesp?

R. A Sabesp já é uma parceria público-privada. Acho adequado o atual modelo. Se você verifica as a três melhores empresas de saneamento do Brasil, elas são mistas.

P. Você é descrito pelos funcionários da Sabesp como o presidente que implementou o neoliberalismo na companhia e agudizou o interesse pelos lucros e não pelos investimentos. Conforme essa tese, parte da culpa pela situação atual deveria ser jogada nos seus ombros?

R. Há um debate no mundo todo acerca de como deve ser feito e organizado o serviço de água e esgoto. Não há um modelo único que seja o correto. A Sabesp tem um modelo interessante. Em um primeiro momento pode parecer que há uma contradição entre o objetivo do lucro e da visão pública, mas essa contradição é apenas aparente. Uma empresa de água e esgoto só faz sentido se ampliar seus serviços, sua razão de ser. Para você se tornar uma empresa moderna e sustentável, que remunere seus ativos e que atenda a política pública, você precisa ser uma empresa de soluções ambientais e não só de tratamento de água e esgoto.

Uma das nossas prioridades foi aumentar a agua de reuso. Fizemos o maior programa de redução de perdas que existe no Brasil, introduzimos uma dimensão do diálogo com a sociedade a traves de maior transparência e ampliamos a capacidade do sistema Alto Tietê. Na realidade, fizemos exatamente o que tínhamos que fazer para enfrentar esta crise.

P. Você só vê uma herança positiva. Houve algo que você deveria feito e que teria ajudado nesta situação?

R. Eu acho que não. Francamente, reduzir as perdas, impulsar a agua de reuso e o tratamento do esgoto eram ações absolutamente necessárias.

P. A redução das perdas, o reuso e o tratamento de esgoto são precisamente questões chaves, e conflitivas, na discussão da crise, pois a Sabesp é criticada por não ter atingido os níveis desejados em nenhum desses aspectos.

R. Eu estive quatro anos e já sai da Sabesp há mais de quatro anos. No meu mandato essas ações foram extremamente intensificadas e, em defesa da minha sucessora [Dilma Pena], posso dizer que a Sabesp é a empresa que mais investe no Brasil em saneamento, redução de perdas e reuso.

P. O que não significa muito.

R. A Sabesp vem administrando a crise com muita competência operacional. Em que outra capital teríamos um remanejamento do sistema com essa rapidez repassando uma enorme capacidade de abastecimento da Cantareira para o Alto Tietê? Mas, sim, eu gostaria de ter visto essas ações de forma mais intensificada.

P. Qual é sua posição sobre a implementação do rodízio?

R. A redução da pressão que foi feita e que gera falta de água é melhor que um racionamento ou um rodízio de quatro dias sem água. É claro que, se piorar muito, você pode recorrer ao racionamento, mas não é razoável se você ainda tem recursos. Sou partidário de esperar o máximo tempo possível antes de tomar uma decisão. O rodízio é muito mais duro para a população carente, o pobre não tem dinheiro. Como a população vai fazer? A falta de água desespera as pessoas. Em uma mansão dos Jardins você fura um poço, no limite toma banho de água Perrier. Mas quem não tem recurso fica sem água ou acaba comprando água da milícia. Não é fácil tomar a decisão do rodízio. Quatro dias é muito tempo sem água e supõe um custo em termos de desperdício, pois a variação de pressão gera perdas no sistema.

P. Você lidera, e o Governo estuda, a proposta da construção em parceria com o setor privado de uma planta de dessalinização no litoral paulista, projeto já formulado pelo consórcio das Bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ) e que foi descartado pela Sabesp. O que seu plano tem de diferente?

R. Eu sou responsável pelo estudo econômico e financeiro desse projeto. Na situação atual nós não podemos descartar nenhuma solução. A dessalinização experimentou uma queda vertiginosa do custo de tratamento de cada litro de água e tem uma vantagem muito interessante que é que São Paulo ficaria independente de São Pedro. Ter um monte de água que não depende da chuva é muito atraente. A desvantagem da dessalinização é a grande intensidade do uso de energia elétrica que você precisa e isso deve ser ponderado. Nossos estudos revelam que é viável e deve ser considerado, pois seu preço não está longe de outras alternativas: cada metro cúbico custaria cinco reais enquanto a água do rio São Lorenzo vai nos custar dois reais e a de reuso três reais. Você tem que ver a dessalinização como um seguro, você paga uma determinada quantia à espera de não usar, mas que está ai se não chover.

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