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Seca assusta a Califórnia

Maior economia agrícola dos EUA começa a ver casos de famílias sem água

Pablo X. de Sandoval
Represa no vale central da Califórnia, com 21% de sua capacidade.
Represa no vale central da Califórnia, com 21% de sua capacidade.M.R. (AFP)

Era primavera quando, sem que ninguém se desse conta, os poços começaram a secar em algumas casas do condado de Tulare, no vale central da Califórnia. Eram poucas dezenas de casas de trabalhadores do campo que dependiam de poços familiares perfurados artesanalmente há algumas décadas. As autoridades ficaram sabendo pela imprensa e por uma associação de moradores. No verão começaram a ser organizados programas para levar água engarrafada potável para as casas. Para tomarem banho, os moradores precisam ir para a estação de bombeiros para encher galões.

Na manhã de sexta-feira, um caminhão de mudanças estava parado na porta da moradia do casal Rodríguez em uma rua da região de East Porterville, Tulare. Pete e Berta Rodríguez, de 64 e 61 anos, estão há seis meses sem água no poço e não aguentam mais, vão embora. No pátio deixam os 30 galões de água com os quais estão sobrevivendo. A água do rio Tule, que passa ao lado, está tão suja que “não serve nem para os animais”.

Em East Porterville a água brotava a cinco metros. Hoje os poços de 30 metros estão em perigo

Seu vizinho, Eddie Escalante, com o qual compartilham o poço, não pode ir embora. Comprou a casa há dois anos, quando ninguém pensava que a água acabaria. Hoje, sua família bebe em recipientes que guardam na varanda e ninguém vai comprar uma casa sem água. Tentaram chamar uma empresa de perfuração para que lhes fizessem um poço mais profundo, “mas têm tanto trabalho que não vieram”. Todo mundo precisa aprofundar seu poço. “Eu nunca morei em uma casa com poço. Quando a comprei, pensei que sempre teria água”.

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O condado de Tulare, a três horas de carro a nordeste de Los Angeles, se transformou na imagem mais amarga da seca que há três anos castiga a Califórnia, segundo alguns cálculos, a mais grave em mais de um século. Nessa espécie de área zero da seca, moram sobretudo imigrantes hispânicos que vivem humildemente e trabalham no campo. Nessa região, laranjas, uvas e pistaches. Foram se instalando aqui em terras nas quais podiam ter um jardim e seu próprio poço, com água que brotava a apenas cinco metro, conforme contam. Hoje até mesmo os mais profundos de 30 metros, estão em perigo.

Pete e Berta Rodríguez,que abandonaram sua casa após o poço secar.
Pete e Berta Rodríguez,que abandonaram sua casa após o poço secar.P. X. S.

Denise England, porta-voz do departamento de gestão de água do condado de Tulare, explica que têm conhecimento de que aproximadamente 300 poços secaram, o que afeta 500 das 1.400 famílias que vivem em East Porterville. “São poços pouco profundos que pegam água da superfície. Como não chove, o rio Tule não encheu os poços”.

Não valorizamos as coisas até que isso acontece. Usamos a água pensando que isso nunca iria acontecer

Berta Rodríguez

A Califórnia é a maior economia dos Estados Unidos e em seu vale central é plantada metade de toda a produção de fruta do país. Um estudo da Universidade da Califórnia em Davis (Sacramento) encomendado pelo Governo revelou que 5% dos cultivos já se perderam. O impacto econômico já chega a 2,2 bilhões de dólares (5,2 bilhões de reais). O mesmo estudo adverte que os rios do vale central reduziram seu leito em um terço. Em Ducor, por exemplo, há vários anos não é possível beber a água. Isso leva a uma sobre-exploração dos poços. O dano aos aquíferos é simplesmente desconhecido. Ninguém sabe quanta água resta. A Califórnia é o único estado do oeste que não controlava a água dos aquíferos, até que o alarme pela situação o levou a aprovar uma lei em agosto para, pelo menos, colocar medidores.

Em Ducor, próximo de Porterville, na quinta-feira à noite um grupo de moradores comentava a situação. Arnulfo Flores contava que na fazenda de laranjas na qual trabalha quatro das nove bombas de água secaram. Para María Carvajal, que trabalha em uma empacotadora de laranjas, já lhe disseram que ano que vem terá menos trabalho, pois a colheita diminuiu muito e estão arrancando as árvores. Esses moradores de Ducor bebem água engarrafada doada pelo Home Depot local, graças à intermediação de uma organização chamada Community Water Center. Sabem que seus poços serão os próximos a secar depois de Porterville. “De brincadeira, meu esposo e eu decidimos que vamos para o México”, disse Guadalupe Flores.

A seca terá um papel importante nas próximas eleições de 4 de novembro. A chamada Proposição 1 vai para a cédula de votação avalizada pelo governador, a maioria democrata e a minoria republicana. Todos pedem à população que aprove um empréstimo de 7,5 bilhões de dólares (17,9 bilhões de reais) para construir nova infraestrutura hídrica como canalização, represas e depuradoras de água. Nada disso, que chega com décadas de atraso, serve para a situação atual, a não ser para a próxima seca. Agora, só é possível economizar água e esperar que chova. A segunda é muito improvável. Mas os últimos dados refletem uma queda do consumo em 11,5% em agosto comparado ao ano anterior, o que implica o primeiro mês de economia séria, uma mudança de atitude em um Estado que até esse verão não parecia ter compreendido a gravidade da seca. O Governo quer que a economia seja de 20% no final do ano.

Berta Rodríguez já viu os efeitos de utilizar a água como se fosse infinita.

Enquanto abandona sua casa de East Porterville, conta que no supermercado onde trabalha vê o desperdício da água. Tenta lhes dizer que algum dia a água faltará. “Nos negócios se desperdiça muita água. Quando vejo como gastam penso ‘Meu Deus, eu estou me lavando com toalhinhas’”. Seu marido Pete a apressa para subir no caminhão, mas ela ainda consegue advertir: “Não apreciamos as coisas até que isso acontece. Usamos a água pensando que isso nunca iria acontecer”.

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