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Luciana Genro | candidata à presidência

“É hipócrita condenar o aborto mas não dar condições para ter o filho”

Para a candidata do PSOL, é preciso ser a favor de políticas de acolhimento às mulheres

M. Rossi
Luciana Genro, na última quinta-feira.
Luciana Genro, na última quinta-feira.MÁRCIO CASSOL (BRAZIL PHOTO PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO)

Nem mesmo a fina camada de maquiagem usada pela candidata Luciana Genro (PSOL) no dia em que ela deu entrevista ao EL PAÍS foi capaz de esconder seu cansaço. O que não a impede de ter sido carinhosamente apelidada de ‘diva’ por feministas e marmanjos nas redes sociais. “Acho engraçado”, diz a gaúcha que tem jeito de brava. “Tenho fama de brava, mas não sou”, avisa a candidata que tem por volta de 1% das intenções de votos segundo as últimas pesquisas.

Sua fama talvez tenha sido construída quando ela ainda era do PT, partido ao qual foi filiada de 1985 a 2003. Com outros companheiros, Genro foi expulsa do partido, no primeiro ano de mandato do ex-presidente Lula, por discordar principalmente dos rumos da política econômica. Antes disso, porém, ela foi eleita duas vezes deputada estadual (em 1994 e em 1999) e uma vez deputada federal (2002) pelo PT, partido que abriga até hoje seu pai, o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro. Em 2005, junto com outros ex-companheiros petistas, Genro fundou o PSOL e no ano seguinte se reelegeu deputada federal.

Na última semana, os holofotes se viraram para a candidata, depois que ela atacou o presidenciável do PSDB, Aécio Neves, em um debate na televisão promovido pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dizendo que o mensalão do PT era sequência do mensalão tucano, que está sendo julgado. Seu rosto surgiu então em memes pelas redes sociais em personagens de jogos de luta no videogame, golpeando Aécio Neves. O foco principal dos ataques de Genro, porém, é Marina Silva (PSB), que militou no PT na mesma época que ela. “Muitos dos meus potenciais eleitores estão pensando em votar nela”, diz Genro.

Pergunta. Temos três candidatas à presidência e uma delas muito provavelmente ganhará as eleições. Isso em um país machista e conservador como o Brasil. Alguma coisa está mudando?

O debate sobre aborto no Brasil acaba sendo enviesado porque a discussão que é feita é se você é a favor do aborto. Eu acho que ninguém é a favor

R. Acho que sim, mas a participação das mulheres na política ainda é muito reduzida. E, mesmo que tenhamos uma presidenta mulher há quase quatro anos, não há uma política por parte do governo federal que ajude a democratizar essa participação. Dilma Rousseff prometeu em 2010 que iria construir 70.000 creches, mas não entregou nem 10% disso. E creche é um elemento fundamental para que uma mulher possa continuar com a sua carreira ou continuar estudando e, mais ainda, para ter uma participação política. Isso demonstra que não basta ser mulher, é preciso realmente se preocupar com as políticas públicas para as mulheres.

P. Na semana passada foi noticiado que Jandira dos Santos, de 27 anos, morreu quando foi fazer um aborto em uma clínica clandestina no Rio de Janeiro. A notícia ocorre no meio das eleições e, mesmo com três mulheres concorrendo, ninguém falou sobre o caso. Por que ninguém fala sobre o aborto no Brasil?

R. O aborto ainda é um tema tabu no Brasil, muito embora 800.000 mulheres morram vítimas de abortos clandestinos no país [os únicos dados oficias apontam para 850.000 interrupções clandestinas e não mortes decorrentes do aborto]. E até os segmentos da sociedade que praticam o aborto o condenam publicamente: 60% dos abortos são praticados por mulheres católicas. O debate acaba sendo enviesado porque a discussão que é feita é se você é a favor do aborto. Eu acho que ninguém é a favor do aborto. Essa ideia de ser a favor como método contraceptivo é uma distorção completa do debate. O exemplo da Jandira é eloquente para mostrar que inclusive quem tem recursos para pagar corre um risco grande. Acho que a partir do exemplo do Uruguai a gente consegue recolocar o assunto em outros termos, porque o Uruguai, ao descriminalizar, zerou as mortes de mulheres e diminuiu o número de abortos. É muito hipócrita condenar a mulher que aborta, mas, ao mesmo tempo, não existir nenhum sistema público para ajudá-la a ter o filho, caso ela queira tê-lo.

P. Você foi mãe aos 17 anos. Naquela época passou pela sua cabeça abortar?

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R. Eu tinha desde adolescente o sonho de ser mãe. Mas a minha gravidez não foi planejada, foi acidental. E eu não hesitei em decidir ter o filho porque eu tinha um companheiro e uma família que sempre me apoiaram. Nem todo mundo tem esse apoio que eu tinha. Além disso, pode acontecer de a mulher não ter vontade de ser mãe, porque é um desafio tão gigantesco que isso não pode ser imposto. Eu não tenho dúvida de que se o homem parisse, o aborto seria legal no mundo inteiro. É uma responsabilidade muito grande e uma mudança muito profunda e por isso não pode ser imposta.

P. O seu discurso, principalmente na área econômica, é muito parecido com o do PT antes da primeira eleição do Lula. E o PT teve que mudar o tom para ganhar as eleições. Como fazer para conseguir votos, sabendo que esse discurso já foi usado em outras épocas e não funcionou?

R. Contando com o desenvolvimento da consciência política. Esse caminho que o PT escolheu e que agora a Marina Silva está escolhendo, que é buscar atalhos para chegar ao poder, cedendo a pressões - como a Marina cedeu agora ao agronegócio dizendo que nunca foi contra os transgênicos, ou aos banqueiros, oferecendo independência ao Banco Central, ou aos setores reacionários abandonando a pauta LGBT - foi o mesmo feito pelo Lula em 2002. São atalhos que levam ao poder, mas sem as condições para se fazer as mudanças estruturais necessárias, transformando quem chega ao poder em mais um e força as adaptações às estruturas políticas e é aí que o PT chega ao mensalão.

P. O mensalão provou que o PT é corrupto?

R. O mensalão provou que o PT se transformou num partido igual aos outros, igual aos que ele sempre condenou. Portanto, sim, com corrupção dentro do partido.

Não basta ser mulher, é preciso realmente se preocupar com as políticas públicas para as mulheres

P. E como fazer para evitar a corrupção em um possível governo? Diminuir o Estado? Dilma disse que não reduzirá o número de ministérios. O que você faria?

R. Essa discussão do número de ministérios é muito superficial. O que é importante é primeiro conseguir que a máquina pública seja de fato profissionalizada, valorizando os servidores públicos de carreira para que as políticas públicas tenham uma continuidade. E mesmo as chefias devem ter critérios técnicos e democráticos de escolha e não sejam apadrinhadas pelos partidos, que foi o que aconteceu na Petrobras, com o [ex-diretor da estatal] Paulo Roberto Costa. Ele era um funcionário de carreira e, para ascender, teve que pedir apoio a políticos. Isso faz com que eles tenham que criar uma vinculação partidária e aí começa a corrupção e a propina: para pagar a indicação, ele vai fazer negociata com as empreiteiras para passar o dinheiro aos partidos.

P. Um dos assuntos debatidos nessa semana é a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). A Dilma declarou que não vai mexer nos direitos do trabalhador “nem que a vaca tussa". E você?

R. A consciência mais avançada que temos no Brasil é em relação a esses direitos, portanto, qualquer governo que fale em mexer na CLT recebe o repúdio imediato. Mas o problema é que, tanto a Dilma, quanto a Marina e o Aécio, têm outra estratégia para mexer na CLT que não fica claramente revelada, que é através das terceirizações. O programa da Marina é mais explícito nisso. A terceirização é a via de burlar a CLT.

P. Você já se referiu a Dilma, Aécio e Marina como três irmãos siameses, para apontar a semelhança entre eles. Você acha que o eleitor percebe que não há diferença?

R. A campanha eleitoral é uma visão muito distorcida da realidade, porque ela está cruzada pelo marketing político. O que faz com que eu diga que eles são irmãos siameses é a defesa da mesma política econômica. Os três aparecem com propostas de melhorias que são demagógicas.

P. Durante o debate da CNBB você ficou claramente brava quando o Aécio disse que você era linha auxiliar do PT. É tão ofensivo assim ser vinculada ao PT?

R. (risos seguidos de um silêncio) É muito injusto, né? Porque eu tenho feito um discurso muito contundente de denúncia do governo e que três candidatos estão unidos na defesa das mesmas políticas. Aquela resposta veio do fundo da alma mesmo, porque me pareceu muito injusta [a comparação com o PT], e uma tentativa muito primária de me desqualificar na acusação a ele.

P. Você esperava essa reação do Aécio, de te comparar com o PT?

R. Eu estava contente porque dessa vez alguém perguntaria algo para mim, porque nos outros debates ninguém me perguntava nada. Acho que o que aconteceu com o Aécio mostrou que eles tinham razão de não me perguntar nada mesmo (risos), porque eu não vou fazer jogo de comadre nem com Aécio, nem Dilma nem Marina.

O PT não é mais digno de ser chamado de esquerda

P. Você atacou o Aécio no debate e em uma entrevista disse que a Marina é a segunda via do PSDB. E a Dilma e o PT? Existe alguma estratégia de proteção ao PT para que nem Aécio e nem Marina ganhe as eleições?

R. Não há essa estratégia, embora haja uma caracterização de todo o PSOL de que o Aécio representa o retrocesso. E o PT representa um continuísmo conservador. A Marina, por ser a segunda via do PSDB, acaba sendo um retrocesso também. Mas o PT é um continuísmo conservador que também leva a retrocessos, porque atrás de uma esquerda que não é mais digna de ser chamada de esquerda, que é o caso do PT, a direita cresce. Eu não tenho uma estratégia prioritária de ataque ao Aécio ou à Marina e nem de proteção à Dilma. Eu tenho uma prioridade hoje em atacar a Marina porque muitos dos meus potenciais eleitores estão pensando em votar nela. Independente de eu chegar ou não no segundo turno, se eu tiver uma boa votação no primeiro turno essas bandeiras que eu defendo vão sair mais fortes.

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