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Francisco concede uma segunda vida ao banco do Vaticano

O Papa descarta seu fechamento da mesma forma que optou por não dissolver os Legionários depois dos casos de pederastia O Instituto para as Obras da Religião responderá sobre suas finanças ao Moneyval

Francisco durante uma visita em Roma.
Francisco durante uma visita em Roma.FILIPPO MONTEFORTE (AFP)

Há pouco mais de um ano, a Igreja católica tinha três grandes problemas que precisava solucionar urgentemente e que, em boa parte, provocaram a renúncia de Bento XVI. A desconexão total do Vaticano com os fiéis, os gravíssimos escândalos de pederastia e as lutas internas de poder, principalmente, até suas sempre escuras finanças. O primeiro problema foi solucionado por Jorge Mario Bergoglio antes inclusive de que a fumaça branca chegasse a se extinguir. Aqueles “boas tardes” e “rezem por mim” junto a uma insólita declaração de princípios —“como desejaria uma Igreja pobre e para os pobres”— despertaram um interesse mundial que continua crescendo. A pederastia e o dinheiro escuro eram assuntos bem mais graves e mais difíceis de resolver, mas o Papa Francisco tinha ante sim duas importantes decisões a respeito —a continuidade ou não dos Legionários de Cristo e o fechamento ou não do banco do Vaticano— que imprimiria sua marca na maneira de resolver os problemas.

Uma coisa é pregar e outra é dar exemplo

E sua solução, comunicada ontem, sobre o futuro do banco, chamado Instituto para as Obras da Religião (IOR) —fundado em 1942 e sempre acompanhado por escândalos— se parece muito à que adotou há pouco mais de um mês sobre os Legionários de Cristo, a congregação ultra-conservadora fundada em 1941 pelo abusador mexicano Marcial Maciel. Em ambos os casos, Bergoglio escolheu a rua do meio. Permitirá que tanto o banco do Vaticano quanto os Legionários continuem existindo, mas submetidos a estritos controles e sob a ameaça constante de seu desaparecimento caso não se sujeitem, em tempo e forma, às exigências definidas por Francisco, que colocou pessoas de sua confiança no interior da congregação e do banco.

A decisão sobre o banco do Vaticano foi anunciada ontem pelo cardeal australiano George Pell, o novo responsável pela economia do Vaticano: “O IOR continuará servindo com atenção e fornecendo serviços financeiros especializados à Igreja católica em todo o mundo. É significativo o serviço que o Instituto pode oferecer, apoiando o Santo Padre em sua missão como pastor universal e outras instituições e indivíduos que colaboram com ele em seu ministério”. Para isso, o cardeal Pell lembra que durante os últimos meses —mediante cada uma das ordens papais assinadas em agosto e novembro de 2013—, Jorge Mario Bergoglio introduziu “uma ampla e articulada estrutura legal e institucional” com o objetivo de “regular as atividades financeiras da Santa Sede e do Vaticano”. O IOR terá, pois, um espartilho duplo. Terá que se adequar aos novos e numerosos mecanismos de controle impostos pela Santa Sede e também responder ante Moneyval, o órgão de controle do Conselho da Europa contra a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo. Ao mesmo tempo que seus últimos relatórios reconhecem os “esforços significativos” da Santa Sede para submeter-se à regulamentação internacional, também adverte que ainda resta muito trabalho por fazer no terreno da transparência.

Um membro do alto clero acredita que caso uma corrupção seja confirmada, será eliminada pela raiz

A continuidade do banco do Vaticano, bem como a dos Legionários de Cristo, podem ter duas leituras. A mais crítica é que uma coisa é pregar e outra é dar exemplo. Há quem diga que caso visse o desaparecimento do IOR e dos Legionários —marcados para sempre pelos tropeços de seu fundador— teria uma confirmação definitiva de que Bergoglio chegou para mudar a Igreja. Mas também quem, longe de considerar uma debilidade ou um pacto com o velho poder da Igreja, veem na decisão de Francisco uma amostra indiscutível de seu poder. “Se o Papa decidiu”, explica um membro do alto clero, “que o IOR siga adiante é porque está muito seguro de que não voltará a ser uma fonte de escândalo. E está seguro porque exerce o poder. A gente o vê como um Papa bom, misericordioso, e é verdade. Mas também é um Papa forte. Podem voltar a acontecer, como não, casos isolados de corrupção, mas serão eliminados pela raiz, rapidamente, como aconteceu com o monsenhor Nunzio Scarano [detido pela suposta lavagem de quantidades muito grandes de dinheiro]”.

O sistema de Francisco —e novamente voltam a servir os exemplos dos Legionários de Cristo e do  IOR— passa pelo controle constante. O cardeal Pell anunciou ontem que o presidente do Conselho de Superintendência, Erns von Freyberg, nomeado em seus últimos dias como Papa por Joseph Raztinger, “finalizará seu plano para garantir que o IOR possa cumprir sua missão”, mas ao mesmo tempo deixou claro que as finanças do Vaticano estarão sob muitos focos a partir de agora.

O dinheiro da Igreja

  • O presidente do Banco do Vaticano, Ettore Gotti Tedeschi, redige um relatório com documentos que mostram suas suspeitas sobre algumas contas criptografadas. O economista, destituído de forma fulminante, achava que nelas se ocultava dinheiro sujo de empresários, políticos e chefes da máfia. O relatório somente seria divulgado caso fosse assassinado. Mas a polícia chegou primeiro e apreendeu o texto em junho de 2012.
  • Joseph Ratzinger nomeia o advogado Ernst von Freyberg presidente do Instituto para Obras da Religião, nome oficial do banco do Vaticano, em fevereiro de 2013.
  • O papa Francisco nomeia uma comissão de investigação sobre o banco do Vaticano, presidida pelo cardeal Raffaele Farina, em junho de 2013.
  • 48 horas depois, a promotoria de Roma ordena à Guarda de Finanças a detenção de Nuncio Scarano, um membro do alto clero do Vaticano conhecido como monsenhor 500, acusado de fraude e corrupção. Os pesquisadores suspeitam que os 20 milhões que Scarano pretendia levar da Suíça à Itália haviam sido evadidos do tesouro anos atrás.
  • O banco do Vaticano publica em outubro pela primeira vez um balanço anual, o de 2012, que indicou um benefício líquido de 86,6 milhões de euros, dos quais 54,7 foram aos cofres da Igreja.
  • O Papa aprova uma lei para garantir a transparência do banco do Vaticano em outubro.
  • O Papa encarrega à auditora Ernst&Young que controle as finanças em novembro.
  • A polícia prende Scarano em janeiro de 2014. O membro do alto clero havia criado um sistema de lavagem de dinheiro onde quantidades de dinheiro passavam por doações para os pobres. O Papa creia em fevereiro dois novos organismos para reforçar o controle das finanças: uma Secretaria e um Conselho para a Economia.

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