O genoma do tubarão esclarece evolução dos ossos e do sistema imunológico
Os primitivos vertebrados careciam dos genes das fosfoproteínas, que se unem ao cálcio
Estamos acostumados a imaginar a história do planeta como uma ascensão gradual aos céus da excelência biológica – representada por nossa espécie na maioria dos mapas –, mas o fato é que o passado está salpicado de inovações pontuais de especial importância: momentos brilhantes do nosso caminho biológico, sem os quais não existiríamos. Um desses marcos é a invenção evolutiva dos gnatostomados (Gnathostomata, literalmente: os que têm mandíbulas na boca), o grupo de vertebrados ao qual pertencemos, que inclui os mamíferos, as aves, os répteis e a maioria dos peixes. Até então só havia ágnatos, ou vertebrados sem mandíbulas.
Os gnatostomados são uma superclasse de grande sucesso, a ponto de representarmos 99,9% dos vertebrados vivos atualmente. Desde a nossa origem, não só contamos com uma mandíbula móvel muito útil para uma comidinha, como também com aletas pareadas em ambos os lados do corpo – das quais provêm nossos braços e pernas – e um prodigioso sistema imunológico, do qual ainda desfrutamos, apoiado nas imunoglobulinas, nos receptores das células T e em um complexo maior de histocompatibilidade, que custou Deus e o mundo para descrever e começar a compreender. A evolução sempre é mais inteligente que suas criaturas.
Como ocorreu essa crucial inovação histórica, ou pré-histórica? Como a evolução se apoia em mudanças no DNA, a forma ideal de responder a essa pergunta seria sequenciar (“ler”) o genoma do primeiro gnatostomado que nadou pelos oceanos ancestrais; mas isso ocorreu há mais de 400 milhões de anos, e a paleogenética, ou leitura direta do DNA fóssil, está muito longe de sonhar com essa proeza (o recorde de antiguidade está por enquanto três ordens de magnitude abaixo dessa cifra, à altura do homem de Atapuerca).
A seguinte melhor estratégia, que os evolucionistas moleculares têm aplicado com grande êxito nos últimos tempos, é sequenciar o genoma das espécies vivas atualmente, mas que provêm em linha direta dos primeiros representantes da família em questão. Os primeiros gnatostomados, por tudo o que sabemos, devem ter sido parecidos com os peixes cartilaginosos atuais, como os tubarões: peixes que, apesar de já contarem com mandíbulas, aletas pareadas e sistema imunológico, ainda não tinham inventado o osso propriamente dito, e possuíam ainda um esqueleto de cartilagem.
O primeiro genoma de um peixe cartilaginoso (o tubarão-elefante Callorhinchus milii) é apresentado nesta quarta-feira na Nature, com a intenção de esclarecer a evolução dos ossos e do sistema imunológico. O estudo diz que os vertebrados com mandíbulas, ou gnatostomados, são de dois tipos: os que têm um esqueleto de cartilagem, como os tubarões, e os que o têm de osso, como nós. O genoma do tubarão esclarece o que faltava aos primitivos cartilaginosos: os genes das fosfoproteínas, que se unem ao cálcio.
Os cientistas, coordenados pelo prêmio Nobel Sydney Brenner, do Laboratório da Genômica Comparada de Cingapura, e Wesley Warren, da Universidade Washington, em Saint Louis, e entre os quais se incluem Belén Lorente-Galdós, Javier Quilez e Tomás Marques-Bonet, do Instituto de Biologia Evolutiva (UPF-CSIC) e da Instituição Catalã de Pesquisa e Estudos Avançados (Icrea), demonstraram que, se você tirar esses genes de um vertebrado ósseo, como o peixe-zebra, o pobre animal perde o osso.
Os tubarões também carecem de genes essenciais para o sistema imunológico. O genoma do tubarão é o que apresenta a evolução mais lenta entre todos os vertebrados, e – precisamente por isso – servirá como um modelo genético ideal dos nossos ancestrais do passado remoto.
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