ONU diz que países devem dobrar metas climáticas para evitar “catástrofe”

Segundo a organização, programas atuais conduzem a um aquecimento de 2,7 graus. A entidade critica o fato de que menos de 20% dos gastos globais com a recuperação sejam realmente ‘verdes’

Incêndio em floresta de sequoias na Califórnia, no final de setembro.PATRICK T. FALLON (AFP)

Depois da parada forçada pela pandemia em 2020, a mudança climática está de volta ao topo da agenda internacional. O retorno é confirmada pela conferência de cúpula sobre o clima, que começa no domingo (31), na cidade escocesa de Glasgow. O fórum durará duas semanas. No entanto, o mundo chega à COP26, que teve de ser adiada por um ano devido à covid-19, com a mesma certeza que havia antes que o coronavírus paralisasse a economia mundial e fizesse alguns pensarem que as coisas fossem mudar também na luta climática: os planos de redução da emissão de gases de efeito estufa que os países têm sobre a mesa continuam sendo insuficientes para que o aquecimento fique dentro das margens mais seguras. As nações como um todo devem dobrar suas promessas de redução para esta década, segundo um relatório apresentado nesta terça-feira pelo Programa da ONU para o Meio Ambiente (Pnuma). A análise também destaca que apenas entre 17% e 19% dos investimentos realizados até o primeiro semestre deste ano para sair da crise econômica gerada pela pandemia são realmente verdes e ajudarão a reduzir a emissão de gases de efeito estufa.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, alertou que o mundo continua “caminhando para uma catástrofe climática”. E criticou a falta de liderança internacional nessa luta. “O futuro da humanidade depende de manter o aumento da temperatura global em 1,5 grau”, ressaltou. Manter o aumento da temperatura entre 1,5 e 2 graus em relação aos níveis pré-industriais é o principal objetivo do Acordo de Paris, de 2015. Todos os signatários apresentaram planos voluntários para reduzir suas emissões de efeito estufa ao selar aquele pacto. Mas o aquecimento médio já chegou já a 1,1 grau e a soma dos programas climáticos das nações não fica dentro da meta de Paris. Por essa razão, os países precisam aumentar seus esforços.

Cerca de 120 países atualizaram seus planos durante o último ano. Os novos programas preveem que as emissões sejam reduzidas em 7,5% a mais do que o nível com que os países tinham se comprometido um ano antes. No entanto, é necessária uma diminuição entre 22% e 50% maior do que as nações estabeleceram para 2030, segundo o relatório do Pnuma. Isso porque, por enquanto, esses planos conduzem o mundo para um aquecimento de 2,7 graus, bem maior que o dobro do registrado até agora. Quanto maior for o aquecimento global, mais violentos e frequentes se tornarão os fenômenos meteorológicos extremos, como ondas de calor e chuvas torrenciais.

Após décadas de emissões crescentes devido principalmente ao aumento incessante da queima de combustíveis fósseis, a mudança climática não pode ser revertida agora. O que se tenta há anos em encontros de cúpula como o de Glasgow é evitar os piores efeitos desta crise em que a humanidade já está. Para isso, as emissões devem ser reduzidas progressivamente até chegar a zero em meados deste século —a forma para conseguir que o aumento da temperatura fique entre 1,5 e 2 graus. No entanto, à medida que os anos passam sem ações contundentes, a janela de oportunidade para alcançar esse objetivo se fecha cada vez mais.

A meta para meados do século é zerar essas emissões. Mas os estudos científicos definiram o caminho a curto e médio prazo que o mundo deve seguir para ter uma alta probabilidade de evitar que a temperatura ultrapasse o limite de dois graus: para isto, em 2030 as emissões anuais da economia global devem ficar em torno de 39 gigatoneladas de CO₂ equivalente (a unidade de medida usada para os gases de efeito estufa). Para alcançar o objetivo mais ambicioso, o de não ultrapassar 1,5 grau, essas emissões devem ficar em 25 gigatoneladas. No entanto, na melhor das hipóteses, os planos climáticos atualizados dos países levam a emissões mundiais de 50 gigatoneladas.

Caminhões carregados de carvão no deserto da Mongólia que têm como destino a China, principal consumidor mundial desse combustível fóssil.UUGANSUKH BYAMBA (AFP)

“Sabemos que o futuro da humanidade depende de manter o aumento da temperatura global em 1,5 grau”, insistiu Guterres. “E sabemos também que, até agora, os países não estão conseguindo manter esse objetivo ao seu alcance”, acrescentou o secretário-geral. Anne Olhoff, a coordenadora do relatório, reconhece que a cada ano que passa “se torna menos realista” o cumprimento da meta de 1,5 grau. “E isso se tornará impossível dentro de alguns anos, a menos que a ação seja significativamente acelerada”, diz Olhoff ao EL PAÍS.

Os países devem aumentar novamente seus planos de corte de emissões nesta década, mas parece cada vez mais difícil que em apenas oito anos o ser humano consiga reduzir pela metade os gases de efeito estufa que expele. A pandemia, por exemplo, fez com que as emissões de CO₂, o principal dos gases que superaquecem o planeta, caíssem 5,4%. Mas a expectativa é que durante este ano elas voltem a disparar e retornem praticamente ao nível de 2019 por não ter ocorrido uma mudança estrutural na economia mundial.

Planos de longo prazo

A dificuldade do relatório são os planos para 2030. O lado mais positivo são os anúncios que muitos governo estão fazendo para meados deste século. Ao todo, 76 países apresentaram à ONU planos nos quais prometem chegar a 2050 com emissões líquidas zeradas —só poderão emitir gases que possam ser capturados por sorvedouros como as florestas. A eles se soma um número semelhante de países que estão anunciando objetivos parecidos para 2050 ou 2060, como fez a China há poucos meses e acabam de fazer países que normalmente nadam contra a corrente da luta climática, como Arábia Saudita, Rússia e Austrália.

O relatório da ONU assinala que, se fossem cumpridos todos os objetivos de longo prazo anunciados e apresentados pelos Estados, o aquecimento poderia ficar em 2,2 graus, bem mais perto da meta fixada pelo Acordo de Paris. O problema é que, em muitos casos, essas promessas de longo prazo não correspondem aos planos concretos de redução de emissões para esta década. Os especialistas da ONU assinalam que muito poucos programas nacionais estabelecem um “caminho linear” de redução de emissões para conseguir zerar as emissões líquidas. E apenas 11 países, entre eles a Espanha, têm uma lei nacional que obriga a atingir essa neutralidade de emissões. “Muitos dos planos climáticos nacionais atrasam a ação para depois de 2030, o que gera dúvidas sobre se podem ser cumpridos os compromissos de zerar as emissões líquidas”, afirma o Pnuma. “Doze membros do G20 se comprometeram com a meta líquida de zero, mas continuam sendo muito ambíguos”, acrescenta.

Guterres pediu que os países participantes da cúpula de Glasgow assumam a liderança nesta crise climática e ajudem a limpar o planeta de gases de efeito estufa em “todos os setores, da energia aos transportes, à agricultura e à silvicultura”. Solicitou também que eles se comprometam a eliminar gradualmente o carvão, para que já não seja usado nos países desenvolvidos em 2030 e nos demais em 2040. Além disso, o secretário-geral da ONU pediu o fim dos “subsídios para combustíveis fósseis e indústrias poluentes” e a fixação de um “preço para o carbono”. Por último, lembrou que os países desenvolvidos têm a obrigação de fornecer 100 bilhões de dólares (558 bilhões de reais) anuais em financiamento climático para as nações com menos recursos.

Metano e mercados de carbono

O relatório anual apresentado nesta terça-feira faz parte de uma série e é a edição número 12. O estudo tem uma parte específica sobre os benefícios de reduzir as emissões de metano − o segundo gás que mais contribui para o aquecimento global −, cuja concentração na atmosfera está disparando. A ONU lembra que se forem adotadas medidas técnicas de controle que já existem e têm baixo custo, essas emissões poderiam ser reduzidas em cerca de 20%. 

Outro assunto em que a edição deste ano se concentra é o dos mercados de carbono, que permitem intercambiar direitos de emissão (ou seja, que as emissões de efeito estufa sejam compensadas, por exemplo, por reflorestamento). Segundo o estudo, “os mercados de carbono podem oferecer uma redução real das emissões e impulsionar a ambição”. Mas o documento alerta que isso só será possível se houver normas “claramente definidas” e “projetadas para garantir que as transações reflitam as reduções reais das emissões e sejam respaldadas por acordos para rastrear os avanços e proporcionar transparência”. Na cúpula de Glasgow deve ser desenvolvido precisamente o artigo 6 do Acordo de Paris, que faz referência aos mercados de carbono.

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