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Por que Bolsonaro pediu desculpas a Bianca Santana, face da ação de jornalistas mulheres contra ele na ONU

Presidente acusou jornalista de divulgar 'fake news' e se desculpou, mas colunista do 'UOL' rebate: "Ele não se equivocou, ele violou direitos e provocou um dano à minha honra”

A jornalista Bianca Santanta
A jornalista Bianca Santanta, que representou 19 entidades em processo contra Jair Bolsonaro na ONU.João Benz
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É raro ver o presidente Jair Bolsonaro pedindo desculpas para alguém. Muito menos para uma jornalista mulher e negra. Mas um pedido aconteceu na noite desta quinta-feira, 30 de julho. Foi direcionado a Bianca Santana (São Paulo, 1984), que no último 7 de julho usou as seguintes palavras para denunciar o mandatário na 44ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU: “Em maio, o presidente da República me acusou [durante uma live no Facebook] de escrever notícias falsas. Esse ataque aconteceu na mesma semana em que escrevi um artigo mostrando a relação entre a família e os amigos de Bolsonaro com os acusados de assassinar a vereadora Marielle Franco”. Colunista do portal UOL, ela foi escolhida por 19 organizações da sociedade civil para ser a face de uma ação coletiva apresentada no organismo internacional contra o presidente por seus ataques a pelo menos 54 mulheres jornalistas desde que iniciou seu mandato.

Santana também processou Bolsonaro na área civil por danos morais. Quando mencionou o nome da jornalista, ele fazia referência a “reportagens de fake news”, segundo reconheceu nesta quinta em sua live semanal nas redes. “Tinha o nome dela lá embaixo, houve equívoco da minha parte”, explicou. “Não era da jornalista Bianca Santana, minhas desculpas por esse equívoco nosso. Inclusive já mandei retirar toda a live do ar. Da nossa parte não tem problema em se desculpar quando erra”, reiterou o mandatário.

A jornalista reagiu afirmando que “não foi meramente um erro”, uma vez que “na página em que está publicada a notícia lida” por Bolsonaro não consta seu nome. “Por que o presidente insiste com outra informação falsa? Bolsonaro não se equivocou, ele violou direitos e provocou um dano à minha honra”. Ela assegura ainda que seguirá “exigindo, individual e coletivamente” que os ataques sejam interrompidos. “Fico animada por meus pedidos no processo terem sido parcialmente atendidos pelo presidente antes mesmo do julgamento. Mas sigo com a ação judicial, que tem também o objetivo de inibir que Bolsonaro siga atacando jornalistas”.

O número ataques foi levantado pela Artigo 19, uma das entidades que apoiam a denúncia na ONU. Já a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), que também assina a ação, contabilizou 208 agressões a veículos e jornalistas em 2019, sendo o presidente responsável direto por 121. Neste ano, a relatora especial das Nações Unidas sobre a Violência contra a Mulher, Duvravka Simonovic, apontou em seu informe o crescimento em todo o mundo das intimidações e ameaças contra essas profissionais.

Assim como colegas de profissão atacadas pelo núcleo duro do presidente após publicarem reportagens incômodas, Santana está exposta a constrangimentos em massa nas redes sociais. Ela concilia seu trabalho de jornalista com sua militância na Uneafro e na Coalizão Negra por Direitos. Dois instrumentos que, para ela, servem para “a busca por justiça e igualdade”. Sua atuação profissional está voltada para as temáticas de gênero, de raça e do direito à educação, assuntos que recebem a artilharia de Bolsonaro e de seus apoiadores mais radicais. No final do ano passado seu celular foi invadido e, desde então, vem sofrendo com tentativas de mudanças de suas senhas na Internet.

Mais caro ainda para o bolsonarismo é o caso Marielle Franco, assunto que já deixou o presidente publicamente acuado em diversas ocasiões. “As redes bolsonaristas não costumam agir como em outros casos, me parece que pela sensibilidade do tema. Geralmente reagem levantando outra questão, como a facada. Marielle é um nome do qual me parece que eles têm muito medo”, opina Santana. A menção a seu nome ocorreu no dia 28 de maio, um dia depois do julgamento no Supremo Tribunal de Justiça que decidiu pela não federalização do caso. Ela participou da campanha que conseguiu 150.000 assinaturas pedindo para que o caso seguisse no Rio e escreveu um artigo no UOL em que questionava os interesses da família presidencial no assunto. “Quando ele falou meu nome na live, demorei a entender, parecia muito confuso. Será que era sobre mim mesmo? Ou será que ele estava com outro papel na mesa e se atrapalhou?, recorda.

Ela então se deu conta de que seu nome poderia estar sendo posto no radar dos influenciadores digitais da ultradireita. “Fiquei esperando assustada algum tipo de ataque virtual, o que não aconteceu”. Dias depois, após publicar um artigo questionando a menção a seu nome, o linchamento virtual começou. Chegou a receber quatro mensagens com ameaças de mortes. Também se intensificaram as tentativas de mudança de senhas na Internet.

Imprensa e racismo

Santana é uma profissional negra em um meio ainda dominado por brancos, mas que pouco a pouco começa a mudar. “O debate racial vem ganhando corpo no Brasil. Isso acontece nas editoras, nas universidades e também no jornalismo. Estamos ganhando massa crítica na imprensa”, opina. Mas o caminho ainda “é longo”. Ao analisar o olhar da imprensa brasileira sobre o assassinato de George Floyd por um policial branco nos Estados Unidos, ressalta a boa atuação de repórteres enviados à campo e como as análises apontam para o racismo como fator estrutural. No Brasil, essa mesma questão racial ainda é ignorada das análises, afirma. A Rede de Observatórios de Segurança Pública analisou mais de 7.000 ações policiais ocorridas em cinco Estados brasileiros entre junho de 2019 e maio de 2020. Apesar de pretos e pardos serem a maioria das vítimas, em apenas uma notícia sobre essas ações foi encontrada a palavra “negro”.

“De um lado eu conto o que aconteceu nos Estados Unidos, falo sobre o Black Lives Matter. Do outro continuo noticiando os casos de violência policial sem mencionar que o alvo é a população negra”, argumenta. “A imprensa pega um ou outro caso mais emblemático e afirma que pontualmente o Estado brasileiro assassinou um menino na favela. Ela contribui o tempo todo para que pareçam casos isolados”.

Para ela, o Brasil começa a se reconhecer como um país racista, mas ainda tem dificuldade de admitir que o povo negro sofre genocídio. “Dizem que é exagero falar em genocídio. Mas quando vemos que a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado, não tem exagero. Quando a polícia de São Paulo assassina durante a pandemia uma pessoa a cada oito horas, não tem exagero”.

Ela também lembra que, dias depois do assassinato de Floyd, um policial militar foi filmado pisando no pescoço de uma mulher negra na zona sul de São Paulo. O agente reproduziu a cena que rodou o mundo e gerou uma onda de protestos. “Olha o tamanho do absurdo, da brutalidade, e o quanto ele confia na impunidade. Ele tem tanta certeza de que não vai ser punido e de que aquilo é a política do Estado que ele faz mesmo naquele contexto [de comoção global]”, analisa. “Enquanto a gente seguir noticiando esse genocídio como caso pontual isolado, sem dar seu devido nome, a gente não vai alcançar o tamanho da brutalidade”.

Como mudar essa abordagem? Ela aponta para a crescente presença de repórteres negros nas Redações, “resultado das ações afirmativas na sociedade”, mas ressalta a necessidade de que haja também editores e chefes de redação negros. Isto é, “pessoas em posição de comando e que trazem um olhar estratégico”. Também destaca a importância de jornalistas não negros comprometidos com a pauta racial. “Não adianta ter na minha Redação um preto que cobre a temática racial. Eu preciso de jornalistas não negros que façam uma cobertura de qualidade dessa temática. Felizmente já temos vários bons exemplos”.

Ela também cita ações táticas do movimento negro no campo político pelo menos desde a criação do Movimento Negro Unificado (MNU), em 1978. Essas ações ganharam novo impulso no início do Governo Bolsonaro com a formação da Coalizão Negra por Direitos, que reúne 150 entidades, entre elas o próprio MNU. A campanha Alvos do Genocídio, por exemplo, é direcionada justamente para a imprensa e para a opinião pública. Santana também cita as denúncias feitas na Justiça brasileira e nos organismos internacionais. “Chamamos essa estratégia de litígio estratégico, que consiste em mobilizar esse aparato jurídico para que mudanças políticas aconteçam”. A Coalizão já denunciou Bolsonaro na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA e recentemente apresentou uma notícia crime no Supremo por sua gestão da pandemia de coronavírus. Nesta quinta, também anunciou que está colhendo assinaturas para apresentar um pedido de impeachment.

A denúncia contra o presidente na ONU por seus ataques a mulheres jornalistas —assinada também pela Coalizão— vai na mesma linha. Santana recorda que o organismo não tem poder sobre os Estados e não pode puni-los. Mas pode, sim, cobrar pela adoção de medidas. “Por que então fazemos a denúncia? Porque ainda temos uma Constituição e uma legislação a cumprir, um fio de institucionalidade que nos permite recorrer a todas as instâncias”.

As entidades que assinaram a ação contra o presidente

Agência de Notícias Alma Preta, Artigo 19, Casa Neon Cunha, Coalizão Negra por Direitos, Cojira-SP – Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial de São Paulo, Fenaj – Federação Nacional dos Jornalistas, Instituto Marielle Franco, Geledés – Instituto da Mulher Negra, Gênero e Número, IDDH – Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos, Instituto Vladimir Herzog, Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, Marcha das Mulheres Negras de São Paulo, Rede Nacional de Proteção a Comunicadores, Repórteres Sem Fronteiras, Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, SOF – Sempreviva Organização Feminista, Terra de Direitos, Uneafro Brasil.


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