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Governo Bolsonaro
Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

Não é só culpa de Bolsonaro que o mundo zombe do Brasil. É também de quem o mantém no poder

Seria o caso de se perguntar até quando as demais instituições do país continuarão a permitir que o Brasil continue sendo alvo de chacotas e ironias

Presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia.
Presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia.ADRIANO MACHADO (REUTERS)
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Além de triste, é injusto que o Brasil tenha passado de objeto de desejo fora de suas fronteiras a motivo de chacota, com todas as consequências que isso acarreta, como a grave crise econômica e moral que vive o país.

As patéticas imagens que chegam de Nova York, que mostram o presidente Jair Bolsonaro —na cidade para a Assembleia Geral da ONU— comendo um pedaço de pizza na rua, impossibilitado de entrar em um restaurante por não ter se vacinado, e também sua entrada no hotel pelas portas dos fundos por medo de encontrar jornalistas, já percorreram o mundo e são uma vergonha para o país.

Pouco importa o que Bolsonaro vai dizer em seu discurso inaugural na ONU. Essas imagens já disseram tudo e se relacionam mais a uma ‘República das Bananas’ do que ao quinto maior país do planeta e coração econômico da América Latina.

Seria o caso de se perguntar: até quando as demais instituições do país continuarão a permitir que o Brasil continue sendo alvo de chacotas e ironias por manter no poder um presidente que é alvo de mais de cem pedidos de impeachment no Congresso? As desculpas políticas para não abrir um processo contra o presidente, além de perigosas, são ridículas.

O fato de que as razões da baixa política prevaleçam para continuar a manter no poder um presidente rejeitado pela grande maioria da população —esa que apoia a abertura do impeachment— empobrece as demais instituições e partidos.

A passividade das forças políticas diante das investidas do Governo contra a democracia e a palpável incapacidade do capitão de governar um país da envergadura do Brasil podem, um dia, cair nas costas de outros. Outros que, podendo fazer isso, não tiraram do poder um personagem mundialmente reconhecido não apenas como genocida, mas, também, como alguém que está destruindo as riquezas ambientais que afetam todo o planeta, e envenenando a coexistência de milhões de pessoas cada vez mais empobrecidas que buscam ossos de animais nos mercados —já que a carne ficou só para as classes abastadas. É uma vergonha e uma humilhação para um país que, além de tudo, exporta alimentos para meio mundo.

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Hoje, o Brasil tem políticos preparados e capazes de presidir o país não só com competência, mas também com dignidade. Arrastar o país sem governo e sem prestígio internacional por mais um ano por causa das pequenas ou grandes intrigas da baixa política poderá contribuir para piorar ainda mais a grave crise econômica e para multiplicar no exterior a falta de credibilidade do Brasil.

Não podemos esquecer que a força do presidente da República no Brasil é muito expressiva e concentra muito poder, para o bem e para o mal. Portanto, a permanência no poder de alguém desacreditado dentro e fora de suas fronteiras e que está comprometendo o seu futuro implica uma responsabilidade das demais instituições.

A experiência nos lembra que, embora seja difícil construir um país com bases democráticas e econômicas sólidas, é muito fácil reduzi-lo a escombros pela incompetência ou arrogância de quem o governa. Que o Brasil se deteriora a cada dia que passa enquanto cresce a crise que o aflige e que poderia comprometer ainda mais seu futuro, não é mais um segredo. É uma evidência global.

Que quem tem o poder continua a fechar os olhos à deterioração do país e a tapar os ouvidos ao clamor da maioria, que segundo todas as pesquisas pede uma mudança de poder, poderia acabar sendo trágico para os pobres e os ricos, já que todos acabam perdendo com um presidente e um Governo que claramente se mostram incapazes de tirar o país do inferno.

Agora, pouco importa o que o presidente brasileiro possa dizer na ONU, onde já é objeto de descrédito e de medo, visto como alguém que possa arrastar o nazifascismo à terceira maior democracia do mundo.

O simbolismo negativo do presidente e sua comitiva oficial comendo pizza na rua de NY e entrando no hotel pelos fundos como um fugitivo, para escapar das perguntas dos jornalistas, anulam as palavras de seu discurso, que já perderam toda a força e respeito.

Juan Arias é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como ‘Madalena’, ‘Jesus esse Grande Desconhecido’, ‘José Saramago: o Amor Possível’, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente.

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