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Coluna
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Rejeição à vacina mostra que a xenofobia contra a China chegou para ficar

Bolsonaro não será o último político brasileiro a fomentar um sentimento anti-China entre seus seguidores

Manifestante bolsonarista caminha sobre cartaz durante protesto em frente ao consulado chinês no Rio de Janeiro contra uma suposta conspiração do país asiático para espalhar a covid-19 pelo mundo
Manifestante bolsonarista caminha sobre cartaz durante protesto em frente ao consulado chinês no Rio de Janeiro contra uma suposta conspiração do país asiático para espalhar a covid-19 pelo mundoPILAR OLIVARES (Reuters)
Oliver Stuenkel

A oposição de Jair Bolsonaro à aquisição da vacina desenvolvida pela empresa chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, questionando a credibilidade do imunizante “pela sua origem”, simboliza a transformação irreversível da relação bilateral entre o Brasil e o gigante asiático.

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FILE - In this Friday, July 24, 2020 file photo Brazil's President Jair Bolsonaro, who is infected with COVID-19, wears a protective face mask as he talks with supporters during a Brazilian flag retreat ceremony outside his official residence the Alvorada Palace, in Brasilia, Brazil. Before President Donald Trump contracted the coronavirus, British Prime Minister Boris Johnson and Brazilian President Jair Bolsonaro both fell ill with COVID-19. If their experiences are any guide, there’s no guarantee Trump will be changed by COVID-19. (AP Photo/Eraldo Peres, File)
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Até recentemente, a China ―o maior parceiro comercial do Brasil há mais de uma década ―vinha conseguindo evitar a politização de sua crescente presença no país. Apostando em um perfil discreto, os diplomatas chineses ficavam longe dos assuntos internos e eram hábeis em se manter fora do radar do debate público brasileiro ―uma estratégia facilitada pela constante superexposição dos Estados Unidos na discussão local.

A situação mudou em 2018, quando um político brasileiro com projeção nacional farejou a oportunidade de pintar a ascensão chinesa como uma ameaça a fim de mobilizar seus seguidores. Em março daquele ano, o então presidenciável Jair Bolsonaro visitou Taiwan e tuitou que suas recentes viagens internacionais deixaram “cada vez mais claro o norte que queremos para o nosso Brasil, algo bem diferente do que foram os governos anteriores, simpáticos a regimes comunistas (...)”. Acusou a China de querer “comprar o Brasil” e escolheu Ernesto Araújo como chanceler, que alertou para os perigos da “China maoísta” e de seus planos de dominação mundial.

A ideia de atiçar o sentimento antichinês está longe de ser inovadora: é um velho truque, usado antes mesmo do país se tornar comunista. Em 1882, por exemplo, o China Exclusion Act proibiu a imigração de cidadãos chineses para os Estados Unidos em meio a uma onda de sinofobia na Califórnia, que envolveu frequentes ataques contra os recém-chegados. Apesar de surtir pouco efeito, a medida foi popular entre americanos que temiam a concorrência de imigrantes chineses. Mais de cem anos depois, a sinofobia foi central para a vitória de Donald Trump em 2016. Na África, populistas em busca de um bicho-papão usam esse mesmo roteiro há anos. Em 2006, o candidato populista à presidência da Zâmbia Michael Sata atacou a China de maneira tão feroz que o então embaixador chinês ameaçou cortar laços diplomáticos caso ele vencesse. Em seus discursos, Sata prometia se aproximar de Taiwan e chamava os investidores chineses de “infestadores”. Ele foi derrotado em 2006, mas acabou chegando ao poder em 2011.

Nos primeiros meses do governo Bolsonaro, Hamilton Mourão e Tereza Cristina conseguiram a duras penas remendar o estrago do presidente. Juntos, o vice-presidente e a ministra da Agricultura se tornaram a Guarda Pretoriana da relação bilateral. Mas a diplomacia chinesa nunca se iludiu com a eficácia desses panos quentes. Mesmo no auge dessa aparente harmonia, quando o presidente Xi Jinping veio a Brasília para a décima-primeira cúpula dos Brics, era evidente que o bolsonarismo continuava fomentando um discurso anti-China entre seus seguidores e trabalhando para enraizar a sinofobia na política nacional.

Após as tentativas de Eduardo Bolsonaro e do então ministro da Educação Abraham Weintraub de culparem a China pela pandemia, em abril deste ano, Pequim deixou as sutilezas diplomáticas para trás e partiu para o contra-ataque. Os comentários daquelas duas figuras centrais do governo foram o primeiro passo da estratégia para eximir Bolsonaro das responsabilidades pela crise econômica que já chegou e ainda deve se aprofundar.

Em artigo para o jornal O Globo, endereçado ao filho do presidente, o cônsul-geral chinês perguntou se o deputado tinha recebido “uma lavagem cerebral dos Estados Unidos”, chamou-o de “ignorante” e ameaçou: “Se algum país insistir em ser inimigo da China, nós seremos o seu inimigo mais qualificado!”. Mais tarde, o ministro-conselheiro Qu Yuhui acusou Bolsonaro e Weintraub de terem feito “declarações irresponsáveis” relacionando seu país ao novo coronavírus e de terem jogado “gasolina na fogueira da xenofobia”.

Se os laços econômicos e políticos com os Estados Unidos já têm um longo histórico de politização, a relação com a China estava à salvo dessa interferência até pouco tempo. Enquanto acordos com Washington sempre renderam a pecha de entreguismo por parte de alguns opositores, negociar com a China costumavam representar um risco menor. O bolsonarismo encerrou essa fase. Basta lembrar do modo como Olavo de Carvalho atacou uma comitiva de parlamentares do PSL por ter visitado a sede da empresa chinesa Huawei, em janeiro de 2019. Do mesmo modo, Hamilton Mourão é rotineiramente chamado de “comunista” por bolsonaristas radicais desde que tentou salvar as relações com Pequim.

Como ocorre há muitos anos com o antiamericanismo, a sinofobia será uma ferramenta de mobilização atraente demais para que populistas a deixem de lado. Essa projeção de ameaças reais ou imaginárias complicará as decisões estratégicas que os governos brasileiros terão de tomar no futuro próximo, afetando questões práticas como a construção da rede de telecomunicação 5G.

Neste novo cenário, sempre haverá um risco político em qualquer articulação com a potência asiática. A decisão inesperada de Bolsonaro em relação à vacina é um exemplo brutal de um fenômeno que ainda deve se repetir muitas vezes.

Políticos e empresários brasileiros e chineses terão de levar essa nova realidade em consideração. A tendência trará complicações adicionais a casos como o da Embraer, por exemplo, que busca um parceiro alternativo na China após o fracasso da fusão com a Boeing. O aumento da influência econômica chinesa na América Latina e as tensões cada vez mais agudas entre Washington e Pequim devem agravar esse quadro nos próximos anos.

Em abril, Pequim aprendeu que respostas duras aos ataques do governo brasileiro dificilmente resolverão o problema. Pelo contrário: para ministros do governo brasileiro, falar mal da China tornou-se uma espécie de prova de lealdade ao bolsonarismo radical, e procurar briga com o país pode até ajudar ministros em apuros a manterem seus cargos. Assim como atacar os Estados Unidos já foi a melhor forma de galgar posições no governo chavista da Venezuela, provocar a China tem sido a primeira tentativa de figuras como Weintraub quando estão prestes a perder apoio.

Muito mais do que uma aberração, a recente politização das relações com a China é o novo normal. Esta semana, o monstro despertado por Bolsonaro pressionou o presidente pelo cancelamento da vacina. A franja lunática que compõe parte importante de sua base gostou da moda sinofóbica e já não se deixa controlar nem pelo presidente, nem pela pandemia. Mesmo se Bolsonaro optasse por parar de demonizar o país asiático, já não haveria volta.

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