Bolsonarismo ou progressistas? Quem larga na frente nas municipais

Trio de cientistas políticos analisa o impacto do fim das coligações, a pandemia e os cenários para 2022

Apoidores de Bolsonaro se manifestam ao lado de carro com faixa contra o presidente, próximo ao Congresso Nacional, em Brasília, em 13 de junho.ADRIANO MACHADO (Reuters)
Debora Gershon João Feres Jr Fabiano Santos

A pandemia de covid-19 mudou o calendário eleitoral de 2020 não apenas no Brasil. Muitos países postergaram a realização de eleições locais e nacionais em consonância com medidas restritivas de deslocamento e aglomeração, necessárias ao combate da propagação da doença. De acordo com informações da International Foundation for Electoral Systems , somente até maio, pico da pandemia em diversas localidades, quase 90 eleições haviam sido adiadas em 53 países. Na maior parte dos casos, optou-se pelo adiamento por curto período...

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A pandemia de covid-19 mudou o calendário eleitoral de 2020 não apenas no Brasil. Muitos países postergaram a realização de eleições locais e nacionais em consonância com medidas restritivas de deslocamento e aglomeração, necessárias ao combate da propagação da doença. De acordo com informações da International Foundation for Electoral Systems , somente até maio, pico da pandemia em diversas localidades, quase 90 eleições haviam sido adiadas em 53 países. Na maior parte dos casos, optou-se pelo adiamento por curto período de tempo e foi desconsiderada a ideia de prorrogação de mandatos.

No Brasil, a proposta de prorrogação de mandatos combinada à de unificação dos pleitos em 2022, defendida especialmente pelo deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG), chegou a ser objeto de debates na Câmara, mas foi derrotada. Segundo seus defensores, tal medida reduziria custos eleitorais. Contudo, seus efeitos seriam potencialmente adversos para o regime democrático, uma vez que as lógicas que regem eleições municipais e federais são bastante diversas. Nas primeiras, a pauta é eminentemente local e diz respeito ao cotidiano da vida das pessoas. Já as eleições federais, e mesmo estaduais, trazem questões mais complexas e de amplo escopo. Sua combinação imporia um custo informacional elevado para os eleitores, com impacto negativo sobre a qualidade do voto. Outro efeito adverso seria a extensão dos mandatos sem qualquer respaldo popular. Tal medida roubaria legitimidade das instituições políticas, que já sofrem com enorme desgaste perante a opinião pública.

Apesar de mantido o princípio democrático da alternância, as eleições municipais de 2020 serão atípicas, com alguns efeitos passíveis de antecipação. A pandemia tem potencial para mudar significativamente o formato das campanhas locais, com intensificação do uso de mídias digitais. Campanhas municipais são, em comparação às federais, mais dependentes de ações diretas de rua, como panfletagem, abordagem direta de cabos eleitorais, discursos, comícios, carreatas, etc, muitas delas geradoras de aglomerações. As restrições impostas pela covid-19 afetam a capacidade de engajamento em campanhas com esse formato, fortalecendo assim atores mais afeitos à mobilização virtual. Também é possível antever queda na taxa de comparecimento às urnas, com provável manutenção do viés de classe de menor presença da população de mais baixa renda.

Fim das coligações

A esses fatores conjunturais, soma-se um fator estrutural de mudança: o fim das coligações em eleições proporcionais. A aplicação inédita, este ano, da regra aprovada em 2017 objetiva eliminar a fragmentação partidária artificial que as coligações produzem ao assegurar cadeiras para partidos que, sozinhos, não teriam conquistado votos suficientes para eleição de vereadores e deputados. Partidos pequenos vinham fazendo uso sistemático de coligações para elegerem seus candidatos, já que partidos coligados tinham votos somados e, por conseguinte, maiores chances de ultrapassar o quociente eleitoral ou conseguir boa votação para a distribuição das sobras.

Uma análise rápida dos dados de 2016 ajuda a ter maior clareza sobre o tamanho do impacto do fim das coligações na representação partidária municipal, mantido o entendimento de que os partidos agora podem lançar, individualmente, 150% do número de vagas da Câmara em disputa, embora a comparação com 2016 não seja rigorosamente acertada. A mudança da regra é acompanhada por mudança de racionalidade na condução das candidaturas.

Foram mais de 430.000 candidatos a vereador nas últimas eleições, 85% dos quais concorrendo por coligações ―os partidos que concorreram isoladamente em 2016 estão em situação semelhante àquela que será observada com a vigência das novas regras. Dentre os que se elegeram por quociente partidário, em média, apenas 8% o fizeram por força eleitoral exclusiva do seu partido, ou seja, 92% concorreram por partidos coligados a outras legendas. O quadro não é diferente em eleições anteriores.

Para além do efeito sobre a composição partidária das câmaras municipais, o fim das coligações também terá impacto sobre as candidaturas às prefeituras, inclusive sobre blocos partidários tradicionalmente alinhados do ponto de vista ideológico. Na contramão da expectativa gerada para os cargos legislativos, haverá maior fragmentação da competição, tendo em vista que partidos menores terão mais incentivos para apresentação de candidaturas isoladas que puxem votos para os vereadores da legenda. Com o tempo, todavia, é grande a probabilidade de haver acomodação em torno de partidos com maior sustentação popular ―o que contribuirá para a correção de distorções na representação (partidos que elegem quadros em função dos votos de outros) e diminuição dos custos transacionais tanto internos às câmaras legislativas municipais quanto entre câmaras e executivos municipais, com impacto positivo na montagem de coalizões legislativas e de governo.

Perspectivas de sucesso partidário e influência de Bolsonaro

Do ponto de vista do sucesso eleitoral dos partidos em 2020, alguns fatores devem ser considerados. Em primeiro lugar, há uma inflexão política à direita no comportamento dos eleitores brasileiros, com crescimento, inclusive, do número de filiados a partidos desse campo ideológico. Partidos menos tradicionais, no entanto, tais como Patriota, Avante e Cidadania têm, comparativamente, poucos recursos do fundo partidário para impulsão de suas campanhas, à exceção do PSL, partido que mais recursos recebeu este ano. Ademais, partidos de esquerda em cenário de provável fragmentação das candidaturas têm viabilidade eleitoral menor, estando, portanto, mais reduzidas as suas chances de ida ao segundo turno em cidades médias e grandes. Por fim, Bolsonaro mantém posição de seguir afastado da disputa municipal, embora tenha aderido à campanha em municípios chave, como Rio de Janeiro e São Paulo.

A questão mais geral sobre a influência de Bolsonaro nas eleições municipais é de difícil avaliação. O presidente tem popularidade hoje na casa dos 37%, vem construindo novas alianças e tem feito uso de estratégias controversas de redução da competitividade de seus adversários. É bom lembrar, contudo, que ele se elegeu fazendo campanha pouco ortodoxa, com baixíssima utilização de estruturas partidárias para a campanha direta, utilização pesada de comunicação via redes sociais e serviços de mensageria (WhatsApp) e apoio capilar de comunicadores evangélicos. Não está claro se os candidatos apoiados pelo presidente nos municípios terão condições ou mesmo disposição de adotar as mesmas estratégias de comunicação e se elas, caso sejam adotadas, surtirão o mesmo efeito no contexto local.

As eleições municipais serão laboratório importante para observar o comportamento do PSL, legenda que elegeu o presidente, e do PT. O PSL nasceu praticamente em 2018, com a eleição do presidente e a conquista de 52 cadeiras na Câmara dos Deputados (em 2014, o partido tinha apenas 1 parlamentar na casa). Vale observar se o partido conseguirá ganhar capilaridade regional, a despeito dos muitos conflitos entre seus membros e Bolsonaro. O PT, por sua vez, experimentou queda acentuada do número de prefeitos e vereadores eleitos em 2016, em virtude do decréscimo de confiança por parte de eleitores, mas também da migração partidária de candidatos que passaram a temer a força do antipetismo nas urnas. A natureza dos temas em debate nas eleições locais, especialmente em tempos de pandemia, pode contribuir para uma narrativa mais programática por parte do partido, deslocando a atenção do eleitor da pauta nacionalizada da “corrupção”, central no discurso antipetista.

Condições financeiras para tanto haverá. O PT é o segundo partido com maior destinação pública de recursos. Se houver recuperação relativa do partido nas eleições municipais, há alguma possibilidade de fortalecimento de sua militância, bem como de suas bases regionais para 2022.

Eleições de 2022 à vista

Os resultados das eleições de 2020 são, contudo, um preditor fraco dos resultados das próximas eleições presidenciais. Já mencionamos que eleições nacionais e locais têm diferenças significativas em termos de organização partidária, estratégias comunicacionais e resultado eleitoral. O caso do PT é bastante ilustrativo. Os resultados pouco expressivos de 2016 no âmbito municipal não se refletiram no rendimento das candidaturas do partido à Câmara dos Deputados em 2018 ―o PT fez bancada de 55 deputados, a maior – nem à presidência da república― seu candidato, Fernando Haddad, foi para o segundo turno do pleito e Lula, quando candidato, no começo da campanha, liderava as pesquisas de intenção de voto. De qualquer modo, os resultados dos pleitos municipais terão papel fundamental nos rearranjos político-partidários que ocorrerão até 2022.

Débora Gershon é cientista Política. Doutora (IESP/UERJ) e mestre em Ciência Política (IUPERJ), com pós-doutorado pela University of California, San Diego (UCSD), onde atuou como Pesquisadora Visitante. É pesquisadora do Observatório Legislativo Brasileiro (OLB) e representante legal da Poliarco Inteligência Política.

João Feres Jr. é professor associado, pesquisador e atual diretor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ), doutor em Ciência Política pela City University of New York, Graduate Center, coordenador do Observatório Legislativo Brasileiro (OLB) e do Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP).

Fabiano Santos é professor associado e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ), doutor em ciência política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ/1994), coordenador do Grupo de Pesquisa “Núcleo de Estudos sobre o Congresso” (NECON) e do “Observatório Legislativo Brasileiro” (OLB), ambos do IESP/UERJ. Pós Doutorado pela Universidade da Califórnia em San Diego, é professor visitante desta mesma instituição.

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