Choque de amor, tratamento para mães em quarentena

Essa pandemia escancarou aquilo que quem tem filhos sempre soube: todo mundo precisa de cuidado

Mulher recebe flores e mantimentos durante ação social no Harlem, em Nova York, para o Dia das Mães.STEPHANIE KEITH (AFP)

Vou contar uma pequena história pra vocês.

Eu estava de humor duvidoso desarmando uma cabaninha feita pelas crianças com todas as cobertas e almofadas existentes na casa, quando o interfone tocou —o que, no meio de uma quarentena, é sempre um susto e tanto. Os meninos gritaram, eu saí correndo.

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Atendi, e era minha irmã dizendo “oi, Cá”. Eu, sem ideia de qual é o novo protocolo de amor e de educação ao interfone nestes tempos pandêmicos, só pude recorrer ao velho: “Abro pra você subir?”. Ela disse que não, que eu abrisse só pra ela colocar uma coisa no elevador, que eu deveria pegar aqui no meu andar.

De pijama, roupão felpudo de onça e cara de louca, abri o elevador e vi uma sacola cheia de coisas deliciosas junto a uma flor com um recado sobre eu ser a melhor mãe do mundo ou algo assim. Batimentos acelerados, lágrimas nos olhos, boca de palhaço só que virada pra baixo. Choque de amor.

Os meninos saíram correndo atrás de mim, pegaram tudo da minha mão e levaram pra cozinha. Enquanto isso, eu, atrapalhada, procurava meu celular pra gravar uma mensagem de agradecimento pra minha irmã.

Entrei no apartamento, e um estava com dois brigadeiros na boca e o outro abriu um chocolate de 500 gramas e já estava na metade. Não tive tempo nem de olhar o que tinha dentro da sacola. Minhas lágrimas de emoção viraram mandíbula travada de raiva em milésimos de segundo.

Espantei os urubus a passo de safanão e sentei pra chorar, agora sim, com gosto.

Todas as pessoas mais próximas de mim sabem, claro, que estou fechada em casa há oito semanas com meus dois filhos, só nós. É uma loucura. Mas, vejam bem, não é uma loucura diferente da de todos os dias. Só é em dose concentrada. Minhas dificuldades e defeitos escancarados nesses 50 e tralalá dias são os de sempre, assim como minhas vantagens e talentos pra vida, doméstica e em geral.

Ser mãe é isso. É receber presentes maravilhosos que os seus filhos têm a pachorra de roubar de você. Arrumar a casa tomando uma taça de vinho (no meu caso), levar esculacho no homeschooling dia sim, dia também, e achar importante fazer lição junto. Beijar com gosto os filhos que você, dois segundos depois, quer trucidar.

Não existe mãe boa. Existe aquela que fica. A que acorda. A que quer trucidar, mas no fim não trucida. A que leva resposta atravessada e range os dentes, engole o sapo, e ainda acha barato. A que faz, porque tem que fazer, caramba. Que conta com a ajuda, de onde ela vier, porque precisa, mas que não delega —não espera a iluminação do outro. Ser mãe é não esperar ninguém dar o primeiro passo.

Minha mãe é uma mãezona, e digo isso porque ela sempre esteve ao meu lado quando o bicho estava prestes a pegar. Confio nela por algumas encarnações. Desconheço o gosto de seu bolo de fubá, se é que um dia ela já fez um, e dela não obtive só palavras moles. O mesmo vale para a minha vó Alice, cuja máxima “quem tem mãe, não tem medo” guia minha vida —de filha e de mãe.

Minha irmã tem filhos, mas não precisaria ter para possuir esse sentimento materno de cuidar e amparar quem precisa. Ela é uma linda mãe.

Aliás, ninguém precisa querer a maternidade. Importante o aparte.

Não desejem feliz Dia das Mães pelo motivo errado, eis o motivo dessa historinha.

Tudo ao redor da maternidade é difícil e por vezes caótico, mas também verdadeiro e duradouro —e ainda por cima catalisado por muitos momentos de alegria e coragem.

Feliz Dia das Mães? Ok. Mas pra que servem as mães? Do que elas precisam?

Pensemos nisso individualmente. Também como sociedade. Essa pandemia escancarou o que quem é mãe sempre soube: todo mundo precisa de cuidado.

Te amo, Ju. Te amo, mãe.

Agora vou correr pra cozinha antes que os dois infelizes que moram comigo abram a garrafa de vinho.

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