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O ano em que os beijos foram virtuais

lalalimola
Belinda Saile

Vamos fazer uma viagem, mesmo que nestes dias de confinamento pelo coronavírus seja um mero exercício mental. Vamos ao sul da Suécia para passear por uma maravilhosa floresta de faias que a Fundação Wanas encheu de obras de arte de criadores como Marina Abramovic e Yoko Ono. Avançamos entre esculturas de árvores metálicas, misteriosas silhuetas humanas e bolas vermelhas gigantes suspensas nas copas. E de repente um grito. “Mamma”, ouve-se uma voz. Depois outra. E outra. E outra. Vozes de crianças e de adultos, em um tom doce ou divertido, mas também com medo, irritação, dúvida... Uma única palavra. Multidão de mensagens. É de arrepiar, acredite em mim. A instalação sonora da artista sueca Marianne Lindberg De Geer provoca uma espécie de reação atávica mesmo naquelas que não são mães.

Hora de aterrissar novamente no chão da nossa casa, o único que a maioria pisará, enquanto as estatísticas da covid-19 não melhorarem. Tudo muito estranho. Mas continuamos com as mães, porque o Dia das Mães também promete ser estranho. Sem beijos nem abraços, só pode ser estranho. Uma observação positiva: embora continuemos em quarentena neste dia 3 de maio (na Espanha a festa acontece no primeiro domingo desse mês desde os anos sessenta, no Brasil, desde 1932 o Dia das Mães é comemorado no segundo domingo do mesmo mês, mas no resto do mundo existem mais de vinte datas diferentes), as flores podem ser compradas online. Mas não se engane, as filas virtuais são caprichosas e é impossível furá-las. Para as crianças a coisa também fica um pouco mais complicada sem professores para organizar a confecção do presente (o do Dia dos Pais –que na Espanha foi comemorado em 19 de março– foi trazido por muitas delas no último dia de aula graças a alguns professores previdentes).

Flores? Presentes? Então, tudo continua como sempre?

Muitos de nós estamos separados de nossas mães nestes dias. Mais perto ou mais longe do que nunca física, mental e emocionalmente. Alguns ligam para ela todos os dias para terem certeza de que não há tosses suspeitas. Pode ser algo assim: “Como você está, mamãe? Você não está saindo na rua, certo?”. Outros telefonam muito, mas não diariamente, porque tantos conselhos de saúde e receitas para estar em boas condições físicas e mentais não podem ser assumidas nem materializadas em 24 horas. “Te mandei uma lista de Spotify com músicas relaxantes. Você está comendo bem?”. “Sim, sim, mamãe”. Também haverá quem tenha a mãe sem muitas possibilidades de comunicação, internada pela Covid-19 em algum hospital, ou, dói até imaginar, que tenha tido que se despedir dela por estes dias, de longe, para sempre. Maldito vírus. Outros a terão em casa, mais perto do que nunca, as 24 horas do dia.

Conclusão: nada continua igual.

Mas o que é ser mãe? “Mãe: 1. Mulher que concebeu ou deu à luz um ou mais filhos. 2. Mulher em relação com seus filhos. 3. Mãe considerada em sua função protetora e afetiva. 4. Mulher que exerce o papel de mãe”, aponta o Dicionário da Real Academia. Óbvio demais. Eu pergunto aos meus filhos. “Mãe é muitas coisas”, diz meu filho de oito anos, pensativo. “Ela é a pessoa que está sempre lá quando preciso dela”, diz minha filha de 11. “É a forma de amor mais honesta, incondicional e bestial que existe”, acrescenta uma amiga psicóloga. “É quem sempre me acompanhou sem nunca reclamar de nada”, insiste outra amiga, que acaba de perder a dela, e que diz que se tornar mãe mudou completamente suas prioridades na vida.

Vou aos grupos de bate-papo das mães da escola e, para não arrumar confusão, peço que me digam quais palavras ou conceitos elas associam a ser mães. Bing, bing, bing... Rapidamente começam a chegar mensagens sem parar (aqui está uma seleção): flexibilidade, generosidade, multifunções, heroína, abrigo, surpresa, incerteza, felicidade, improvisação, ternura, alegria, irritação, instinto, medo, sacrifício, amor, superação, segurança, carinho, respeito, proteção, força, ansiedade, risos, paciência, lágrimas, paz, adaptação, aceitação, aventura, apoio, orgulho, constância, reinvenção, loucura, aprendizado, coragem, vida, bondade, caminho, família, dedicação, entusiasmo, lar, vínculo... Aquele “mãe é muitas coisas”, que parecia uma resposta para resolver a situação, revela-se digno de um filósofo. Talvez existam tantas definições quanto mães. Na Espanha são cerca de 13 milhões. “Somos maravilhosos”, conclui uma mãe no bate-papo diante de semelhante demonstração.

O psicanalista Erich Fromm disse que o amor de uma mãe é felicidade e paz, e acrescentou que não deve ser conquistado nem merecido. Desde que os gregos antigos renderam homenagem a Rea, mãe de Zeus, Poseidon e Hades, ou a ativista norte-americana Julia Ward Howe promoveu a homenagem a essas mulheres no século 19, mostrar afeto às mães ou àquelas que exercem esse papel é uma tradição. “Doce como o tímido frescor / do sol nas regiões de tempestade, / lampadazinha pequena, / se apagando, / incendiando-se / para que todos vejam o caminho”, escreveu o poeta Pablo Neruda sobre sua madrasta. Ele a chamava de “Mamadre”.

Então, que homenagem fazemos a elas nesta primavera [no hemisfério norte] estranha de coronavírus? Um aplauso das varandas? Uma enorme videoconferência familiar? Algo nos ocorrerá. “Mamãe, mas o Dia das Mães é todo dia”, diz minha filha, talvez um pouco preocupada com a questão do presente. “Você tem toda a razão”. “Eu amo você, mamãe”. Algumas palavras têm superpoderes.

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