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Na zona de exclusão do vulcão de La Palma, um reino de cinza e edifícios abandonados

Arredores do cone oferecem visão apocalíptica da ilha, com casas e vinhedos cobertos por uma enorme camada de cinzas, centros turísticos desolados e estufas demolidas

Um agente em frente a edifícios em Las Manchas, na zona de exclusão ao redor do vulcão de La Palma, nesta quarta-feira.
Guillermo Vega

Uma paisagem desoladora se revela depois que a Guarda Civil permite a passagem. Trata-se da zona de exclusão do vulcão Cumbre Vieja, em La Palma. Em poucos quilômetros, o frondoso arvoredo que margeia o caminho cede o protagonismo a profundos barrancos de lavas centenárias, renovadas pelo manto piroclástico que o interior da Terra tornou a vomitar. Pelo caminho, povoados vão se sucedendo (Jedey, Las Manchas de Abajo, Las Hoyas), e todas elas oferecem o mesmo cenário de casas abandonadas às pressas e cobertas por um novo inquilino indesejado: as cinzas. Em todas estas áreas, as estradas há semanas perderam as linhas que delimitam suas margens. Os bares, outrora ponto de reunião dos moradores, estão fechados a sete chaves, alguns com as mesas ainda deixadas ao ar livre. A densa poeira vulcânica que veio flutuando do cone eruptivo afundou os telhados de boa parte das muitas estufas de bananeiras e abacateiros; os ramos dos vinhedos mal conseguem despontar na superfície para respirar. E, ao fundo, os incansáveis rugidos do cone.

Este costumava ser, até 40 dias atrás, um tranquilo entorno agrícola onde haviam proliferado o turismo rural e as casas de veraneio. Agora, as únicas pessoas que transitam por aqui são os agentes da Guarda Civil, os bombeiros e os técnicos contratados pelo Governo das ilhas Canárias para instalar um improvisado sistema de irrigação. Às vezes, algum morador aparece para recolher equipamentos. Vão sempre acompanhados. Enrique Pérez é um dos que conseguiram entrar em sua casa, na localidade de Camino Cabrejas. Na segunda-feira passada, fazia fila em frente ao posto de controle da Guarda Civil,dentro de um táxi-minivan. “Pretendo limpar a cinza na casa da minha avó, que mora lá embaixo, e regar as plantas. Mas estou com medo do que vou encontrar.”

Estrada abaixo, à medida que se aproxima o litoral, o panorama ganha matizes apocalípticos. Puerto Naos, a localidade turística por excelência do município de Los Llanos de Aridane, assemelha-se agora a uma dessas cidades-fantasmas dos velhos faroestes. Esta zona costeira foi pioneira na indústria turística da ilha de La Palma graças ao seu frequente bom tempo e o verde proporcionado pelos inúmeros bananais. Pouco resta daquilo. Turistas e moradores foram retirados em uma hora e meia, logo depois do início da erupção, em 19 de setembro. Passados 40 dias, as ruas estão desertas; os estabelecimentos comerciais, fechados. No chão, em cartazes e balaustradas, a eterna cinza.

Aspecto do terraço de um bar em Jedey, na zona de exclusão do Vulcão Cumbre Vieja, em La Palma.
Aspecto do terraço de um bar em Jedey, na zona de exclusão do Vulcão Cumbre Vieja, em La Palma.Alvaro Garcia (EL PAÍS)

Neste pedaço de mar, faz tempo que ninguém se banha ou toma sol. Em vez de turistas, a costa está ocupada por um navio-tanque preparado para oferecer água de emergência a 500 agricultores da região, que temem pela perda de suas lavouras. Esta embarcação é uma das cinco fontes de água para o plano de irrigação emergencial. O secretário de Transição Ecológica, Luta contra a Mudança Climática e Planejamento Territorial do Governo das Canárias, José Antonio Valbuena, disse nesta quarta-feira que naquele dia e no seguinte seriam injetados até 6.000 metros cúbicos de água, para sua posterior distribuição por parte do Conselho Insular de Águas.

Alguns quilômetros a oeste, trabalha a toque de caixa a equipe de 10 bombeiros do Consórcio da Gran Canaria. São jornadas exaustivas, fazendo todo tipo de trabalho de apoio dentro da zona de exclusão do vulcão de La Palma: limpeza, resgate de animais, ajuda para esvaziar casas, acompanhamento.

Estufas cobertas de cinza nesta quarta-feira em Las Manchas, na zona de exclusão do vulcão de La Palma.
Estufas cobertas de cinza nesta quarta-feira em Las Manchas, na zona de exclusão do vulcão de La Palma. Álvaro García

A jornada desta quarta-feira prenunciava ser assim: triste e exaustiva como todas, mas sem maiores sobressaltos. A equipe liderada por Francisco Bolaños retirava cinzas dos imóveis da estrada de Puerto Naos, incluindo o conhecido restaurante Las Norias. Já depois das 17h (hora local), o dia mudou totalmente. “Quando subíamos para a estrada de San Nicolás [município de El Paso], vimos que a língua de lava havia se rompido, um dedo se desprendeu dela e começou a avançar para sudoeste”, relata Bolaños, visivelmente nervoso, em meio aos bramidos da erupção. “Está indo muito rápido, e temos medo de que interrompa a estrada que desce para Puerto Naos”. Efetivamente, a olho nu, 500 metros a noroeste, a lava está arrasando novas construções de Todoque a 20 metros por hora. Os agentes da Guarda Civil que custodiam as visitas à zona de exclusão organizadapelo Governo das Canárias não escondem seu nervosismo e indicam o caminho de volta pouco antes de terminar o prazo concedido.

A lava faz parte da inundação que emanou do vulcão a partir dos desmoronamentos registrados no cone vulcânico no fim de semana passado, o que levou a um aumento do fluxo. “Não podemos agir quanto a isto. A natureza faz o que quer”, resigna-se o bombeiro. “O único que pudemos fazer é avisar o PMA [Posto de Comando Avançado] e esperar...”. Ele avisa que a estrada para Puerto Naos, por onde a comitiva subiu, está em perigo. Um dia depois, o caminho continuava ameaçado. E, se a lava mantiver sua trajetória, também estariam em risco inclusive localidades como La Bombilla, junto ao mar, e a própria Puerto Naos.

Las Manchas, na zona de exclusão do vulcão Cumbre Vieja, em La Palma.
Las Manchas, na zona de exclusão do vulcão Cumbre Vieja, em La Palma.Alvaro Garcia (EL PAÍS)

Juan Arturo San Gil é um rosto conhecido dos palmeros. É o veterano diretor do canal local TV La Palma.com e um profundo conhecedor da geografia, dos povoados e da gente de La Palma. Serve de cicerone para o grupo de jornalistas, a maior parte de fora das ilhas, aos quais também distribui balas e frutos secos. “Faz menos de dois meses eu estava almoçando em Puerto Naos, e olha agora...”, lamenta-se. “Minha ilha parece Sarajevo.”

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