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Mais munição numa Ásia que se rearma

Acordo estratégico impulsionado por Biden para frear a China amplia a tensão numa região com um gasto militar em expansão

Lançamento de um míssil de submarino sul-coreano nesta quarta-feira, 15 de setembro.
Lançamento de um míssil de submarino sul-coreano nesta quarta-feira, 15 de setembro.HANDOUT (Reuters)
Macarena Vidal Liy
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Aliança orquestrada por Biden no Pacífico agrava choque com a China
Beijing (China), 19/03/2021.- Chinese Foreign Ministry spokesman Zhao Lijian speaks during a daily media briefing in Beijing, China, 19 March 2021. Canadians Michael Spavor and Michael Kovrig, detained by Chinese authorities in 2018 and accused of espionage, will go on trial on 19 and 22 March 2021. EFE/EPA/ROMAN PILIPEY
China acusa EUA, Reino Unido e Austrália de fomentar “corrida armamentista” com pacto de defesa

A nova aliança estratégica de defesa entre os Estados Unidos, o Reino Unido e a Austrália (Aukus), um movimento que pode mudar os rumos da intensa partida de xadrez geoestratégico travada entre Washington e Pequim na Ásia, desatou a fúria da China. Mal havia terminado a videoconferência em que os líderes do novo Aukus anunciaram o pacto, e o Governo de Xi Jinping já punha a boca no mundo, advertindo para o risco de uma corrida armamentista. Mas não é de hoje que a vasta região que abrange os oceanos Índico e Pacífico vem se rearmando.

Só nesta semana, nos dias imediatamente anteriores ao anúncio trilateral, a Coreia do Norte disparou dois mísseis balísticos e um de cruzeiro, de longa distância, sobre as águas asiáticas. A Coreia do Sul testou com sucesso um míssil lançado de um de seus submarinos de fabricação própria, no que representa um marco para a sua capacidade militar. E o Governo de Taiwan também propõe uma verba adicional de bilhões de dólares para desenvolver e adquirir novos armamentos, incluindo mísseis de cruzeiro e navios de guerra. Alguns dos mísseis mais modernos do mundo estão sendo desenvolvidos nesta região.

No ano passado, os governos da Ásia e Oceania investiram 528 bilhões de dólares (2,8 trilhões de reais) na dotação de seus Exércitos, segundo os dados reunidos pelo Instituto Internacional de Pesquisas da Paz de Estocolmo (Sipri). Uma soma que representava um aumento de 2,5% com relação ao ano anterior; inferior aos 801 bilhões de dólares gastos na América do Norte, mas quase 40% acima do orçamento militar total no continente europeu.

Esse crescimento, que reflete um aumento constante ao longo das últimas duas décadas, é puxado pelo vasto investimento da China na modernização das suas Forças Armadas. O orçamento militar de Pequim em 2020, segundo o Sipri, beirou os 258 bilhões de dólares. Um aumento relativamente modesto com relação ao ano anterior, de 1,9%, mas que representa uma elevação de 76% em uma década.

“O gasto chinês cresceu durante 26 anos consecutivos, a série mais longa sem interrupções [de aumento do gasto militar] de qualquer país em nossa base de dados”, indica o instituto sueco em seu relatório anual. Para efeitos de comparação, os EUA – país com maior orçamento militar do mundo – gastaram 778 bilhões de dólares para manter suas Forças Armadas, uma alta de 4,4% em um ano, mas que representa ainda uma cifra 10% menor que em 2011.

O Exército Popular de Libertação (EPL) da China conta com o maior número de soldados, cerca de dois milhões de soldados, e a maior frota naval do mundo, com quase 360 navios, aspirando a se tornar uma força de combate totalmente modernizada até 2027, centenário da sua fundação. Para isso, está construindo dois novos porta-aviões, para se juntarem a outros dois já existentes, desenvolvendo foguetes de longo alcance e competindo com os Estados Unidos no terreno das armas do futuro, da tecnologia quântica a mísseis hipersônicos.

Junto a uma maior disponibilidade de recursos graças ao crescimento econômico da Ásia neste século, e de razões ideológicas em certos casos – o conservador primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, fez do fortalecimento das forças japonesas uma de suas prioridades até renunciar por motivos de saúde um ano atrás –, o crescente poderio militar de Pequim estimulou outros países na região a reforçarem seus equipamentos bélicos.

Ao apresentar sua proposta de orçamento extraordinário de 240 bilhões de dólares taiwaneses (45,7 bilhões de reais) nos próximos cinco anos – que se somarão a 474 bilhões já previstos no orçamento para 2022 –, o Ministério de Defesa da ilha advertiu nesta quinta-feira sobre a “grave ameaça” representada pela China continental. Pequim considera a ilha como parte inalienável de seu território e nunca renunciou à força como via para a reunificação.

A China “continuou investindo profusamente em seu orçamento de defesa nacional, sua força militar cresceu com rapidez, e com frequência ela envia aviões e navios para assediar e invadir nossas águas e espaço aéreo”, disse o ministério em nota. “Diante das graves ameaça do inimigo, as Forças Armadas da nação participam ativamente dos trabalhos de preparação e consolidação do nosso Exército, e é urgente que consiga uma produção de armamento rápida e de qualidade em um curto prazo de tempo”, acrescentava.

Taipé denuncia que há aproximadamente um ano a China lança constantes incursões de seus aviões militares em sua zona de identificação aérea. Ainda nesta sexta-feira, depois da apresentação orçamentária, a força aérea taiwanesa interceptou uma dezena de aviões chineses em seu espaço aéreo.

Em outros países da região, o gasto militar também parece estimulado pelo receio quanto ao poderio chinês. Além de seus novos mísseis balísticos lançados de submarinos (SLBM), a Coreia do Sul planeja a construção de um porta-aviões e o desenvolvimento de seu míssil Hyunmoo-4, com um alcance de 800 quilômetros, um investimento mais voltado a criar um elemento dissuasivo contra Pequim do que a fazer frente à Coreia do Norte.

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E, apesar de não terem sido citadas nominalmente na apresentação do Aukus, a China e sua expansão são o alvo evidente da nova aliança estratégica. “É impossível entender isto como algo que não seja uma resposta à pujança da China”, opina Sam Roggeveen, do Instituto Lowy, da Austrália, no blog The Interpreter, mantido por seu laboratório de ideias.

O pacto também representa uma “escalada significativa do compromisso norte-americano contra esse desafio”, na opinião desse especialista. Ele dotará a Austrália – que se verá reforçada assim como ator militar na região – de tecnologia para a construção de submarinos com propulsão nucleares. Inclui também a colaboração de Washington, Londres e Canberra no desenvolvimento de sistemas bélicos com tecnologia de ponta, incluindo inteligência artificial e armas quânticas.

Ataque pelo flanco comercial

“Surgindo apenas duas semanas depois de Biden declarar encerrada a guerra no Afeganistão, e só oito dias antes da primeira cúpula do QUAD – a aliança de segurança formada por Índia, Japão, Austrália e Estados Unidos –, a apresentação do Aukus reafirma a determinação da Administração de Biden em obrigar aliados e sócios norte-americanos a entrarem no jogo da competição com a China”, aponta em nota Ali Wyne, da consultoria Eurasia Group.

Por enquanto, e depois da primeira reação de fúria verbal, a China optou por direcionar sua resposta a outro terreno que não o militar. Horas depois da constituição do Aukus, Pequim apresentava seu pedido formal de adesão ao Acordo Abrangente e Progressivo para a Aliança Transpacífica (CPTPP, na sigla em inglês), o pacto destinado a criar uma zona de livre comércio em ambas as margens do Pacífico, que foi originalmente liderado pela Administração de Barack Obama, mas da qual Donald Trump retirou os Estados Unidos em 2017.

A iniciativa de Pequim, na opinião do Wyne, indica que a China “percebe a falta de uma estratégia comercial nos Estados Unidos como possível calcanhar de Aquiles nos esforços de Washington para competir com a China na região do Indo-Pacífico e além”.

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