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Suposto contrabando de armas da Argentina para a Bolívia agita a política interna nos dois países

Governos acusam o ex-presidente Mauricio Macri de enviar munição a La Paz para reprimir manifestantes depois da deposição de Evo Morales

El expresidente de Argentina Mauricio Macri
O ex-presidente argentino Mauricio Macri em 9 de julho, em Madri.Eduardo Parra (Europa Press)

As denúncias contra o ex-presidente Mauricio Macri e alguns de seus colaboradores por terem supostamente enviado munições à Bolívia para reprimir manifestações contra a então presidente interina Jeanine Áñez, em 2019, inflamou a tensão política interna na Argentina e na Bolívia. O atual Executivo argentino de centro-esquerda levou o presidente anterior à Justiça pela suspeita de que permitiu o contrabando de material para uso das tropas de choque bolivianas. Macri, agora na oposição, nega as acusações e as atribui a uma perseguição política orquestrada pelo presidente Alberto Fernández para desviar a atenção da situação sanitária e econômica.

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“É a primeira vez, e isto nos envergonha como argentinos, que um presidente democrático do nosso país teria colaborado com um golpe de Estado de um país irmão”, disse o ministro argentino da Justiça, Martín Soria, em um encontro com imprensa internacional em Buenos Aires junto com a titular da pasta da Segurança Pública, Sabina Frederic.

A dura acusação de Soria terá que ser comprovada ou desmentida pela Justiça. Na segunda-feira, o Governo argentino interpôs uma denúncia penal por “contrabando agravado” contra Macri, o ex-chanceler Jorge Faurie, a ex-ministra de Segurança Patricia Bullrich e o ex-chefe da Alfândega, entre outros, depois que o Governo boliviano revelou a existência de uma carta do então chefe da Força Aérea agradecendo a entrega de 40.000 cartuchos de balas de borracha, entre outros materiais.

De acordo com a reconstrução feita pelo ministro da Justiça argentino, 70.000 “munições antitumulto” saíram da Argentina em um avião militar com destino a La Paz, horas depois de Áñez assumir o cargo na qualidade de presidenta do Congresso. O material viajou em caixas lacradas, acompanhado por uma dezena de membros de um esquadrão Alacrán, força de elite da Gendarmería, a polícia militar argentina. Os organismos de controle do país platino autorizaram a saída desse material bélico para ser usado oficialmente na proteção da embaixada argentina na Bolívia. Entretanto, o esquadrão Alacrán “não disparou um só tiro” em La Paz, informou Frederic. Segundo a ministra, as munições tampouco foram gastas em treinamento, como alegou um alto funcionário da Gendarmería por carta oito meses depois. Os ministros suspeitam que as balas de borracha foram parar nas mãos das forças bolivianas para reprimir as manifestações contra a presidenta interina.

A denúncia aprofundou fissuras políticas pré-existentes. Tanto na Bolívia como na Argentina, a primeira reação da oposição foi questionar a veracidade da carta de agradecimento do ex-comandante da Força Aérea, difundida pelo chanceler boliviano, Rogelio Mayta.

“As ações do chanceler e do embaixador argentino [Ariel] Basteiro, no tema da carta, estão gerando uma enorme dúvida sobre a responsabilidade e seriedade do governo de [Luis] Arce”, tuitou o líder oposicionista Carlos Mesa, adversário do esquerdista Arce na eleição presidencial de 2020. Os editoriais de vários veículos de comunicação também trataram o assunto como uma ficção criada pelo governismo para respaldar sua interpretação de que houve um golpe de Estado em 2019, o que a oposição nega. Aferraram-se à versão dada por Macri em uma entrevista em Madri: “Quero desmentir de maneira taxativa a veracidade dessas acusações e, ao mesmo tempo, repudiar a carta que o presidente Alberto Fernández enviou às autoridades bolivianas expressando ‘dor e vergonha’ sobre esses fatos falsos em que querem me envolver”.

Pouco depois, Macri afirmou que a denúncia era uma cortina de fumaça do Governo, preocupado com a aproximação das eleições legislativas que renovará metade da Câmara e um terço do Senado. Nesta quarta-feira, Argentina superou as 100.000 mortes pela covid-19, o que significa um duro revés para o Executivo argentino. “Esta perseguição da qual sou alvo é justamente uma nova tentativa de desviar a atenção do fracasso no manejo da pandemia, do fracasso econômico e do fracasso da gestão das vacinas”, escreveu Macri em uma carta aberta no Facebook, antes de desejar que o peronismo “seja derrotado amplamente” na eleição de novembro.

Divisão na Bolívia

Mesa denunciou como fraudulenta a eleição de outubro de 2019, que oficialmente reelegeu o então presidente Evo Morales, o que iniciou uma onda de protestos maciços que paralisaram o país. Pressionado pelos militares, Morales renunciou e deixou a Bolívia. Áñez então, de maneira controvertida, formou um governo, do qual Mesa não participou, embora entenda que o mandato dela foi “perfeitamente constitucional”, respeitando as normas sucessórias previstas em lei. Esta é também a postura do resto da oposição e dos mais importantes jornais, canais de TV, universidades, instituições cívicas e entidades culturais bolivianas. Segundo o sociólogo Fernando Mayorga, existe na Bolívia “um conflito entre um campo nacional-popular e um campo oligárquico-conservador, [o que] matiza e enriquece o olhar dualista que reduzia a disputa política à confrontação entre o campo oficialista [o MAS, partido de Morales] e campo opositor [contrário ao MAS]”.

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A carta de agradecimento não só apareceu no arquivo da embaixada argentina no país, mas também no da Força Aérea. Por esta razão, uma agência verificadora que inicialmente a qualificou como falsa se retratou. Apesar disso, seu suposto autor, o ex-comandante da Força Aérea Gonzalo Terceros, continua negando que a tenha escrito, alegando que sua assinatura ali foi falsificada.

As autoridades bolivianas investigam nesta semana se há munição antidistúrbios da Argentina entre o armamento localizado num depósito policial na periferia de La Paz. O objetivo é esclarecer qual foi o destino do equipamento que viajou com o comando Alacrán e foi desviado para as forças de segurança bolivianas. No início do Governo interino de Áñez, a polícia carecia de material para reprimir distúrbios, porque seus estoques haviam se esgotado durante as três semanas anteriores de manifestações contra Morales. O Gabinete de Áñez apelou ao Governo de Lenín Moreno, no Equador, pedindo gás lacrimogêneo emprestado. Não se sabe até agora, no entanto, se um pedido semelhante foi feito à Argentina.

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