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Espanha cobra o desbloqueio do acordo da União Europeia com o Mercosul

Pedro Sánchez solicita por escrito a Ursula Von der Leyen que acelere também os pactos com o México e o Chile

Pedro Sánchez e Ursula von der Leyen antes de se reunirem em Bruxelas, em setembro passado.
Pedro Sánchez e Ursula von der Leyen antes de se reunirem em Bruxelas, em setembro passado.POOL (Reuters)
Claudi Pérez
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A Espanha está lançando uma ofensiva diplomática para que a Europa volte a olhar para a América Latina. O presidente do Governo espanhol, Pedro Sánchez, solicitou à chefa da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que desbloqueie o acordo com o Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) e acelere os pactos com o México e o Chile, como forma de apresentar um sinal político de primeira magnitude diante da crescente influência chinesa na região. Em uma carta assinada em 30 de abril, à qual o EL PAÍS teve acesso, Sánchez salienta a “importância estratégica” da América Latina, apesar das relutâncias de algumas capitais aos avanços na região. Enquanto isso, a UE não deixou de assinar acordos no Pacífico (Vietnã, Coreia, Japão e o polêmico acordo de investimentos com a China).

As negociações com o Mercosul foram concluídas em meados de 2019, coroando um processo que se prolongou por mais de 20 anos. Esse pacto, o maior já alcançado pela Europa, daria acesso a um mercado de 265 milhões de pessoas e implicaria a redução gradual de 90% das barreiras tarifárias em um prazo de 10 anos, em um aceno político maiúsculo para a região, principalmente quando se soma a ele a atualização dos acordos com o México e o Chile. Mas essa proeza diplomática, em meio à tensão entre os EUA e a China, não chegou a se configurar até agora: o pacto com o Mercosul continua bloqueado por países como a França, que disfarça com desculpas ambientais seu protecionismo agrícola, e pelas reticências de um grupo que inclui Áustria, Países Baixos, Bélgica e Irlanda. A Alemanha é mais favorável, embora a chanceler (primeira-ministra) Angela Merkel tenha deixado escapar certa vez que tem “sérias dúvidas” a respeito, por causa de aspectos como o desmatamento da Amazônia. Os acordos com o México e o Chile continuam paralisados por questões técnicas, embora também haja certas reservas políticas no caso do México.

A presa mais valiosa é o Mercosul, e na sua carta o primeiro-ministro da Espanha enfatiza esse pacto. Os Governos com mais sensibilidade verde, como o da Áustria, não veem com bons olhos o acordo, especialmente pela falta de sensibilidade ambiental do Brasil de Jair Bolsonaro. A Espanha pretende que a UE desencalhe o acordo (com um impacto sobre o PIB de 15 bilhões de euros, ou 97,4 bilhões de reais, até 2032) ao longo deste ano, aproveitando a presidência portuguesa da UE. Para superar as relutâncias, Sánchez pede a Von der Leyen “uma proposta concreta” no capítulo de desenvolvimento sustentável e argumenta haver “predisposição” do Mercosul nessa matéria. Os vice-presidentes comunitários Frans Timmermans, pelo lado verde, e Valdis Dombrovskis, pelo flanco comercial, preparam uma proposta que seja aceitável pelos 27 países do bloco e que poderia incluir uma cláusula de suspensão do acordo por questões ambientais. Mas as urgências da Espanha contrastam com o laconismo de outros países, como a França, que pressionam Bruxelas a adiar essa proposta.

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Calendário eleitoral

A ministra espanhola de Relações Exteriores, Arancha González Laya, viaja nesta semana ao Brasil com esse acordo em mente. Mas tampouco o calendário eleitoral (eleições gerais em setembro na Alemanha, e legislativas na França meses depois) favorece essa aceleração que a diplomacia espanhola está buscando. Seria “um grave erro” desperdiçar o semestre de presidência portuguesa, na avaliação de Madri, porque depois se sucederiam várias presidências do Leste Europeu, com outras prioridades, enquanto Lisboa se alinha perfeitamente aos vizinhos ibéricos neste assunto.

A proposta espanhola permitiria desencalhar o acordo sem necessidade de reabri-lo, segundo as fontes consultadas. Mas as dinâmicas europeias são complexas: a UE chegou ao acordo político com o Mercosul em junho de 2019, já faz quase dois anos, mas as resistências de vários países à conclusão desse trato são notáveis. O texto está na etapa de revisão jurídica e de tradução para as 24 línguas da União; depois deveria ser ratificado pelo Parlamento Europeu e pelos Parlamentos nacionais de ambos os lados do Atlântico. Mas antes terá que vencer os sinais negativos que emergem de várias capitais. Espanha, Portugal e os nórdicos são os mais favoráveis, mas a frente formada pela França, Áustria, Países Baixos, Bélgica e Irlanda, junto com uma Alemanha às vésperas das eleições ―e com os Verdes disparados nas pesquisas―, dificultam uma atitude mais assertiva.

A ofensiva espanhola vai além do Mercosul, com os olhares voltados para estreitar os laços entre a Europa e uma região muito golpeada pela covid-19 e em plena efervescência social e política. Madri quer acelerar também o acordo global de modernização com o México, que consta de três pernas: comercial, de investimentos e política. A Europa é o terceiro maior sócio comercial do México e o segundo investidor externo. A atualização do acordo, no entanto, enfrenta dificuldades: o Governo de Andrés Manuel López Obrador não gera em Bruxelas os mesmos receios que Bolsonaro, mas a involução em setores como o meio ambiente e as energias limpas também acenderam os alarmes. A Europa incluiu cláusulas relativas à transparência e corrupção e quer vigiar de perto assuntos como matérias-primas, energia e desenvolvimento sustentável.

Sánchez exige de Von der Leyen que o pacto fique pronto “nos próximos meses”, apesar das dificuldades “técnicas”. As fontes consultadas em Bruxelas incluem vieses mais profundos, mais políticos. A Espanha pretende contornar esses problemas ratificando um a um os pactos político, comercial e de cooperação, evitando assim que a eventual negativa de algum país faça o acordo inteiro descarrilar: o comércio é competência europeia, e a ratificação do Parlamento Europeu bastaria para ativar essa parte, embora o México prefira uma só ratificação do acordo geral.

A Comissão Europeia estabeleceu como prioridade concluir os acordos com o Mercosul e o México este ano. No caso do Chile, a carta do Sánchez não estabelece prazos e se limita a pedir que “as dificuldades” para sua ativação sejam solucionadas “em breve”. A Europa não vê no Chile os potenciais problemas representados pelo Brasil dentro do Mercosul ou pelo México, mas Bruxelas tampouco tem pressa neste caso, apesar dos apelos de Sánchez para aumentar o ritmo e reforçar a “autonomia estratégica” europeia.

China aumenta protagonismo na região

A Europa e a América Latina somam 14% da população mundial e quase um quarto do PIB global, mas o velho continente olha muito mais para o Pacífico do que para o Atlântico Sul. A Europa assinou nos últimos meses vários acordos comerciais na Ásia, mas não consegue fechar os pactos com a América Latina, apesar do otimismo que a Espanha manifestava há poucos meses. O PIB dos países do Mercosul equivale à quinta economia do mundo; o México é o décimo país mais populoso, e, em geral, a Espanha tem muitos interesses na região, embora algumas das suas empresas estejam em plena retirada.

Mas a América Latina não é prioritária na Europa, embora tanto os EUA quanto a China voltem seus olhos para essa área. Isso é válido especialmente para Pequim ―a China, que se tornou há alguns anos o principal investidor estrangeiro na região, agora cede 70% das vacinas que fabrica para os países latino-americanos. A região ganhou uma relevância fundamental em meio às tensões entre Washington e Pequim. Os Estados Unidos renegociaram o acordo comercial com o Canadá e o México e receiam os interesses da China no sul do continente, por sua avidez por matérias-primas.

A América Latina é uma das áreas mais golpeadas pela covid-19 no mundo. As classes médias estão em franco retrocesso, e a combinação dos altos níveis de desigualdade e os enormes bolsões de pobreza acenderam o pavio dos protestos sociais em vários países. A Espanha, além disso, adverte para o impacto econômico da pandemia, que poderia resultar em uma nova onda de crises de dívida soberana.

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