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Andrew Cuomo, o governador de Nova York que passou de herói a vilão

Denúncias de assédio sexual feitas por ex-assessora se somam à polêmica pela ocultação da cifra de mortos por covid-19 em asilos do Estado

Andrew Cuomo
O governador Andrew Cuomo na inauguração de um macrocentro de vacinação no Queens (Nova York), nesta quarta-feira.POOL (Reuters)
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Lila Blanks reacts next to the casket of her husband, Gregory Blanks, 50, who died from complications from the coronavirus disease (COVID-19), ahead of his funeral in San Felipe, Texas, U.S., January 26, 2021. Blanks ran a heating and air conditioning business in the Houston area. He was a huge fan of the Dallas Cowboys football team. In keeping with current restrictions to prevent infections, only a limited number of family and friends were able to attend the burial at San Felipe Community Cemetery. Clad in a face mask sporting the logo of her husband's company, Blanks' wife Lila solemnly watched as some of Pryor's workers lowered the casket into the ground. "We need to all do what we need to do to get over it," she said. "So it'll be over and we don't keep burying our husbands, our children, our mothers, our fathers." REUTERS/Callaghan O'Hare     SEARCH "FUNERALS O'HARE" FOR THIS STORY. SEARCH "WIDER IMAGE" FOR ALL STORIES
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O governador do Estado de Nova York, o democrata Andrew Cuomo, passou de herói a vilão desde o começo da pandemia. As acusações de assédio sexual lançadas por uma ex-assessora nesta quarta-feira se somam à tempestade política desatada em suas próprias fileiras pela ocultação de dados relativos a mortes por covid-19 em asilos geriátricos, um caso que está nas mãos da Justiça e no qual a ala mais progressista do seu partido é responsável por rajadas de fogo amigo.

“Todos contra Cuomo” parece ser o lema; mas, sobretudo, os aliados. Para quem já foi visto de fora como um modelo de comunicação na primeira onda da pandemia, com entrevistas coletivas diárias sendo transmitidas pela televisão – renderam-lhe inclusive um prêmio Emmy –, tudo agora se volta contra ele. Cuomo (Nova York, 63 anos) chegou a escrever um livro sobre sua eficaz gestão da emergência; para seu pesar, continua fazendo correr rios de tinta.

Lindsey Boylan, ex-assessora econômica do Governo estadual e atual candidata a administradora do condado de Manhattan, revelou nesta quarta-feira novos detalhes sobre o suposto assédio cometido pelo governador durante os quatro anos em que eles trabalharam juntos, algo que ele negou ter ocorrido. Em uma carta no site Medium, Boylan esmiuçou episódios como um convite do político para jogar strip poker quando, em 2017, eles estavam viajando “no avião dele, pago com impostos dos contribuintes”, e, na presença de outros colaboradores e de um segurança, Cuomo a imobilizou com os joelhos, sentado em frente a ela, propondo jogar essa modalidade de pôquer que obriga o perdedor a ir tirando peças de roupa. Em outra ocasião, em 2018, Cuomo teria beijado Boylan nos lábios quando eles estavam a sós em seu gabinete. No final do mesmo ano, ela pediu demissão.

As supostas testemunhas do convite para o strip poker disseram nesta quarta-feira, através da assessoria de imprensa do governador, que a cena nunca aconteceu. O próprio Cuomo, um ítalo-americano em seu terceiro mandato consecutivo como governador, já rejeitou as acusações de Boylan quando ela o acusou de assédio em dezembro, via Twitter. “As mulheres têm direito de expressar sua opinião”, esquivou-se Cuomo na época, salientando que os tuítes da ex-assessora não se ajustavam à realidade. Muito mais taxativo foi nesta quarta o seu assessor de imprensa ao declarar: “As acusações da senhora Boylan são simplesmente falsas”.

Embora o suposto assédio possa desviar a atenção do que na verdade é uma grande briga política, com o setor mais progressista dos democratas arremetendo há meses contra ele – numa espécie de prólogo de um eventual duelo pelas rédeas do partido em nível nacional –, a denúncia só aumenta o mar de lama que há meses vem salpicando o governador. Em janeiro, a renúncia sucessiva de uma dezena de altos funcionários do Departamento de Saúde Pública revelou seus peculiares métodos de gestão da emergência, rejeitando os protocolos existentes, aprovados por especialistas, para em vez disso aplicar seu próprio modelo de vacinação, ao mesmo tempo em que desautorizava publicamente o critério dos sanitaristas. Depois eclodiu o caso dos asilos geriátricos, mais tarde confirmando-se que o Estado de Nova York tinha mentido sobre a cifra real de mortos pela covid-19. O próprio Cuomo se viu obrigado a admitir que o número de mortos nos asilos chega a 15.000, em vez dos 8.000 que sua Administração teimou em declarar durante meses.

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Ameaça de ‘impeachment’

A ocultação de dados, que motivou uma investigação do procurador federal do distrito leste de Nova York e do FBI, pôs Cuomo definitivamente na mira dos seus correligionários, que já vinham questionando seu poder absoluto, protegido pelo resplendor midiático, e se contrapondo a ele com iniciativas legislativas de corte mais social, como um projeto de lei para sobretaxar os bilionários em detrimento dos setores mais desfavorecidos pela pandemia.

Mas com o caso dos asilos geriátricos, a anódina Albany, a capital estadual, em um segundo se tornou o olho de um furacão político: por terra, mar e ar, seus correligionários estão em cima dele. Os legisladores estaduais fizeram um pedido para privar Cuomo dos poderes emergenciais concedidos para enfrentar a pandemia, e alguns propõem inclusive submetê-lo a um impeachment. O conflito contrapõe claramente duas facções do partido: o reduto do establishment contra a renovação (ou esquerda).

A principal voz dessa corrente é o legislador Rom T. Kim, que se define como “delegado de Bernie [Sanders]” no Twitter e perdeu um tio em um asilo por causa da covid-19. E, sendo o aríete, levou também a pior no confronto. Cuomo ameaçou destruir a sua carreira se insistisse em cobrar suas responsabilidades, disse o próprio Kim na semana passada. Entre os argumentos desse bernista se destaca a denúncia de que Cuomo blindou os empresários donos os asilos para eximi-los de culpa, enquanto jogava a responsabilidade no ombro dos funcionários dessas instituições.

Destacados representantes da ala progressista democrata se agrupam nos últimos dias em torno do prefeito de Nova York, o também democrata Bill de Blasio, rival inveterado de Cuomo. O antagonismo entre os dois ficou claro durante a gestão da pandemia, com medidas contraditórias – por exemplo, as relativas ao fechamento de comércios e escolas para evitar contágios –, chegando ao extremo de utilizar duas métricas diferentes para calcular a prevalência do vírus, o que torna qualquer balanço incongruente. Mas a ponta do iceberg da briga, agora exposta em vermelho vivo, oculta uma maré de fundo, ou talvez um tsunami: “A luta de morte pela alma do partido democrata”, segundo definição de um ativo militante progressista de Nova York amparado no anonimato.

É mais que uma emenda à gestão executiva do governador, que desde março passado controla as decisões sobre confinamentos ou administração de vacinas. O que se intui sutilmente em nível nacional eclodiu em Nova York. As eleições para governador no ano que vem, quando Cuomo teoricamente disputará um novo mandato – à espera de saltar à arena política nacional, segundo alguns –, são vistas como um catalisador da mudança dentro do Partido Democrata. Grupos progressistas como o Partido das Famílias Trabalhadoras vão lutar pela renovação, enquanto o escândalo dos asilos e um suposto assédio sexual prolongado se abatem como uma rocha sobre o futuro político de Cuomo.

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