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Socialistas vencem eleições catalãs, mas independentismo reforça sua maioria

Ultradireitista Vox entra no Parlamento regional com a quarta maior bancada, e o Cidadãos, vencedor em 2017, confirma seu encolhimento e elege apenas 6

O líder do PSC, Salvador Illa, comemora a vitória na sede do seu partido, em Barcelona. Em vídeo, o ex-ministro diz que vai disputar a presidência regional.
O líder do PSC, Salvador Illa, comemora a vitória na sede do seu partido, em Barcelona. Em vídeo, o ex-ministro diz que vai disputar a presidência regional.Albert Garcia (EL PAÍS)
Miquel Noguer
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Nem mesmo uma pandemia, com a crise econômica dela decorrente, serviu para dar alguma previsibilidade ao cenário político catalão. As eleições deste domingo na região espanhola, com uma forte abstenção motivada pelo coronavírus, deram a vitória em número de votos ao Partido dos Socialistas da Catalunha (PSC), do ex-ministro da Saúde Salvador Illa, mas sem que este impulso bastasse para derrotar o bloco independentista, que sai reforçado. O resultado das urnas abre as portas para uma nova aliança entre a Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) e o Juntos pela Catalunha (JxCat), que nos últimos anos mantiveram uma coalizão que gerou forte instabilidade dentro e fora da região. A novidade será, se os independentistas ficarem novamente de acordo, que pela primeira vez a ERC lideraria o Governo da Generalitat, desbancando o JxCat.

Os socialistas conseguiram atrair boa parte do voto não independentista que em 2017 optou pelo centro-direitista Cidadãos, mas também o de catalães que desejam virar a página após 10 anos de procés independentista. Obtiveram 33 assentos e 23% dos votos, seu melhor resultado desde 2006. Muito perto se situou a ERC, também com 33 deputados e 21,3% dos votos. O tradicional partido esquerdista ficou sem a vitória mais uma vez, mas obteve o prêmio de consolação de, pela primeira vez, formar a maior bancada entre os partidos independentistas nas eleições para o Parlament. Seus eternos rivais da centro-direita independentista, agora sob a marca Juntos, ficaram em terceiro, com 32 assentos e 20% dos votos.

Os outros cinco partidos com representação na futura legislatura aparecem a grande distância, com destaque para a irrupção do Vox, estreando no Parlament como quarta força e 11 deputados, o que faz dele a principal referência da direita para combater o independentismo. Isso deixou fora do jogo o Cidadãos, partido que havia vencido as eleições de 2017 com 36 deputados e que agora tem que se conformar com apenas seis, numa das maiores derrotas eleitorais já vistas na Catalunha. O direitista Partido Popular voltou a piorar seus resultados e ficou com apenas três deputados, um menos que em 2017, quando já havia registrado seu pior desempenho. O Em Comum Podemos (ECP), versão catalã do partido esquerdista espanhol Podemos, elegeu oito deputados e manteve sua bancada do mesmo tamanho. A Candidatura da Unidade Popular (CUP, esquerda independentista e anticapitalista) também obteve seu melhor resultado até hoje, com nove deputados.

Com estes resultados, o independentismo pode continuar governando a Catalunha, embora o PSC também possa tentar se somar ao ECP e à ERC para uma maioria de esquerda. Para eleger o presidente da Generalitat, é preciso reunir o apoio de 68 dos 135 deputados do Parlament. Caso se imponha a coalizão independentista, ela agora seria encabeçada pela ERC em vez do JxCat, que foi a força vencedora em 2017 dentro do bloco secessionista. Isto permitiria que a esquerda catalã tente impor um predomínio das suas pautas, mais partidárias da pressão um por referendo pactuado com Madri e mais distantes da via unilateral defendida pelo ex-presidente regional Carles Puigdemont, que vive foragido da Justiça espanhola na Bélgica.

A reformulação do atual Governo de coalizão só será possível se ERC e JxCat conseguirem definir uma mensagem comum sobre a questão territorial. O Juntos acusa a Esquerda Republicana de ter desistido em sua luta pela independência após abraçar vias mais pragmáticas, enquanto a ERC acusa os sócios de quererem apressar seus objetivos sem ter suficiente maioria social.

Neste domingo, pela primeira vez em eleições para o Parlamento regional, os partidos favoráveis à independência obtiveram mais de 50% dos votos, mas isto ocorreu em um pleito com baixa participação e graças à soma de quatro formações –uma delas, o PDeCAT, ficou fora do plenário – e com projetos muito díspares. Além disso, vários deles admitem que 50% dos votos não são suficientes para proclamar a independência, como tampouco bastam para reformar o Estatuto de Autonomia da Catalunha. Na verdade, o independentismo conseguiu superar 50% desta vez mesmo tendo 630.000 votos a menos que nas eleições de 2017, o que se traduz no apoio de apenas 26% do total do eleitorado.

O candidato da ERC, Pere Aragonès, lançou uma mensagem ao Governo central. “É a hora de resolver o conflito, é a hora de se sentar e ver como resolvemos isto com um referendo”. A intenção da ERC é formar um Governo não só com o JxCat e a CUP, mas também com o Em Comum Podemos. “Há uma maioria clara de deputados independentistas e de esquerda”, disse, antes de convocar uma reunião das forças partidárias favoráveis à anistia para os ativistas presos em decorrência do procés independentista.

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Formar uma maioria de esquerda parece ser mais complicado porque, embora o PSC, ECP e ERC somem uma ampla maioria em assentos, a ERC se distanciou durante a campanha de qualquer acordo com os socialistas. Contudo, o candidato do PSC, Salvador Illa, insistiu neste domingo à noite em que deseja disputar a presidência regional, embora, neste momento, não se vislumbrem apoios suficientes. Só pode contar com a ajuda dos oito deputados do ECP além dos seus 33, no que seria uma repetição da coalizão que governa a Espanha. Porém, isso ainda os deixa muito distantes da maioria de 68 deputados. Seja como for, o PSC quis exibir sua primeira vitória em muitos anos numa eleição catalã. Illa proclamou que “a mudança na Catalunha não tem volta atrás”.

Na noite deste domingo, parecia improvável que os blocos se rompam para formar um Governo transversal. Para isso, a ERC deveria desdizer seu compromisso escrito de não pactuar com o PSC. Ou os socialistas deveriam retirar seu compromisso de não dar posse a um independentista.

Agora se avizinham dias e semanas de intensas negociações. A CUP será uma força necessária para a formação de um Governo estritamente independentista, e no passado não facilitou as coisas: em 2015, por exemplo, essa agremiação de extrema esquerda conseguiu impedir que Artur Mas, um centro-direitista independentista, fosse reconduzido à presidência da Generalitat. Os Comuns também já disseram que não pretendem participar de um governo com o JxCat. Se nenhuma destas peças se encaixar, então a ERC poderia decidir explorar outros pactos, mas isto parecia um horizonte longínquo na noite deste domingo. A prioridade de cada partido em primeira instância é assegurar a coesão interna e explorar acordos com as formações que não foram vetadas durante a campanha, antes de se aventurarem em novas alianças.

A lei determina um prazo de 20 dias após a eleição para constituir o novo Parlament. Após essa data, o presidente do Legislativo regional terá mais 10 dias para conversar com as forças políticas e propor um candidato ou candidata à presidência. Em seguida tem lugar o debate para a nomeação. Na primeira votação é necessária maioria absoluta. Se não ocorrer, a votação é repetida em 48 horas, já bastando uma maioria simples (mais votos afirmativos que negativos). Se nem assim for possível eleger um presidente, haverá dois meses para fazer quantas votações forem necessárias. Finalmente, mantendo-se o impasse, seriam automaticamente convocadas novas eleições. Este cenário esteve a ponto de ocorrer em 2015, quando a CUP forçou a retirada de Artur Mas no último momento. Agora todos dizem querer evitar uma negociação prolongada e, na noite deste domingo, já havia contatos entre JxCat, ERC, ECP e CUP.

A elevada abstenção foi o principal diferencial das eleições deste 14 de fevereiro. Menos de 54% dos eleitores foram votar, superando o recorde negativo de participação registrado em 1992, quando o centro-direitista Jordi Pujol encadeava maiorias absolutas.

Esta foi a quarta eleição regional na Catalunha desde que Artur Mas deu início ao processo independentista, em 2010. Ainda faltariam oito meses para o final da atual legislatura, mas a votação foi antecipada porque os sócios do atual Governo, JxCat e ERC, foram incapazes de definir o nome de um novo presidente regional no lugar de Quim Torra (do Juntos), cassado pelo Tribunal Supremo da Espanha por se recusar a retirar da sede da Generalitat os laços amarelos que simbolizam a solidariedade com os independentistas presos. Para Mas, principal ideólogo do procés, a jornada eleitoral deste domingo foi uma autêntica surra. Desvinculado do Juntos e agora apoiando o Partido Democrata Europeu Catalão (PDeCAT), viu como em menos de 10 anos passou de obter vitórias com 62 deputados a ficar excluído da Câmara catalã.

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